Vinte Um

Arquivo : Borousis

E o melhor time de basquete do mundo hoje é…
Comentários Comente

Giancarlo Giampietro

O Indiana Pacers defende que é uma maestria. Mas, não, não estamos falando da rapaziada de Frank Vogel. E não adianta se deslocar para a Costa Oeste americana, por mais que o San Antonio Spurs de Gregg Popovich siga funcionando muito bem, obrigado.

Para ver o melhor time de basquete do mundo hoje, saindo de Indianápolis, o jeito é levantar voo, deixar a Flórida para trás, cruzar o Oceano Atlântico e, atenção tripulação, se preparar para o pouso na capital espanhola.

Real Madrid 2013-2014, um esquadrão com resultados impressionantes

Real Madrid 2013-2014, um esquadrão com resultados impressionantes

O Real Madrid está jogando demais nesta temporada.

Ok, você pode até argumentar que eles não ganhariam nunca uma série melhor-de-cinco-ou-sete do Miami Heat de LeBron James ou mesmo do Pacers. Provavelmente não venceriam, mesmo.

Mas que hoje, se formos abstrair o nível de competição, sem querer comparar Euroliga, Liga ACB ou NBA, numa realidade paralela em que só exista o basquete geral, puro – com o perdão da viagem, e sem o uso de lisérgicos –, o Real é a equipe que está praticando o melhor jogo no planeta.

Foi essa a impressão que tive ao sair da cabine de transmissão do Sports+ há três semanas, após uma de suas exibições pela Euroliga: um atropelo para cima do Zalgiris Kaunas, em Madri (95 a 67).

Só não deu para escrever a respeito na hora por falta de tempo. Além do mais, era preciso um pouquinho de prudência também, e avaliar outros times, outros torneios, ponderar um pouco. Agora, pronto.

Dois parágrafos acima, o termo “exibição” não foi gratuito: mais que jogando, o Real hoje está se apresentando ao público. Pode parecer um tanto exagerado, deslumbrado, mas recomendo: se não é assinante do Sports+ (que transmite a Euroliga com exclusividade*), ou do Bandsports (Liga ACB, o campeonato espanhol), vá a qualquer First Row, Roja Directa online da vida e reserve uma horinha ou mais de seu tempo para ver.

É um time extremamente veloz, de jogo solto, uma característica acentuada desde que Pablo Laso assumiu o clube depois de uma passagem um tanto frustrante do bambambã Ettore Messina. Não tem um brutamontes no time. Felipe Reyes, o eterno reboteiro, que adora o jogo de contato físico, talvez seja quem mais chegue perto desta definição, mas, para os que o conhecem de outros carnavais, sabe que seria exagerado julgá-lo desta maneira. E o gigante grego Ioannis Bourousis pode até parecer um quebra-ossos, mas tem jogo mais refinado, voltado para o perímetro, com bom arremesso.

Aliás, bons chutadores não faltam no elenco. Seu aproveitamento na Liga dos Campeões do basquete hoje é de 42,3% de longa distância, com três atletas convertendo 50% ou mais de seus disparos: o jovem ala Daniel Diez, o próprio Borousis, Dontaye Draper e o ridículo Nikola Mirotic, com 64% (!? – falemos mais sobre Mirotic depois).

(Quem fica mordido com isso é o Sergio Llull. O talentoso armador espanhol, cobiçado e cortejado há anos pelo Houston Rockets, é o segundo que mais chuta entre os madridistas, por mais que converta apenas 28,6% de suas tentativas. É um caso sério, aliás. Em suas primeiras seis temporadas no campeonato, teve aproveitamento de 34,9%, é verdade. Mas esse já seria um rendimento muito baixo para a Europa. E ele não para de chutar, algo que irrita ainda mais quando vemos o quão explosiva é sua passada rumo ao garrafão. Agora levante a mão quem já ouviu história parecida em algum canto do NBB?)

Voltando: sobre a velocidade do Real. Não é que eles saiam correndo a quadra feito malucos com as calças pegando fogo. De acordo com o  site gigabasket.org, eles usam em média 75,5 posses de bola por partida – a terceira marca mais acelerada da competição, coladinho no próprio Zalgiris e no Budivelnik Kiev e não muito distante do pelotão que se estende até o oitavo lugar. A média de toda a liga, para se ter uma ideia, é de 72,8.

Sergio Rodríguez está jogando o fino com seu visual Los Hermanos

Sergio Rodríguez está jogando o fino com seu visual Los Hermanos

De qualquer forma, quando você assiste a um jogo deles, tem a impressão de que  estão por todos os lados, dominando a quadra em sua totalidade. A bola e os atletas não param. A troca de passes e posições é incessante, de um lado para o outro, do garrafão para o perímetro externo, da linha de fora para a zona pintada.

No final, temos o time que mais deu assistências na até aqui (189, contra 177 do segundo colocado, o Lokomotiv Kuban, 152 do terceiro, o Olympiacos, ou 148 do décimo, o Fenerbahçe, para se ter uma ideia). Eles também lideram o ranking de assistência a cada turnover, o da mira de três pontos, estão em segundo em aproveitamento de dois pontos, são quarto em rebotes e enterradas e oitavo em total de lances livres cobrados.

Está bom?

Não, porque tem mais: a agilidade e intensidade do time também contam para um excepcional rendimento defensivo – é aquele que também mais acumulou tocos e roubos de bola, com uma postura bastante agressiva, que coloca muita pressão em cima da bola, para facilitar seus contra-ataques.

Com toda essa exuberância estatística, o clube merengue lidera o Grupo B com nove vitórias em nove rodadas. Ao lado do Olympiacos, que está na dianteira do Grupo C, são os únicos invictos da Euroliga, com a melhor campanha.

Aqui cabe outra intervenção, então: epa, grupos? Sim, grupos: os 24 clubes estão divididos em quatro chaves na primeira fase. Mas isso não torna injusto confrontar campanhas diferentes, ainda mais se apegando a tantos números? Sim, sim. O Fenerbahçe, por exemplo, encabeça o Grupo A, com sete vitórias e duas derrotas, mas vá olhar seus adversários. O time do legendário Zeljo Obradovic está lidando com superpotências como Barcelona e CSKA Moscou, dois dos maiores orçamentos do continente e candidatos perenes ao título. O Real, por outro lado, tem no Anadolu Efes seu principal adversário. Não dá para comparar, mesmo.

Bourousis, o brutamontes, ou quase, do Real

Bourousis, o brutamontes, ou quase, do Real

Mas aí vai uma réplica, então: não é que o time de Laso está apenas vencendo sem parar. Eles, na verdade, estão trucidando a concorrência. Em nove jornadas, somaram 212 pontos de saldo – média de 23,5 por jogo. Seu ataque é feroz: 803 pontos acumulados, 89,2 por partida.

É um domínio sem precedência numa competição dessas e que ganha ressonância na Liga ACB. Em casa, o Real Madrid tem dez vitórias em dez rodadas – enquanto o Barça já perdeu três vezes. Além disso suas médias de pontos são de 89,4 somados por jogo, para um saldo 22,8 a cada triunfo. É impressionante.

Como construir algo desse nível, com essa intensidade? Bem, Laso tem em mãos um elenco em que aquele papo todo de que “aqui não há titulares, somos todos um time, unha e carne” se sustenta. Sua rotação é extensa, com 11 jogadores ganhando tempo consistente. Os minutos são divididos entre os 25min52s de Rudy Fernández aos 11min52s do armador Dontaye Draper – o caçula Diez, o 12º jogador, recebe 6min02s em média e vai aproveitando as surras que o time aplica para ir para a quadra.

Os jogadores abraçaram a causa. Não há relatos de gente reclamando, chorando por mais minutos, arremessos, ainda que muitos deles sejam mais do que capacitados para carregar qualquer equipe. Aqui, o papel de cada um está bem definido. Pegue, por exemplo, o modo como o treinador utiliza seus armadores. O americano Draper joga bem a ponto de ser naturalizado para defender a Croácia em competições de seleção – veja bem o país… Não estamos falando de qualquer Azerbaijão ou Catar. No Real, ele começa praticamente todos os terceiros períodos, sem ganhar um minuto sequer na primeira metade de jogo, dividida entre Llull (geralmente no primeiro quarto) e Sergio Rodríguez (no segundo).

Llull e o Real Madrid estão motivados a deixar o Olympiacos para trás

Llull e o Real Madrid estão motivados a deixar o Olympiacos para trás

Esse tipo de entrosamento e planejamento está longe de ser algo de fácil ou simples execução – basta observar a dificuldade que Xavier Pascual, no Barcelona, e o próprio Messina, no CSKA Moscou, vêm tendo neste início de temporada para administrar elencos igualmente volumosos e talvez mais caros.

No caso do Real, além do sucesso em quadra – que jogador vai ousar reclamar em meio a uma campanha dessas? –, há outro fator que ajuda o controle de Laso sobre o grupo: a frustração pela derrota na decisão da temporada passada para o Olympiacos. A equipe abriu 17 pontos de vantagem no primeiro quarto, mas tomou uma virada desconcertante, deixando escapar um troféu que não erguem desde 1995. A frustração virou determinação.

Para os merengues, chegou a  hora. De serem os melhores – ao menos da Europa.

*  *  *

Na segunda fase da Euroliga, os 16 clubes restantes estarão divididos em dois grupos, e o Real vai ter adversários mais fortes pela frente para ser testado. A essa altura, contudo, desnecessário dizer que a preocupação é toda desses próximos rivais. Chegou a hora de falar um pouco sobre alguns dos Galácticos do basquete:

– Quem vai querer lidar com um Nikola Mirotic hoje em dia? O MVP de outubro da Euroliga está impossível: 62,8% nos chutes de dois, 64% de três e 86,8% nos lances livres. Tipo arma letal. Tem médias de 15,0 pontos, 5,3 rebotes 1,2 roubo de bola, 1,0 toco e1,2 assistência em 24 minutos. Com esse tipo de dominância, seu próximo passo parece realmente a NBA. É essa a expectativa do Chicago Bulls, que o draftou em 2011. Num momento tão duro para a torcida órfã de Derrick Rose, o rendimento do ala-pivô deve servir de alento. Dinheiro não seria um problema: caso decida ir para os Estados Unidos, uma vez que seu salário, pelo tempo de espera, já não precisaria mais seguir os limites impostos na escala tradicional dos novatos.

Sergio Rodríguez é, hoje, o melhor armador do mundo fora da NBA. Maduro, mas sem perder a criatividade, sai do banco para comandar a segunda unidade de Laso, desequilibrando as partidas combinando talento e agressividade, dos dois lados da quadra. Soma 11,7 pontos, 5,3 assistências, 1,7 roubo de bola em pouco mais de 20 minutos de média, com 55,3% nas bolas de dois pontos e 47,4% nas de 3. Afe.

– Num time com tanta gente boa, Rudy Fernández é aquele que se comporta como o astro, digamos – o topete está sempre muito bem alinhado. Fica muito claro em sua postura marrenta em quadra e na adoração da torcida.  Embora sua personalidade irrite um pouco, não há como negar que seu jogo é bastante vistoso e basicamente exemplifica o estilo da equipe: leve, atlético, com facilidade para se deslocar com e sem a bola. Médias de 13 pontos, 4,4 assistências e 3,3 rebotes, matando 59,5% dos chutes de dois e 93,3% dos lances livres.

Sergio Llull não está na sua melhor fase no ataque, mas é o melhor defensor da equipe no perímetro. Quando usado ao lado do xará Rodríguez, faz da vida dos armadores adversários um inferno, pressionando demais o drible.

Tremmell Darden chegou ao clube no meio da temporada pessada, sem poder jogar a Euroliga – vindo do Zalgiris Kaunas. O americano formado pela Niagara University caiu como uma luva no quinteto inicial, cumprindo muito bem um papel de “glue guy”, com vigor físico, energia e agilidade para complementar Fernández nas alas.

– O tunisiano Salah Mejri e o norte-americano Marcus Slaughter dão gás e asas à rotação de pivôs de Laso, complementando muito bem o jogo terrestre e raçudo de Felipe Reyes.

Jaycee Carroll seria um ótimo concorrente para disputar um torneio de três pontos em qualquer lugar do mundo. Sai do banco ao lado de Rodríguez e seria uma resposta do Real aos Ben Gordons do mundo. Quando está quente, saia de baixo.

*PS: Ok, abram espaço para o merchan: acompanho o time de transmissão do canal com os chapas Maurício Bonato, Rafael Spinelli, Marcelo do Ó e Ricardo Bulgarelli. É o canal 28/228 (HD) da Sky, com transmissões basicamente todas quintas e sextas-feiras e reprises espalhados pela programação. Lá você também segue muitos jogos da NBA, como o Indiana Pacers x Miami Heat da semana passada.


A vitória memorável da Nigéria sobre a Grécia
Comentários Comente

Giancarlo Giampietro

Al-Farouq Aminu

Al-Farouq Aminu decola para um belo toco contra a Grécia em São Carlos. Crédito: Inovafoto

Quando vimos na semana passada o amistoso entre Nigéria e Grécia, em São Carlos, ficou uma ótima impressão sobre a equipe africana, uma grata surpresa. Com jogadores extremamente atléticos, dedicados e unidos, embora ainda não compusessem e componham o melhor coletivo, poderiam ter uma chance. Com a grande vitória sobre os mesmos gregos nesta sexta-feira em Caracas, pelo Pré-Olímpico mundial, eles agora, na verdade, têm duas chances para conquistar uma inesperada vaga em Londres-2012.

Isso porque os nigerianos, com uma vitória dramática por 80 a 79, despacharam a tradicionalíssima seleção helênica nas quartas de final do torneio qualificatório, tendo agora a primeira oportunidade de garantir o passaporte na semifinal contra a Grécia ou, em caso de revés, na disputa pelo bronze.

Por pouco mais de 30 minutos, o que se viu na capital venezuelana foi o embate de dois times completamente opostos. A Grécia movendo bem a bola de um lado para o outro da quadra, explorando seu melhor entrosamento, técnica e experiência, abrindo 13 pontos de vantagem. Do outro, um vigoroso adversário que sobrevivia com base em jogadas individuais de seus atletas (foram apenas seis assistências em 40 minutos) e da coleta de uma infinidade de rebotes ofensivos (16 de seus 36).

No quarto período, contudo, os nigerianos passaram a anular a Grécia na defesa física, mas mais paciente, sem cometer tantas faltas. Do outro lado, no mesmo ritmo, encontraram corredores e melhores oportunidades para pontuar. Isto é, atacando o garrafão mais com esperteza do que por mero impulso. De pouco em pouco, tiraram a diferença.

Por ironia, no fim, a Grécia dependia basicamente das investidas de Vassillis Spanoulis, que terminou com 25 pontos, 7 rebotes e 5 assistências e parecia absolutamente o único disposto a bater para a cesta nos cinco (!!!) minutos finais – ele fazia de suas mágicas com a bola, aproveitando espaços dos corta-luzes imensos de Ioannis Bourousis. Para ser justos, o jovem ala Kostas Papanikolau (uma excepcional escolha do Knicks na segunda rodada do Draft) chegou a matar uma bola de três pontos a 13 segundos do fim, colocando sua equipe um ponto na frente: 79 a 78.

Spanoulis defende

Imaginava Spanoulis em São Carlos o revés contra a Nigéria?

Aí entrou em cena o ala-armador Ade Dagunduro. Com toda a personalidade do mundo, ele controlou o tempo, partiu para o garrafão, girou em cima de Zisis e sofreu a falta na tentativa da bandeja. Após um pedido de tempo, não se abalou e converteu seus dois lances livres, em arremessos de tirar o fôlego, com um arco muito alto. Parecia que a bola não cairia nunca. Mas foi de chuá. Os nigerianos ainda impediram uma saída de bola e, no estouro do cronômetro, conseguiram um toco em cima do próprio Spanoulis.

Dagunduro, maior cara-de-pau, já havia convertido um chute de três antes de Papanikolau – cinco de seus 14 pontos, então, vieram no máximo do crunch time. O descendente de nigerianos, de 26 anos e nascido em Los Angeles, defende o Leuven Bears, da Bélgica. Sua média foi de 8,7 pontos no torneio. Não podia ter brilhado em melhor hora.

Mas não dá para eleger um só herói. Ike Diogu, inexplicavelmente desprezado pela NBA, Alade Aminu, muito ativo na defesa, o tinhoso armador Anthony Skinn, que já viveu uma grande campanha rumo ao Final Four da NCAA pela modestíssima universidade de George Mason, e o promissor Al-Farouq Aminu, do Hornets, também deram suas contribuições significativas nesta vitória memorável para o basquete africano.

Foi mais um grande exemplo que, com um mínimo de organização, as equipes do (verdadeiro) velho continente podem fazer um estrago danado em cenário mundial. Mais cedo, Angola caiu perante a Rússia, mas os lusófonos mesmo já haviam bagunçado um pouco a casa ao derrotar a Macedônia na fase de grupos. Mas há ali um potencial absurdo a ser explorado.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>