Vinte Um

Gerson, a novidade intensa do Mogi no NBB 7

Giancarlo Giampietro

Gerson, Mogi das Cruzes

As cravadas que se tornaram rotina. Mas tem muito mais no jogo do pivô

Sabe aquela do coisa faça o que eu digo, só não faça o que eu faço, né? Pois bem. Para qualquer atleta é fácil olhar para o jornalista, para o técnico, ou para o torcedor, antes ou depois de um jogo, e falar sobre a importância da de jogar duro numa quadra de basquete, pregar o jogo com energia máxima como o caminho viável para as vitórias.

Em sua primeira temporada como profissional no basquete brasileiro após se formar em quadras universitárias norte-americanas, o pivô Gerson do Espírito Santo bateu muito nessa tecla: da ''intensidade'' de como defende o Mogi das Cruzes a cada rodada. Mas, se esse termo corre o risco de ficar banalizado em meio a tanta gente que o emprega, o discurso do jovem de 23 anos talvez não faça justiça ao que tem feito pela equipe paulista, terceira colocada no NBB 7, para se tornar uma das revelações da temporada.

''O Gersão é um monstro. É um cara que dá a vida pelo time, no rebote ofensivo, na ajuda em bloqueio, na execução do bloqueio, que são coisas que as vezes podem passar desapercebidas. Esse trabalho sujo que ele faz, essa entrega dele não tem preço'', afirma o armador Gustavinho ao VinteUm. ''Ele é um cara que chega a ser até bitolado no basquete. Treina mais que todo mundo, ama jogar, mesmo.''

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Quando você vê o jogador descendo a quadra, não tem como desviar a atenção. Trata-se de um pivô de 2,05 m de altura com agilidade e explosão física fora do comum para alguém de sua estatura. Vai ser difícil encontrar um grandalhão tão atlético por estas bandas: um baita achado no mercado para o Mogi, uma das melhores contratações, em termos de custo-benefício da sétima edição do campeonato nacional. Para quem já estava familiarizado com o estilo do pivô, todavia, não chega a ser uma surpresa.

''Já havia jogado com ele aqui no Pinheiros, quando ele era mais novo, de categoria de base. Ele já tinha essa raça quando treinava com a gente no adulto. Sempre botou disposição para caramba, e os técnicos acreditavam nele, vislumbraram o potencial'', disse Gustavinho, olhando para trás, em 2009, antes de o pivô ir para os Estados Unidos.

A vibração de Gerson se encaixou perfeitamente em Mogi

A vibração de Gerson se encaixou perfeitamente em Mogi

Na estrada
Foi com a mesma velocidade que tem em quadra que Gérson despontou no basquete brasileiro e saiu de cena, deixando as categorias de base do Pinheiros para tentar uma rota seguida por muitos brasileiros: entrar em um Junior College dos Estados Unidos para, depois, tentar voos mais altos. O fato de Rafael ''Baby'' Araújo e João Paulo Batista terem conseguido não quer dizer que seja algo fácil: sem dominar a língua, você se embrenha em pequenas cidades e vai se virar como pode. Por outro lado, o atleta já estava habituado a viver longe de casa.

O pivô começou a jogar quando garoto em sua cidade natal de Valença, no Rio. Não era federado, porém, disputando apenas competições no interior do estado. O próximo passo, então, foi se transferir para o América de Três Rios e, aí, sim, se registrar como jogador de basquete. Não demorou muito para que pegasse uma seleção fluminense e, num Campeonato Brasileiro em Santa Catarina, ganhasse os olhares de Zé Luiz Marcondes, da base do Pinheiros. Nem chegou a se apresentar direito pelo clube adulto quando se mandou para os Estados Unidos em 2010.

O que pesava mais nessa decisão? A vontade de estudar ou de se formar como jogador de basquete? ''Eu fui para jogar, mesmo, e aproveitei para poder me formar (em artes liberais, pela Colorado State). Mas meu principal objetivo era tentar aprender o máximo sobre o jogo de basquete, sim. Foi o que me levou para lá'', diz Gerson ao VinteUm.

Em Colorado State, experiência de ter disputado o torneio nacional da NCAA em 2013: venceram Missouri na primeira rodada e foram eliminados pela eventual campeã Louisville na segunda etapa; o time teve a segunda melhor campanha da Mountain West Conference, atrás de New Mexico, acima da UNLV e de San Diego State

Em Colorado State, experiência de ter disputado o torneio nacional da NCAA em 2013: venceram Missouri na primeira rodada e foram eliminados pela eventual campeã Louisville na segunda etapa; o time teve a segunda melhor campanha da Mountain West Conference, atrás de New Mexico, acima da UNLV e de San Diego State

O sonho, claro, era a grande liga americana. ''Com certeza que, para qualquer jogador, quando você é novo, a NBA é uma meta. Eu queria saber até onde conseguiria ir com o meu jogo'', diz. Mas o caminho até lá certamente não seria fácil, dando largada no College de Southern Idaho. Considerando o amplo universo de atletas que começam suas carreiras universitárias nos chamados JuCos, escolas de transição, que ajudam no desenvolvimento de estudantes que não tenham as notas necessárias para saltar do high school para a faculdade. Sonny Weems, Qyntel Woods e o próprio Baby são alguns exemplos que me ocorrem agora, de gente que tiveram sucesso nessa escalada.

Gerson ao menos conseguiu se mudar para a região das Montanhas Rochosas, ao sair de Southern Idaho para a Universidade de Colorado State. Os Rams não são necessariamente o conjunto mais tradicional para formar jogadores profissionais, mas ultimamente têm tido mais sucesso nessa empreitada. O pivô Jason Smith, do New York Knicks, saiu de lá, assim como o armador Milt Palacio, ex-um-monte-de-time, e o pivô Colton Iverson, draftado em 2013 pelo Boston Celtics e hoje jogador do Baskonia, vulgo Laboral Kutxa, clube de Euroliga.

''Meu jogo melhorou muito, mas acho que minha cabeça foi o que fez o diferencial para poder chegar até aqui. Maturidade, crescendo, aprendendo mais fora de quadra, tendo a cabeça de ir lá e trabalhar todos os dias foi a melhor coisa para mim. Sempre treinei da melhor maneira possível para tentar conseguir esse meu objetivo (de NBA)'', diz. ''Mas sabia que qualquer coisa era possível e, se não desse, poderia voltar ao Brasil.''

Em casa
Gerson começaria, então, sua jornada de profissional num campeonato com outra sigla de três letras, o NBB, embora não soubesse exatamente o que o aguardava. ''Acompanhei muito pouco. Comecei a seguir mais quando cheguei ao meu último ano na universidade, pois sabia que provavelmente voltaria para cá'', afirma, com franqueza.

Por outro lado, o Mogi das Cruzes estava mais atento ao que o jogador vinha fazendo nos Estados Unidos. ''É um jogador que no ano passado já estávamos seguindo, vendo toda a sua trajetória por lá'', diz o técnico Paco Garcia ao VinteUm. ''Seus agentes buscavam um lugar em que ele não perdesse nada daquilo que havia aprendido nos Estados Unidos. A intensidade, a seriedade do trabalho, a disciplina. Aí acharam que Mogi era um bom lugar para que ele retornasse.''

A briga incessante pela bola

Vejam só: de novo a tal da ''intensidade''.  Justamente aquilo que o pivô aprendeu nos Estados Unidos. ''A intensidade do jogo, o jeito que se corre pela quadra, como as coisas são bem rápidas, a intensidade da defesa. A gente fala muito em quadra, tanto na defesa como no ataque. Isso é uma das características do jogo americano que tento trazer para o Brasil'', conta.

Desta forma, o trabalho com Paco Garcia não lhe parece estranho. O técnico já construiu uma reputação de exigente e detalhista ao extremo em suas cobranças, muitas vezes em rompantes que podem ferir o ego de jogadores. Aqui, não é o caso. ''Olha, eu gosto muito, porque no universitário eu tinha um treinador (Larry Eustachy) que era tão exigente e detalhista quanto o Paco. Acho que isso até ajudou o meu jogo na hora de voltar ao Brasil. Se conseguisse mostrar meu trabalho e o tanto que tento entregar aquilo que me pedem para colocar em quadra, ia me destacar.''

O espanhol conferiu isso rapidamente. ''Ele buscou seu espaço. No Paulista, já ganhou muitos minutos e passou a jogar também na Sul-Americana. Acho que ele pode ser um jogador importante no Brasil em muito pouco tempo. Ele salta muito, vai bem nos rebotes, tem muita intensidade para marcar. Tinha certeza de que seria um jogador valioso para nós'', afirma o treinador. ''O Gerson sempre teve esse potencial'', destaca Gustavinho. A gente o chamava de mini Garnett. Agora ele está com muito mais base, mais força e mais atlético.''

Jogando de frente para a cesta: sua preferência no ataque

Jogando de frente para a cesta: sua preferência no ataque

Subindo
Esse tipo de postura somada a seus atributos físicos e atléticos o tornaram um sucesso imediato em Mogi, formado com o americano Tyrone Curnell uma dupla que aterroriza os adversários pelo fuzuê que podem armar em quadra. Foram duas contratações que, se não tão badaladas como as de Shamell e Paulão, acabaram se tornando tão ou mais fundamental para que o clube elevasse seu jogo. O time passou de grande surpresa dos mata-matas da sexta edição do NBB para candidato ao título, ocupando hoje a quarta posição na classificação geral, a uma vitória de se igualar ao atual bicampeão Flamengo. Nos últimos dez jogos, foram nove triunfos.

Na Liga Sul-Americana, mesmo que ainda buscasse melhor entrosamento e lidasse com algumas distrações no vestiário, a equipe conseguiu alcançar uma inédita decisão. Acabou levando uma surra de Bauru, é verdade. Mas estariam prontos, agora, para tentar dar o troco e desafiar o poderoso elenco de Guerrinha?

''Nosso time foi reunido há seis, sete meses. Vieram muitos jogadores novos. Só agora que a gente está conseguindo ter a melhor química, como gosto de falar. Está todo mundo unido, com o mesmo foco, independentemente de quem vai bem em um jogo ou outro, de quem vai chutar a última bola, de quem vai fazer o quê. Todo mundo sabe mais ou menos a sua função dentro da quadra. Todo mundo quer colocar seu companheiro para a frente, e acho que estamos na melhor fase por causa disso'', diz Gerson.

Esse ambiente foi muito benéfico e acolhedor para suas próprias características.  ''Na posição dele, temos o Paulão, que foi o melhor pivô do NBB passado'', diz Gustavinho. ''E o Gerson não se importa se vai jogar 15, 20 ou 30 minutos. Quando sai de quadra, vai sempre dar a mão para os caras, parabenizar. Ter um cara desses no time… Pelo amor de Deus, sem palavras. É a mesma alegria de sempre.''

O jovem atleta tem médias de 8,5 pontos e 7,0 rebotes em 23 minutos, com aproveitamento de 56,6% nos arremessos de quadra e mais que saudáveis 74,2% nos lances livres. É o quarto principal reboteiro do NBB, atrás de Shilton, do Minas Tênis, Caio Torres, do São José, e Steven Toyloy, do Palmeiras – todos jogadores muito mais experientes. Também aparece entre os 30 melhores da competição em índice de eficiência, sendo o terceiro mais jovem nesse grupo, depois de Léo Meindl, do Franca, e Ricardo Fischer, do Bauru.

Não causa espanto. Basta ver o modo como Gerson se movimenta em quadra e a voracidade com a qual ataca as tábuas defensiva e ofensiva, além de sua excelente técnica para finalizar as jogadas no pick and roll, cortando para a cesta. E tem isso: como Gustavinho já nos contou, a relevância deste fluminense em quadra vai muito além dos números. Um desempenho que, para mim, valeria uma convocação para o Jogo das Estrelas da competição, algo que não aconteceu.

Num ano em que a seleção tem duas competições para disputar – Copa América e Pan-Americano –, é de esperar que um certo argentino esteja tomando nota. ''Olha, acabei de voltar ao Brasil e esse é meu primeiro ano de profissionOal. Penso em trabalhar forte, a cada dia melhorar meu jogo, aprender mais com os jogadores que tenho aqui no time, como o Shamell e o Paulão.  O que acontecer fora do que faço dentro do Mogi vai ser por mérito. Claro que seria bacana, mas tento não pensar na frente, e só pensar um dia de cada vez, trabalhando'', diz.

E trabalhando como?

''Tendo cada vez mais intensidade em quadra'', diz, naturalmente.