Vinte Um

Jukebox NBA 2015-2016: “My Way”, para o Lakers (ainda) de Kobe

Giancarlo Giampietro

jukebox-lakers-kobe-vicious

Vamos lá: a temporada da NBA se aproxima rapidamente, e o blog inicia sua série prévia sobre o que esperar das 30 franquias da liga. É provável que o pacote invada o calendário oficial de jogos, mas tudo bem, né? Afinal, já aconteceu no ano passado. Para este campeonato, me esbaldo com o YouTube para botar em prática uma ideia pouco original, mas que sempre acho divertida: misturar música e esporte, com uma canção servindo de trilha para cada clube. Tem hora em que apenas o título pode dizer algo. Há casos em que os assuntos parecem casar perfeitamente. A ver (e ouvir) no que dá. Não vai ter música de uma banda indie da Letônia, por mais que Kristaps Porzingis já mereça, mas também dificilmente vai rolar algo das paradas de sucesso atuais. Se é que essa parada existe ainda, com o perdão do linguajar e do trocadilho. Para mim, escrever escutando alguma coisa ao fundo costuma render um bocado. É o efeito completamente oposto ao da TV ligada. Então que essas diferentes vozes nos ajudem na empreitada, dando contribuição completamente inesperada ao contexto de uma equipe profissional de basquete:

A trilha: ''My Way'', com Sid Vicious

Por quê? Bom, basta você dar uma espiada na letra para sacar que tem tudo a ver com Kobe Bryant. Temos linhas como: ''E agora o fim está próximo'' (logo a primeira!), ''Eu vivi uma vida que está completa, passando toda santa estrada'', ''Arrependimentos eu tive um pouco. Mas, afinal, foram bem poucos para mencioná-los. Fiz o que tinha de fazer. Vi de tudo nessa vida, sem exceção'', com tradução mais que livre. Até porque essa versão exige compreensão livre, dado o seu intérprete totalmente pirado e o modo como decidiu sair cantando, para o qual ''despojado'' seria o mais alto elogio.

A adaptação caótica e  hilária de Vicious, para o torcedor do Lakers, infelizmente tem mais a ver com os últimos suspiros de Kobe e a perspectiva de seu time para a temporada do que a elegante (e também um tanto irônica) versão de Frank Sinatra, que eternizou para valer a canção. Saibam que se trata de uma letra do sabichão Paul Anka, com inspiração em uma canção francesa. O ideal seria usar a de Sinatra, claro, um verdadeiro clássico, redondinho e imponente. Mas o estado da franquia hoje não lembra em nada seus tempos áureos, com uma gestão desmiolada que tem muito mais a ver com o ex-baixista do Sex Pistols, que viria morrer de overdose um ano depois de soltar essa gravação, aos… 21.

>> Não sai do Facebook? Curta a página do 21 lá
>> Bombardeio no Twitter? Também tou nessa

Como bônus, temos vários palavrões na letra alterada por Vicious, e isso é algo que Kobe tem usado com frequência em suas entrevistas recentes, se sentindo livre que só, sem obrigação ou pressão alguma, sabendo que sempre fez tudo ao seu modo, que escreveu sua própria história e que não seria no fim que ele mudaria. Esperemos que, em quadra, ele consiga escapar das lesões mais graves e que consiga produzir com um ou outro momento de brilhantismo.

Kobe e o look de veterano: vindo de lesões graves no tendão de Aquiles, na rótula e no ombro, o que esperar dele? Um jogo mais terreno, mas com menos arremessos forçados e propensão ao passe? Talvez seja o melhor cenário, contra jogadores mais altos na ala

Kobe e o look de veterano: vindo de lesões graves no tendão de Aquiles, na rótula e no ombro, o que esperar dele? Um jogo mais terreno, mas com menos arremessos forçados e propensão ao passe? Talvez seja o melhor cenário, contra jogadores mais altos na ala

A pedida: 30 vitórias seria muito? Mitch Kupchak e o chefinho Jim Buss têm usado a frase de que ''montaram um time para chegar aos playoffs'', e tal. Pensando em relações públicas, não havia muito que dizer, mesmo, desagradar a uma torcida bastante exigente e talvez cansada de tanta humilhação nas últimas campanhas. Para confiar nesse discurso, haja otimismo, ainda mais no Oeste Selvagem, e mesmo que tenham um elenco mais interessante dessa vez. Lembrem que, nos últimos dois campeonatos, o time venceu 48 partidas no total, de 164 possíveis. Para entrar nos mata-matas em 2015, o New Orleans Pelicans precisou de 45 vitórias. Em 2014, o Phoenix Suns foi eliminado com as mesmas 48.

Kobe deveria estar, no mínimo, a 80% de seu auge, os garotos precisariam crescer substancialmente a cada semana, Roy Hibbert teria de provar que um só gigantão atento já pode serviria para bancar uma defesa minimamente sustentável, ao passo que  Nick Young e Lou Williams poderiam ser encaminhados ao serviço comunitário, para aprender um pouco mais sobre solidariedade. Ou que eles aprendam uma coisa ou outra com Marcelinho Huertas a respeito (aliás, sobre o brasileiro, já tem outro post enorme aqui). Isto é: muuuuuuita coisa precisaria dar certo.

Sim, Hibbert é um tremendo avanço em comparação com Jordan Hill e Robert Sacre, a despeito de sua questões motivacionais e de confiança. Imagine a dor-de-cabeça que o pivô não dava no dia a dia de Indiana, a ponto de Larry Bird ter feito tudo para se livrar dele – sem contar o impasse tático que sua presença mastodôntica representa na ligeirinha NBA de hoje. Ele protege o aro, congestiona o garrafão por conta própria, mas os clubes mais espertos vão fazer de tudo para afastá-lo do semicírculo espalhando chutadores pela quadra. Além do mais, no perímetro, o time simplesmente não conta com nenhum defensor capaz. Nenhum. Nem mesmo um superatleta como Serge Ibaka conseguiria dar cobertura a todos eles. De qualquer modo, está no último ano de contrato, com milhões de motivos para se comportar e se concentrar no jogo.

Flexionado assim, e contra Gobert, Hibbert pode até parecer baixo

Flexionado assim, e contra Gobert, Hibbert pode até parecer baixo

Não que o ataque não tenha suas questões também. O quanto Kobe vai poder e querer produzir? Scott realmente pretende usar Lou Williams e Nick Young juntos? Quantas trocas de passe teremos a cada posse de bola? Esse time precisa desesperadamente de alguém criativo, mas que não se limite a criar apenas para definição própria, e é aí que se encaixaria Huertas. Sem o brasileiro, porém, Russell vai conseguir exercer influência no jogo de pick-and-roll?

Sobre os garotos: é salutar que a diretoria abra espaço em seu plantel para jogadores mais jovens, em vez de investir nos Wesleys Johnsons da vida. A dúvida é se o clube tem infraestrutura e ambiente propícios para o desenvolvimento deles. Jordan Clarkson progrediu no ano passado, mas vinha de três campanhas como universitários. Tem 23 anos. D'Angelo Russell tem mais talento para ser explorado, mas começa sua jornada profissional aos 19 anos. Julius Randle é outro calouro, extraoficialmente,  uma vez que Randle não disputou nem mesmo uma partida inteira na temporada passada. Ainda restam Larry Nance Jr., Anthony Brown e qualquer outro jovem que passe pelo corte final de Byron Scott, é pouco provável que recebam muitos minutos, ao menos no início de campanha.E tem isso, mesmo. Quatro jogadores terão de ser dispensados até a temporada começar, e o próprio Huertas supostamente ainda está a perigo, com um contrato sem garantias, ainda que o time precise de sua experiência e de sua cadência para estabilizar a segunda unidade.

Algo importante que já pode valer até mesmo para a prévia 2016-2017: é bom, mesmo, que os jogadores mais jovens se desenvolvam, pois, para o Draft de 2016, há um sério risco de que o Lakers não poderá adicionar nenhum prospecto relevante. Afinal, sua escolha de primeira rodada será repassada ao Philadelphia 76ers caso não fique entre as três primeiras. É de se supor que, neste contexto, o time tentará vencer o máximo de partidas que puder, para minimizar a perda. Por mais que tentem, todavia, talvez não consigam.

Huertas ainda não jogou na pré-temporada e tem contrato sem garantias: ainda assim, se o Lakers optar por cortá-lo, seria difícil de entender o acerto com ele em primeiro lugar. Experiente, armador visionário, tem tudo para influenciar positivamente o cotidiano de Clarkson e Russell

Huertas ainda não jogou na pré-temporada e tem contrato sem garantias: ainda assim, se o Lakers optar por cortá-lo, seria difícil de entender o acerto com ele em primeiro lugar. Experiente, armador visionário, tem tudo para influenciar positivamente o cotidiano de Clarkson e Russell, além de fazer a bola girar quando for para quadra, algo muito necessário num time de fominhas

A gestão: ultrapassada. o Lakers ainda aposta muito no peso de sua camisa e tradição e nas luzes de Hollywood para atrair reforços, mesmo que venha sendo recusado sucessivamente pelos principais agentes livres. Com isso, caíram numa armadilha, ficando realmente presos ao passado. Seu xaveco para LaMarcus  Aldridge foi tão fraco, por exemplo, que Kupchak teve de se apressar a marcar uma segunda reunião com o pivô, que deixou clara sua frustração com a primeira apresentação, na qual pouco se falou sobre basquete e muito mais sobre marca. Acredite: a maioria dos atletas ainda quer saber do que se vai passar em quadra.

Byron Scott ganhou seu emprego justamente por esse apego saudosista. O ex-companheiro de Magic fez ótimos trabalhos pelo Nets e pelo antigo-Hornets-hoje-Pelicans, mas vem sendo um tremendo fiasco nesta década. O sistema de Princeton que costumava adaptar ficou para trás, e só sobraram as bravatas, as frases de efeito sem nenhum efeito prático. Seus treinamentos são exaustivos, os jogadores entram em forma, mas, na hora que a bola sobe, a equipe segue desatenta aos mínimos detalhes de um jogo, com uma defesa esburacada. Está certo que um só treinador não faz milagre, mas sua adição não representou alteração nenhuma em relação aos tempos de Mike D'Antoni.

kupchak-byron-scott-lakers-front-office

Scott e Kupchak: muita tradição, poucos resultados recentes. Se o Lakers não for bem, ficará fora dos playoffs pelo terceiro campeonato consecutivo, estabelecendo recorde negativo da franquia

Olho nele: Julius Randle. Enquanto D'Angelo Russell vai aprendendo que tipo de truque pode funcionar contra defensores mais experientes, atléticos e fortes do que os que enfrentava por Ohio State, a franquia parece mais animada quanto ao ala-pivô, que vai fazer 21 anos em novembro, pode render. Randle é considerado há tempos como um dos jogadores mais promissores de sua geração. Em Kentucky, porém, não foi tão dominante como se esperava. Ao sofrer uma fratura na perna logo em seu jogo de estreia, ficou ao seu redor uma aura de mistério. A julgar pelo que os atletas mais veteranos e os diretores viram em rachões durante as férias e o traning camp, há muito otimismo. Hibbert diz que ele é o futuro da franquia e da NBA. Artest, seu mentor, detalha todo o seu potencial. Kobe afirma que ele tem o jogo de Lamar Odom e o corpo de Zach Randolph, com habilidade para cruzar a bola e armar contra-ataques, por exemplo, e o físico para trombar perto da tabela como se fosse um veterano. Neste jogo de pré-temporada contra o Raptors, mostrou alguma de suas habilidades:

São raros os jogadores com o físico de Randle que mostrem predisposição e desenvoltura com o drible. Agora, o que vemos dos lances acima também é o alto grau de dificuldade na execução. Algo que só vai aumentar nos jogos que valem, pela temporada. Com a experiência de enfrentar defesas mais compactas e bem preparadas, o rapaz vai ter de se ajustar, percebendo qual o momento que deve atacar o garrafão no um contra um, quando tem uma oportunidade de mismatch para jogar de costas para a cesta e quando deve acelerar no contra-ataque. Ajudaria muito seu jogo se ele desenvolvesse ao menos um chute respeitável de média distância.

card-kobe-97-98Um card do passado: Kobe Bryant. Quando um dos maiores cestinhas de todos os tempos iniciou uma temporada regular aos 19 anos, o San Antonio Spurs ainda não havia ganhado nenhum título, enquanto o Bulls de Michael Jordan estava pronto para chegar ao hexacampeonato.

Aquela era a segunda campanha de Kobe na grande liga, depois de um ano de estágio no banco do time. Ainda saía como reserva (foi titular em apenas uma partida), mas com relevância bem maior, jogando 26 minutos por partida e anotando 15,4 pontos, a terceira maior marca do time. Já pedia passagem, mas ao mesmo tempo não tinha tantas responsabilidades assim num elenco liderado por Shaquille O'Neal e com veteranos como Eddie Jones, Nick Van Exel, Robert Horry, Rick Fox e Elden Campbell por lá.

D'Angel Russell não vai ter esse luxo. Como escolha mais alta de Draft da franquia em mais de 20 anos, o armador vai lidar com enorme expectativa ao seu redor, sem, aparentemente, estar tão preparado para isso. Para piorar, vem dando azar com pequenas contusões que atrapalham sua preparação. Vamos ver se Kobe, que não é exatamente a figura mais paciente em quadra, pode ajudá-lo nessa.