Vinte Um

‘Teimosia’ do Pinheiros é recompensada com o título da Liga das Américas

Giancarlo Giampietro

Pode passar, Shamell

Embora eles tenham se colocado consistentemente entre os primeiros colocados de todos os diversos últimos campeonatos que disputaram, ouviram, sim, no começo da temporada: com elencos mais renomados, Flamengo e Brasília eram os favoritos para tudo, até dessa besta que vos escreve. Eles haviam perdido jogadores importantíssimos em cenário nacional e, para piorar, parecia impossível reunir todos os seus jogadores saudáveis em quadra. Mas foram teimosos, a começar pelo diretor João Fernando Rossi, presença intensa no Twitter, sempre fazendo questão de avisar/relembrar que deixá-los de lado, de escanteio poderia ser um equívoco. E acabou que o Pinheiros chegou lá, conquistando o título da Liga das Américas.

Depois de vencer o Capitanes de Arecibo na primeira rodada do quadrangular final, levaram o caneco já na segunda rodada ao bater o Lanús por 16 pontos de vantagem (82 a 66), com uma arrancada no quarto período, vencido por 27 a 14. Um triunfo que veio na melhor hora possível, depois de perderem duas vezes para a agremiação argentina nas fases anteriores, por 12 e 15 pontos de diferença.

''Estamos conquistando o nosso espaço”, afirmou o técnico Claudio Mortari.

Nos últimos dois anos, o Pinheiros teve de se contentar com o vice da Liga Sul-Americana e do Torneio Interligas (em duas oportunidades). Para conquistar, então, esse novo espaço e enfim se sagrar campeão além da fronteira estadual, o time apresentou um basquete consideravelmente diferente do padrão das campanhas anteriores.

A boa movimentação de bola pela segunda partida seguida no torneio continental se mostrou fundamental para o triunfo do clube paulistano. Foram 18 assistências para 25 cestas de quadra, num padrão de jogo beeeeem mais saudável do que costuma apresentar. Está certo que o jogo por vezes se concentra muito em Shamell, como na temporada passada quando, digamos, ele se revezava com Marquinhos na definição de cada ataque. O ala americano dessa vez, porém, passou com muito mais frequência, somando seis assistências, abaixo apenas das sete do armador Joe Smith, seu compatriota.

O volume nos tiros de três pontos ainda se mantém bastante elevado (foram 26 chutes de fora no total, contra 31 de dois pontos, algo que não é normal de se ver em jogos de alto nível do mundo Fiba). Mas chutar de três pontos não significa necessariamente ''pecado'' – basta que sua equipe apenas ataque com inteligência, paciência, procurando a melhor situação para o disparo. Com 11 bolas convertidas e um aproveitamento de 42,3%, o jogo exterior acabou por ser outro fator decisivo, ainda mais diante de um oponente que matou apenas um chute de longa distância em dez tentativas.

Importante, porém, destacar um fator de equilíbrio determinante na equação ofensiva pinheirense: a maior agressividade ao atacar uma forte defesa, descolando 22 lances livres, contra 15 do Lanús. E, melhor ainda, sem arrefecer por pressão alguma, eles acertaram 21 cobranças, num aproveitamento espetacular e quase inédito nos dias de hoje para clubes brasileiros (95,5%). Os 13 rebotes ofensivos apanhados também sublinham uma vontade maior de investir no jogo interior.  Seriam esses dados mera casualidade ou frutos de uma nova abordagem? Bem, os mata-matas do NBB já estão chegando para responder.

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É muito bom ver um jogador realizar seu potencial, especialmente depois de sofrer um bocado para atingir esse nível. Dois ou três anos atrás havia dúvidas, bem justificadas, se Rafael Mineiro chegaria lá. A atuação contra o Lanús, porém, só veio reforçar a madura e excelente temporada do pivô do Pinheiros, que somou 20 pontos e 9 rebotes (quaro deles ofensivos) em 36 minutos. Sua pontuação foi dividida desta maneira: quatro em chutes de dois, nove em tiros de três e sete na linha de lance livre, deixando clara toda a sua versatilidade. A lição: quanto mais acionado, melhor para sua equipe.

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Márcio ainda segura a onda

O veterano Márcio Dornelles, com a pontaria em dia, também é uma figura que merece destaque. Aos 37 anos, tem sua capacidade atlética bem reduzida comparando com o seu auge, mas ninguém vai poder questionar sua forma física – parece não se cansar nunca. O ala dá conta do recado, com discrição e aplicação, se tornando uma bela peça complementar para o ataque de Mortari. No jogo do título, contudo, brilhou com 21 pontos em 38 minutos.

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Não dá para esquer, de qualquer forma, que por pouco o Pinheiros não passa nem da primeira fase do torneio, precisando de um arremesso de três do escolta Paulinho no último segundo, contra o Centauros, da Venezuela. Naquela etapa, a equipe funcionava ainda no esquema bumba-meu-boi.

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A organização da Liga das Américas também tem muito o que melhorar. Esse sistema de seguidos quadrangulares não é nada atraente, embora seja mais econômico para os participantes. As datas demoram a ser definidas. O torneio não chama público. Deveria haver muito mais rigor na inscrição de times e, principalmente, jogadores, impedindo a contratação de mercenários de última hora para se criar potências mentirosas.

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Retrospecto recente do Pinheiros: campeão paulista  em 2011 e vice em 2010 e 2012; terceiro no NBB em 2011 e 2012; vice-campeão do Interligas em 2011 e 2012 e vice-campeão da Liga Sul-Americana em 2012. No atual campeonato nacional, está em sexto, com uma campanha acidentada devido à impossibilidade se fazer tabelas que respeitem umas as outras.

Na verdade, dá pra troca facilmente o termo ''teimosia'', usado aqui em tom de brincadeira. Melhor ir com algo na linha de seriedade, sobriedade ou capacidade de gestão.