Elogios, por favor: a CBB e a admirável habilidade para captar recursos
Giancarlo Giampietro
Fala-se tão mal da CBB por aí, que, poxa, parece pegação no pé. Na hora em que a entidade consegue fazer uma cesta do meio da quadra, e de costas ainda, ninguém aparece para registrar o ocorrido e elogiar da forma devida. Então vamos lá, assumo esta bronca: para uma entidade tão endividada, que pode até mesmo estar tentando vender suas máquinas Olivetti e telégrafos na feira de Acari para fazer um troco, sua capacidade para ''captação de recursos'' não deixa de ser admirável.
Em questão de duas semanas, ou menos, a gestão Carlos Nunes primeiro conseguiu convencer Bradesco e Nike a um aporte R$ 2 milhões para quitação de dívidas com a Fiba evitar o maior vexame da história do basquete nacional. Uma vez garantida a vaga olímpica, então, foi a vez de assinar (mais!) um convênio de R$ 7 milhões com o Ministério do Esporte. Dessa forma, de quebra, por assim dizer, poderá bancar uma operação assustadoramente caprichosa para colocar a seleção masculina.
Vejo nisso um mérito danado, pura lábia e criatividade. Os mais chatos vão dizer ''assistencialismo''. Cada um na sua.
>> Não sai do Facebook? Curta a página do 21 lá
>> Bombardeio no Twitter? Também tou nessa
Agora falando sério, em termos de transparência, talvez não tenha ocorrido coisa melhor para o basquete brasileiro do que o release orgulhoso do Ministério para anunciar o mais novo escoo de dinheiro federal pelos cofres, também conhecidos como ralos, da CBB. Os mais enxeridos puderam acessar o site do Siconv (Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse do Governo Federal) e botar uma lupa, com Fábio Balassiano fazendo perguntas e o Victor Moraes, do iG, relatando.
Ao menos o Governo possui uma ferramenta como essa. Não justifica a dinheirama toda, mas ao menos os gastos estão totalmente expostos. Da minha parte, posso dizer que a discriminação dessa verba é dessas coisas inexplicáveis. Gastar mais com lavanderia do que com hospedagem? Lavar dez peças de roupa por dia para uma delegação de 24 pessoas (jogadores mais ? R$ 9.360 de custo diário. Nas minhas andanças mundo afora, nunca vi nada nem parecido com isso. Não sou atleta, mas, de qualquer forma, um nutricionista também não treina em dois períodos por dia, nem precisa de roupa de aquecimento. Há também R$ 450 mil e R$ 100 mil para assessoria jurídica e financeira. Estariam inclusos aqui, de modo genérico, os gastos com seguros dos atletas? Com ou sem os caras de NBA, esse valor não deveria ser mais caro, de qualquer forma? As viagens de avião merecem uma classe executiva para atletas de ponta e enormes, mas estão todos os 24 integrantes da delegação indo em primeira classe AAA+? Pela companhia aérea mais cara do mercado? Ou é voo da alegria?
Veja bem: nem mesmo se estivéssemos falando de uma confederação (eles dizem ''privada'', porém, com tantos convênios assinados, dá para assumir que seja de ordem ''pública'', não?) com as contas em dia, descartando patrocínios indesejados mensalmente, garantido resultados maravilhosos a cada campeonato que disputa, a cada temporada, daria para justificar o gasto de R$ 9 milhões para que uma seleção brasileira possa competir. Pois é: oficialmente, não é uma verba destinada às equipes masculina e feminina, adultas e de base. Estamos falando de um só time que se reuniu em junho para jogar o Pan e o Pré-Olímpico e que, depois, vai disputar uma Olimpíada em casa, com vila para acolher os atletas. Sendo bem generoso, são cinco meses de atividade?
Aqui, acho que é o ponto em que cabe levantar a possibilidade de que, no final das contas, nem todas as atividades descritas no convênio CBB-Ministérioo vão realmente valer as cifras requeridas. Digamos que prática de se maquiar contas não tem patente registrada. Para constar: de acordo com as regras burocráticas do jogo, qualquer desvio de verba de uma escova de dente para a compra de sabão em pó já feriria o acordo e deixaria a confederação enrascada.
A entidade que, em torneios masculinos pelo adulto, ganhou apenas um título oficial desde 2010 — este Pan de Toronto. Que vê a seleção feminina perder força a cada temporada. Que precisou praticar o desapego do campeonato nacional para ver, enfim, os clubes do país conseguirem montar algo promissor. Que, em suas constantes reuniões em Brasília, não consegue apresentar ou viabilizar um projeto que seja para a tentativa de massificação da modalidade. Que… Acrescentem aí, por favor.
Para quem está endividado já na casa de oito dígitos, porém, chega a ser insano. Ou melhor, uma desfaçatez. Ignoram qualquer noção de austeridade, bancando salário integral para para uma dezena de profissionais, todos eles empregados em seus respectivos clubes, com exceção de Magnano. Ter uma comissão permanente talvez fosse aceitável desde que o fluxo de caixa digno de uma pororoca jorrando moedas para tudo que é lado. No atual contexto, não faz sentido, e a impressão que se passa é a de que gasta-se tudo, incluindo dinheiro que não está na conta, tendo a busca de um pódio no Rio 2016 como justificativa. Como se a poderosa mente basqueteira de Magnano, apoiada por dois bons assistentes e uma excelente preparação física, com um bom ginásio de treinos sempre aberto ao time nas férias e uma dúzia de bolas de basquete e pouco mais que isso não fossem suficientes para entregar um bom produto em quadra. Grosso modo, claro. Não são tempos amadores mais, mas organização tambémd não se sustenta apenas com dinheiro.
E tem aquilo: nem todos esses gastos servem como garantia para nada. Espanha, França, Sérvia, Lituânia e qualquer outro time europeu da vez não estão nem aí para isso. Um pódio olímpico não se compra — e a verdade é que essa situação de dinheiro despejado na CBB é apenas um microcosmo do que se tem torrado de dinheiro desde 2010 com gastos de mais de R$ 7 bilhões já executados e mais R$ 5 bilhões por vir, segundo auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União).
Mas, aqui, temos o hábito de nos ater ao basquete, não é verdade? E, ao mesmo tempo que os números descritos pelo convênio geram espanto e desgosto, eles ao menos nos ajudam a entender a situação em que estamos, com uma administração desprendida da realidade. Sem querer, o Ministério nos ajuda a entender o que se passa para a confederação contrair tamanha dívida, revelando a caixa preta de tantos voos desgovernados.
Admito que nem me dei ao trabalho questionar a CBB a respeito. Até por saber que a resposta que vem sendo dada é que ela não se pronuncia sobre o convênio. Talvez não haja o que ser dito, mesmo, sem que se complique ainda mais a situação. Não dá para saber o quão a sério o Governo leva essa descrição de gastos (aliás, se leva, melhor nem ver quanto gasta uma comitiva em viagem oficial) e qual é os eu poder fiscalizador. Do ponto de vista da CBB, acho que vale a tese de que, para quem deve até as cuecas na praça, melhor não mexer em vespeiro.
Penando nisso tudo, me bate na cuca esse movimento de gente que, há tempos, se recusa a torcer pela seleção brasileira. De futebol, no caso. Cansados daquele noticiário que não o esportivo, preferem ficar do outro lado, a apoiar um time cujo resultado pode servir para a manutenção de uma estrutura rica e precária ao mesmo tempo. Nunca fiz parte desse time, por entender que uma coisa é uma coisa, e tal. Na panelinha do basquete, com alcance muito menor de público, nunca ouvi esse discurso. O duro é que, entre pires passados de mão em mão e a perspectiva zero para reformulação de gestão, não seria de se estranhar que, daqui a alguns anos, não haja mais um anjo da guarda federal para evitar a bancarrota, nem mais nem competições para se disputar, apoiando ou virando as costas. Aí não vai ter, mesmo, o que elogiar.