Vinte Um

Prepare-se para o jogo do ano pelo mundo Fiba

Giancarlo Giampietro

Gustavo Ayón, Argentina, México, Fiba Américas

Existem Pré-Olímpicos, e existe o EuroBasket, é verdade.

Mas, no calendário Fiba deste ano, o melhor jogo tende a ser este México e Argentina, que nos aguarda na sexta-feira. Os dois times já fizeram uma grande partida nesta quarta, fechando a segunda fase, com os donos da casa efetuando mais uma virada improvável, vencendo por 95 a 83. O resultado tirou Luís Scola e Andrés Nocioni da primeira colocação geral e agendou uma revanche na semifinal. Do outro lado, o Canadá. Para quem não sabe ainda, apenas os dois finalistas garantirão vaga direta às Olimpíadas do Rio 2016.

Os mexicanos comemoram tanto, mas tanto a vitória sobre os então invictos argentinos, que é preciso cuidado com o que se deseja. Tá certo que foi uma batalha emotiva e que, no plano continental, a Argentina ainda é vista como referência, tendo ainda em sua escalação dois campeões olímpicos que já são lendas vivas. Mas me parece claro que a festa que os anfitriões fizeram não foi só por uma grande vitória. Para os caras, ela se tornou mais especial pelo fato de terem fugido do Canadá na disputa pela vaga olímpica premium. Ao que parece, a surra que tomaram na terça-feira teve efeito traumatizante. A garotada canadense abriu vantagem de 22 pontos já no primeiro tempo, ignorando o ginásio cheio e barulhento.

Isso a gente não percebe  apenas pela festa, mas também pelo empenho dos atletas durante todo o confronto. Gustavo Ayón jogou 40 minutos. Outros três titulares ficaram em quadra por 34 minutos ou mais. Ah, mas do outro lado também teve um empenho considerável e a derrota foi dolorida. Sim, sim. Mas há uma diferença aqui: a Argentina queria muito jogar contra a Venezuela na semifinal. O México fez de tudo para não enfrentar o Canadá. ''Era a partida que tínhamos de ganhar. Nos últimos dias, foi dito por aí que o México já estava praticamente fora, devido ao cruzamento com o Canadá, mas demonstramos que não é assim'', disse o próprio Ayón. De qualquer forma, los cabrones fizeram sua parte. Entregar a partida é que não fariam, dãr. Agora, vão lidar com Scola e Nocioni novamente.

Scola x Ayón

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Assim como os craques argentinos vão precisar encarar um ginásio infernal. Não vai ser nada fácil, e esse é o fator que, para mim, turbina as expectativas para o jogo de sexta. Veja ao final o ranking de ingredientes que tornam o jogo imperdível.

A torcida mexicana bateu o recorde de público para uma partida de Copa América nesta quarta, com mais de 16 mi espectadores no Palacio de los Deportes. Sabemos bem como esses caras são calorosos. O mexicano, no fim, também é outro que gosta muito mais de esporte do que o brasileiro, que prefere a vitória. Por isso, a mera ideia de se realizar essa partida no mítico estádio Azteca nem soa absurda. Certeza de que os torcedores o lotariam. E eles têm empurrado a equipe. O clima foi fundamental para uma virada impressionante no período final, o qual sua seleção venceu por 36 a 11. Sergio Hernández afirmou na coletiva que não se lembra de um jogo pela equipe nacional em que tenha levado tantos pontos assim num só quarto. (O que ele não disse é que deu uma boa contribuição para tanto, deixando o jogo correr solto quando seus atletas não encontravam rumo em quadra.)

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O México obviamente não avança só à base de empolgação. Lembrem-se que jogam como os atuais campeões do torneio, depois de triunfarem na Venezuela, milhas e milhas ao Sul de Nayarit, onde conquistaram o CentroBasket de 2014. A rotação, na hora do vamos ver, foi enxugada pelo espanhol Sergio Valdeolmillos. Contra a Argentina, jogaram basicamente sete atletas, descontando os três minutos dados a Marco Antonio Esquivel e o grandão Rodrigo Zamora. Nesse grupo de sete homens de confiança, porém, há gente talentosa, para além de Ayón.

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Jorge Gutiérrez está sempre atacando, com um dinamismo que incomoda a oposição (12,9 pontos, 4,4 assistências e 4,4 rebotes). É um armador alto, forte e rápido para este nível. Se aprender a arremessar minimamente bem de fora (tem 10-48 em sua carreira pela seleção), fará estragos. O ala Francisco Cruz é outro que merece menção. Tem todo o tipo de um rato de ginásio, daqueles que encontra maneiras para colocar a bola na cesta, mesmo que seja lento (poderia muito bem despejar alguns quilinhos). Sabe aquela coisa de conhecer os atalhos, né? Além disso, seu arremesso de fora é muito bonito e também eficiente a partir do drible (44%). E ele sabe usar essa arma ao seu favor, para poder se aventurar em direção à cesta. Cheio de confiança, anotou 21 pontos nesta quarta, mas também contribuiu com seis rebotes, dois ofensivos até, e cinco assistências. Do ala-pivô Héctor Hernández (11,8 pontos e 5,0 rebotes), você nunca sabe o que esperar. Surpreendentemente ágil para alguém de seu tamanho e bom chutador de longa distância, ainda que, neste torneio em específico, não esteja convertendo os arremessos. O armador Paul Stoll consegue ser ainda mais enjoado que Barea e Campazzo com a bola. O ala Juan Toscano-Anderson, que tem bolsa na Universidade de Marquette, é uma grata adição. Aos 22 anos, tem dificuldade gritante para finalizar, mas causa impacto com seu físico e envergadura. Joga pesado e dá suporte aos mais talentosos cuidando das pequenas coisas e tem dado 3,3 assistências em média, sabendo ler o jogo em meio a suas infiltrações desajeitadas.

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Agora, claro que, sem Ayón, não iriam a lugar algum. Contra a Argentina o pivô mostrou novamente o quão especial é como jogador. Se a NBA não o soube aproveitar, azar da NBA, sorte do Real Madrid. Ele fez um esforço hercúleo neste triunfo: 38 pontos, 14 rebotes, 4 tocos e , 4 assistências. Com um bônus: a defesa para cima de Scola no quarto período. Pode parecer uma provocação, ou heresia até, mas vamos lá: hoje o mexicano entrega mais que o craque argentino. Em termos de valor para uma determinada equipe, tudo depende do contexto. Essa renovada seleção argentina precisa desesperadamente dos talentos ofensivos de seu legendário camisa 4, alguém que pode criar situações de cesta por conta própria, com um repertório professoral de movimentos. Ayón não tem a classe ou o arsenal do cabeludo, mas já mostrou que tem um gancho confiável. Também sabe se deslocar muito bem fora da bola, ficando à disposição dos companheiros na hora do aperto. Na defesa, também está quase sempre bem posicionado e usa seu vigor e agilidade para se impor num torneio como a Copa América que não tem tantos grandes atletas. Os armadores latinos, como Laprovíttola, parece que ainda não se deram conta disso. Não adianta Sua presença foi o suficiente, por exemplo, para forçar uma andada e outros arremessos mais precipitados por parte de Scola, preocupado em fugir de seus tocos.

É por isso que ele é o orgulho de Zapotán:


(Aos leitores de outras encarnações que já tenham visto este vídeo umas trocentas vezes, perdón não precisam agradecer, ok? O prazer é todo meu.)

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Neste jogaço, de todo modo, o México se resumiu a três nomes: Ayón, Gutiérrez e Cruz, que somaram 82 dos 95 pontos mexicanos. Só sobraram sete arremessos para os demais jogadores. Não é das práticas mais saudáveis e, ainda assim, a defesa argentina quase permite uma quantia centenária. Ai. Dá para imaginar a ansiedade e o frio na barriga de nossos hermanos, que formam uma comunidade basqueteira muito apaixonada.

O duelo com os mexicanos é um pouco traiçoeiro do ponto de vista tático para Hernández. Scola não consegue marcar Ayón e precisa de ajuda nessa. Por mais valente e determinado que seja, Nocioni também sabe, desde os treinos do Real, que não dá conta. Restam, então, Delia e Gallizzi. O espigão Delia talvez seja hoje aquele nome que mais desperta angústia na Argentina. Em vez de se desenvolver, parece que o pivô regrediu nos últimos dois anos. No primeiro jogo, Delia ficou em quadra por 20 minutos e, embora tenha terminado com apenas três pontos e dois rebotes, ao menos conseguiu atrapalhar um pouco o pivô mexicano. Tem hora que o tamanho, sozinho, ajuda. Talvez seja o caso de reduzir os minutos do novato Patricio Garino, xodó nacional, que não tem quem marcar do outro lado. Ou encaixá-lo na rotação de outra forma, pois vale apostar mais na dupla armação com Laprovíttola e Campazzo. Mesmo que o ex-flamenguista fique em posição de inferioridade (física) contra Gutiérrez, ainda é a melhor pedida.

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Vendo Campazzo, fica claro como a cobrança e as expectativas em torno de um jovem armador precisam ser moderadas. Ainda mais um cara tão elétrico assim. Ele funciona na correria, mesmo — e esta seleção argentina em específico corre como nunca. Com o tempo, Campazzo vai entender, porém, que há momentos em que o uso do freio também é uma boa solução, se não a melhor. No quarto período, o futuro companheiro de Benite e Augusto perdeu a mão. Energia por energia, o adversário jogava amparado por 16 mil pessoas.

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O Canadá é favorito absoluto contra a Venezuela. No hotel, cada um em seu quarto — ou todos juntos no bar? –, devem ter comemorado o desfecho do último jogo do dia, depois de terem atropelado a combalida República Dominicana.  Quando os dois times se enfrentaram pela primeira fase, os norte-americanos também resolveram a parada já no primeiro tempo, encaminhando um triunfo por 20 pontos, mesmo tendo cometido 22 turnovers. A equipe vinotinto não tem um jogo interior que inspire muito medo, e s proteção de cesta seria aquilo que mais chega perto de um ponto fraco de seus adversários. No perímetro, eles estão equipados para conter a movimentação de caras como Cox, Colmenares e Cubillan, que precisaria estar muito inspirados para se pensar em aprontar algo. A turminha de Andrew Wiggins só não pode entrar com o um tênis de solado muito alto, digamos, já que são apenas 40 minutos para se definir todo um trabalho. Os venezuelanos fizeram partidas muito mais competitivas em relação ao que se esperava e têm um técnico argentino ardiloso. Derrubar os canadenses, com seus nove atletas de NBA e que evoluíram gradativamente durante a competição, seria para Nestor ''Che'' Garcia uma proeza similar à de Rubén Magnano com a Argentina pelo Mundial de 2002.

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Resumindo, então, por que você não pode perder este jogo?

1) O ginásio vai bombar. Vale vaga olímpica.

2) A presença de Scola e Nocioni. Nunca sabemos quando pode ser a despedida de duas lendas dessas, mesmo que eles nem cogitem o assunto.

3) Scola x Ayón.

4) Nocioni x o povo mexicano.

5) Gutiérrez x Laprovíttola.