Jukebox NBA 2015-16: um fim de temporada melancólico para Nowitzki
Giancarlo Giampietro
Em frente: a temporada da NBA caminha para o fim, e o blog passa da malfadada tentativa de fazer uma série de prévias para uma de panorama sobre as 30 franquias da liga, ainda apelando a músicas, fingindo que está tudo bem. A gente se esbalda com o YouTube para botar em prática uma ideia pouco original, mas que pode ser divertida: misturar música e esporte, com uma canção servindo de trilha para cada clube. Tem hora em que apenas o título pode dizer algo. Há casos em que os assuntos parecem casar perfeitamente. A ver (e ouvir) no que dá. Não vai ter música de uma banda indie da Letônia, por mais que Kristaps Porzingis já mereça, mas também dificilmente vai rolar algo das paradas de sucesso atuais. Se é que essa parada existe ainda, com o perdão do linguajar e do trocadilho. Para mim, escrever escutando alguma coisa ao fundo costuma render um bocado. É o efeito completamente oposto ao da TV ligada. Então que essas diferentes vozes nos ajudem na empreitada, dando contribuição completamente inesperada ao contexto de uma equipe profissional de basquete:
A trilha: “Die zeit heilt alle Wunder”, por Wir Sind Helden.
Quando Dirk Nowitzki vai para a quadra aos 37 anos, com 17 de NBA, é um privilégio para a liga. Qual a chance de vermos novamente um jogador desse nível, de características tão peculiares? Um gigante de 2,13m de altura que é um dos maiores arremessadores da história do basquete, que ajudou a revolucionar o esporte.
O mítico alemão obviamente não é mais o mesmo, mas nem cogita a aposentadoria por ora, enquanto Kobe Bryant, de quem é fã declarado, caminha para os últimos dez jogos de sua carreira e Tim Duncan vai arrastando sua perna direita pela quadra, ainda como uma figura influente pelo Spurs. Nenhum desses veteranaços, porém, é tão importante, essencial para seu time em quadra.
Por mais que ele não tenha o arranque de dez anos atrás, quando era capaz de cruzar a quadra toda com a bola em mãos e bater alas mais baixos na corrida e que os movimentos de costa para a cesta que desenvolveu durante a carreira também estejam travados, seu arremesso elevado e mortal ainda fazem de Dirk o ponto central do ataque do Dallas Mavericks, o oitavo mais eficiente da temporada. Segue produtivo, com média de 18,7 pontos e 6,7 rebotes em 31,3 minutos, 46,3% nos arremessos e 38,8% de longa distância, de modo regular, capaz de alguns arroubos para a casa de 30 pontos, ou até mais, como quando guiou o Mavs a um triunfo (que pode ser) crucial sobre Portland, na semana passada, com 40 pontos em 39 minutos e 26 arremessos. É o resultado de uma rotina legendária e exaustiva de treinos, aperfeiçoando seus fundamentos, se adaptando a suas diversas travas.
Tudo muito legal.
Mas que se torna um pouco melancólico demais quando seu time capenga para se colocar na zona de classificação para os playoffs, numa toada trôpega bastante incomum para sua triunfante carreira. Vem daí a música do Wir Sind Helden, que fala algo sobre como o tempo acaba com qualquer capacidade de maravilhamento, mas que também pode curar as feridas de uma eventual decepção. Que fique claro: maravilhamento pelo time, e, não, por Nowitzki. Ainda assim, triste, embora com um flash de esperança.
(Como sei disso sem entender um pingo do que cantam ‘z germanz’? Bom, foi com a consultoria da senhorita 21, apegada ao idioma germânico e que trouxe o sonzinho honesto desse grupo aqui para a base. E aí que, pelo menos, conseguimos escapar das referências de sempre do universo pop alemão – Scorpions, Rammstein, Nico, Nena, Falco etc.)
Certamente não era algo que vislumbrava durante o training camp, quando estavam todos empolgados com a rápida conexão que o time conseguia, confiantes em deixar a frustração pela novela DeAndre Jordan para trás. Fora dali, é verdade, a desconfiança era grande. Mas aí, na hora que a bola subiu, parecia o Mavs de Rick Carlisle de sempre, com um ataque azeitado e jogadores experientes o bastante para segurar as pontas na defesa, na linha da mediocridade (a 16ª mais eficiente), para manter o time bem posicionado. No ponto mais alto de sua campanha, ao final de janeiro, tinha 28 vitórias e 22 derrotas.
Desde então, porém, o time vem caindo pelas tabelas. Venceu apenas um terço de seus jogos (8 em 24) e caiu pelas tabelas. Pelas últimas dez rodadas, foi ainda pior, com apenas dois triunfos, e a perspectiva agora é de que termine com uma campanha inferior a 50% pela primeira vez desde… 2000. Com uma queda significativa dessas a poucas semanas do fim da temporada regular, o Mavs só não saiu da briga por uma vaga nos playoffs graças aos problemas de concorrentes: Houston Rockets e Utah Jazz, com pernas muito mais vigorosas, mas de resultados inconstantes durante todo o campeonato.
O ponto mais baixo certamente foi a derrota deste domingo para o Sacramento Kings, levando inacreditáveis 133 pontos. É o tipo de tropeço que faz o jogador, o treinador e todo mundo repensar a vida. “Temos de decidir se queremos ir para a casa ao final da temporada, ou não. Todos têm de olhar no espelho e decidir que diabos querem fazer. Queremos jogar por algo significante, ou não? Queremos desperdiçar seis, sete meses de nossas vidas sendo jogadores de NBA… Mais uma temporada, blá-blá-blá, ou queremos fazer algo que signifique algo?”, questionou, retoricamente sem parar, o ala Wesley Matthews, jogador mais bem pago do clube.
Para alguém tão aguerrido, tão dedicado como Matthews, faz sentido. Mas a questão que faltou na tirada do ala é se, independentemente da vontade do elenco, se eles são capazes de reverter essa situação. Parece ter acabado o gás. Esse talvez seja o preço também de se investir num elenco envelhecido. O aspecto positivo é que eles dão menos trabalho, minimizam os erros, assimilam com mais facilidade os complicados ajustes sugeridos pelo treinador, se ajudam em quadra. O outro lado da moeda é o que vemos agora: as sequelas que a extensa temporada causa.
Os desfalques se acumulam. Chandler Parsons estava esquentando a munheca, jogando o melhor basquete de sua carreira, mas voltou a lesionar o joelho, deixando o time com poder de fogo reduzido. Deron Williams tem um estiramento no abdômen – e, a despeito de todo o otimismo com o armador nas primeiras semanas, ele vai terminar sua campanha basicamente com números idênticos aos de sua deprimente estadia no Brooklyn. Devin Harris regrediu. Raymond Felton até ressuscitou, mas não tem jogo para fazer a diferença diariamente, assim como José Juan Barea, a formiguinha atômica que rende apenas de modo pontual. Ainda assim, Carlisle bota todos para jogar, usando até mesmo tripla armação sempre movimentando suas peças com criatividade, fazendo dos improvisos um trunfo para manter a produtividade ofensiva. Desde que chegou ao Texas, o brilhante treinador vem consistentemente tirando o máximo de seus atletas, mesmo com o fluxo contínuo no elenco.
Na primeira metade do campeonato, esse combinado de veteranos pegou boa parte da liga de surpresa. Acontece que, em março,as fraquezas de seu time estão expostas, e não dá para fazer milagre. No garrafão, a energia de Zaza Pachulia se exauriu, que até janeiro era um candidato a prêmio de jogador que mais evoluiu e agora mal consegue levantar do banco de reservas, de tantas trombadas na proteção por rebote e corta-luzes, para alguém que não estava acostumado a tantos minutos. Isso abriu uma lacuna no centro da defesa, já que Salah Mejri e JaVale McGee, muito mais atléticos e descansados, se perdem com panes mentais em quadra.
Se o ataque continua rendendo em alto nível desde o intervalo do All-Star, como o quinto melhor da liga, sua defesa ruiu, levando 110,5 pontos por 100 posses de bola, a terceira pior. Se for para reduzir aos últimos 12 jogos, são 113,2 pontos, a pior – para comparar, o mesmo Sacramento leva 109 durante a temporada, com uma retaguarda horrível.
Aí não vai importar quantos arremessos Dirk acertar a cada noite. “É difícil, mas não há desculpas nesta liga. Independentemente de quem estiver em quadra, tem de fazer sua parte, respeitar seu papel, explorar seu potencial e competir dos dois lados da quadra. E então convivemos com os resultados”, afirmou o alemão.
Se esses resultados melhorarem, maiores as chances de Nowitzki jogar os playoffs pela 15ª vez na temporada. Tem de curtir, mesmo, enquanto dura.
A pedida? A essa altura, meine Freunde, é chegar aos playoffs, nem que seja para tomar uma pancada de Warriors ou Spurs na primeira rodada. Até porque sua escolha de primeira rodada no Draft será endereçada ao Boston Celtics, como consequência da terrível troca por Rajon Rondo.
A gestão: o Dallas Mavericks de Mark Cuban foi dos primeiros clubes a investir pesado no scout internacional – até hoje, mantêm um olheiro dedicado ao quadrante latino-americano, o argentino Lisandro Miranda, o único de quem tenho notícias com base por estas bandas. O clube também é dos que mais investe em tecnologia, estatísticas avançadas e tal. Também reformulou cedo suas instalações, com vestiários, quadra de treinos e infra-estrutura em geral luxuosos, oferecendo o tipo de mimo que costumava fazer a diferença na hora de buscar novos jogadores.
Mas o tempo passou, certo?
Cuban já não é mais um peixe tão diferente assim entre os proprietários da liga. Quando comprou o Mavericks, era um vanguardista até. Agora se vê rodeado por diversos homens que construíram seus negócios já na nova economia, e muito do que diferenciava a franquia texana há dez anos já virou recorrente. Esse é um dos motivos por trás dos recorrentes fracassos de sua gestão na hora de buscar reforços no mercado, numa história que já se tornou repetitiva desde a desmontagem do time campeão de 2011.
De lá para cá, o clube segue competitivo, obviamente. É só olhar o último ano de Kobe e ver como as coisas poderiam ser muito piores. Mas o fato é que o Mavs não chega nem perto da luta pelo título, algo que Nowitzki adoraria fazer novamente. Foi por isso que, ao contrário o astro hollywoodiano, deu um belo desconto para Cuban em seu salário, que vale apenas US$ 8 milhões anuais, a metade do que ganha Wesley Matthews. É uma pechincha mesmo para um atleta de 37 anos. Seja por suas habilidades únicas, pelos esforços que faz em se manter em forma, ou pelo avanço da medicina esportiva, o alemão ainda desequilibra, diferentemente de alguns craques do passado que vimos estender suas carreiras nos anos 90, como um Moses Malone migrando de time para time no ocaso de sua trajetória como profissional, valendo mais como influência no vestiário do que por aquilo que poderia contribuir em minutos reduzidos. Ainda assim, ele precisa de ajuda.
O clima texano, os impostos reduzidos e a tradição da equipe deveriam ser diferenciais para agentes livres, mas a franquia não tem conseguido contratações de impacto. Não é o caso de Wesley Matthews, com todo o respeito que seu chute de três pontos e seu profissionalismo pedem. O ala vinha de uma lesão no tendão de Aquiles e não tinha tantas propostas assim – o Sacramento Kings, que não serve de exemplo para ninguém, era a principal ameaça. Acabou a magia de Cuban? O estilo falastrão do magnata ainda pode atrair aqueles que procuram promoção, holofotes, como Chandler Parsons, que adora um reality show.
Se o time não consegue grandes jogadores desta maneira, deveria ao menos ter mais parcimônia na hora de encarar o Draft. Em seu elenco, além de Nowitzki, apenas o ala Justin Anderson segue no clube texano desde que foi selecionado. Ah, ele é um calouro, que deve se sentir um tanto isolado no vestiário. O ala-pivô canadense Dwight Powell é o único jogador nascido nos anos 90, sendo dois anos mais velho.
Olho nele: David Lee
Como é possível que um cara que tenha índice de eficiência que o colocaria acima de LeBron James na temporada, de 27,2 pontos em 16 jogos, algo inesperado e assustador, mal conseguia sair do banco de reservas em Boston, a ponto de ser dispensado sem mais, nem menos? Foi um erro crasso de Brad Stevens? Um complô? Nada disso, sem teoria da conspiração. O próprio veterano de 32 anos explica, com honestidade que faz bem: “Cheguei ao time fora de forma. Não joguei o que podia e perdi meu emprego. Tudo isso me levou a questionar o que estava faltando, comparando com o que fazia antes? Bem, eu simplesmente não estava em boa forma”, disse em seu retorno a Oakland, na semana passada, para receber seu anel pelo título de 2015.
Com uma rotação congestionada, precisando encontrar espaço para Jared Sullinger, Kelly Olynyk, Amir Johnson, Tyler Zeller, ainda com o promissor calouro Jordan Mickey na fila, Stevens levou algumas semanas para definir sua rotação e entender quem se encaixaria em qual lugar. A despeito de seu salário de US$ 15 milhões, currículo e talento ofensivo, sobrou para Lee. Num gesto cordial, que ajuda na construção da imagem do clube para tentar contratar alguém de peso (com o perdão do trocadilho) no futuro, os técnicos e preparadores físicos do Celtics passaram ao pivô uma rotina de treinos para que ele melhorasse seu condicionamento, mesmo que já não fizesse mais parte dos planos do time para a temporada. E ainda o dispensou, economizando alguns trocados, mas sem colher os frutos desse trabalho especial. Lee agora está jogando muito em Dallas, causando impacto positivo surpreendente até mesmo na defesa, com projeção de 20,1 pontos, 14,9 rebotes, 2,8 assistências e 1,5 toco por 36 minutos. Sem esse reforço, talvez a equipe estivesse até mesmo fora da briga pelos playoffs.
Um card do passado: Dennis Rodman. Na hora em que se aposentar e for conversar com os filhos, os sobrinhos e enteados, relembrando histórias de sua carreira, Nowitzki vai poder falar de sua redenção em 2011, derrubando o superestrelado Miami Heat na final. A decepção de 2006 e 2007 também não pode ser ignorada no bate-papo, pois ajudam a valorizar o título que conquistou. A amizade com Steve Nash, as loucuras de Don Nelson, o aviãozinho de Jason Terry, Wang Zhizhi e Shawn Bradley. Há muito sobre o que falar. Incluindo as breves semanas em que foi companheiro de equipe do craque mais amalucado da história, Rodman. Foi em 1999-2000, justamente a última campanha de aproveitamento negativo do Mavs, com 40 vitórias e 42 derrotas.
Na sua última experiência de NBA, o ala-pivô, aos 38 anos, foi convencido por Mark Cuban a fazer parte de seu projeto de reconstrução de uma combalida franquia. Poderia ser algo especial, um final feliz, com uma rara chance de poder pendurar as botinas na cidade onde cresceu, numa infância complicada no bairro de Oak Cliff, região paupérrima, barra pesada de uma metrópole petrolífera.
Mas, que nada: mesmo vivendo na mansão do empresário, o pentacampeão Rodman aprontou um alvoroço daqueles, tirando Don Nelson do sério, assustando os mais jovens do time com seu comportamento bizarro e a avacalhação geral. Sob contrato de 3 de fevereiro a 8 de março, disputou apenas 12 jogos, até ser dispensado. “Ele nunca quis ser um Maverick”, resumiu Steve Nash. Ainda assim, como jogador especial que era, teve média de 14,3 rebotes. Seria uma ajuda bastante necessária ao jovem Dirk, de 21 anos, que tinha apenas o varetão Shawn Bradley e o veterano Sean Rooks como companheiros de garrafão.