Derrick Rose, o heroísmo e as boas e más notícias de Chicago
Giancarlo Giampietro
Se tem um velho recurso narrativo, usado pelo vovô, pela vovó, pelo padre e até pelo delegado, um recurso de que não abro mão, que, creio, jamais vai perder a graça, é a quela história da boa e da má notícia. Qual você quer primeiro?
Depois do jogaço transmitido pelo Sports+ na madrugada desta quarta-feira, com a edificante vitória do Bulls sobre o Golden State Warriors por 113 a 111, na prorrogação, essa pergunta funciona perfeitamente para os torcedores do Chicago – e, por isso, admiradores irredutíveis de Derrick Rose. O armador teve uma das atuações mais estranhas, malucas e polarizadoras da temporada.
Primeiro vamos com a boa? Tá, tudo bem: Rose marcou 30 pontos e marcou a cesta decisiva no tempo extra. A má: ele precisou de 33 arremessos para chegar a essa contagem, acertando apenas 13 desses chutes. Também cometeu 11 turnovers e deu apenas uma assistência. É ou não é uma linha estatística bizarra – e imaginem se fosse Russell Westbrook a praticá-la?
Essa combinação suscitou um debate inflamado durante a madrugada, o que me admira muito. Acho incrível que, a essa altura do campeonato, em 2015, o hero ball ainda seja considerado tão importante assim, a ponto de uma cesta ser considerada brilhante o bastante para ofuscar 20 tentativas de cesta em vão e 11 desperdícios de posse de bola. Da minha parte, acho que a melhor notícia, na real, foi o simples fato de o atleta estar em quadra, passando da marca de 43 minutos numa partida pela primeira vez em quase três anos, considerando tudo que ele já enfrentou. Ou que, juntos, os pivôs titulares somaram 36 pontos, 31 rebotes e 14 assistências, mataram 14-24 nos arremessos e terminaram o jogo 100% nos lances livres, dominando o garrafão do Warriors sem Andrew Bogut.
Tom Thibodeau obviamente se colocou entre os defensores do heroísmo – afinal, foi seu jogador e esperança de superestrela a protagonizar a discussão toda. O técnico usou aquele argumento de sempre: ''Ele não permitiu que os arremessos perdidos… o afastassem da confiança de que ainda poderia tentar e acertar um chute decisivo''.
Olha, se fosse para ler a frase sem nenhum contexto, não há como contestá-la. A força mental para não se abalar pelos erros e tentar a vitória é uma grande virtude. Agora, depois de o cara desperdiçar 31 posses de bola (entre bicos e tropeços), certeza de que um arremesso como o que ele tentou era a melhor decisão?
A jogada de Rose no último ataque do Bulls, diante dos braços compridos e da boa marcação de Klay Thompson não é nada fácil de se fazer, especialmente quando você dá o passo para trás e tem um defensor equilibrado na sua cola. Requer habilidade atlética. Mas não vá me dizer que, além da confiança, também não tem sorte envolvida nesse tipo de jogada, especialmente quando estamos falando de um armador jamais elogiado pelo poder do arremesso de média para longa distância, e que não alterou tanto assim o seu desempenho na atual temporada. Thibs – sobre quem os rumores andam bem intensos, mesmo – não se importa: ''Isso é um sinal de sua grandeza e de que ele está trabalhando para voltar a ser o jogador que todos sabemos que pode ser'', afirmou.
Dá para dizer que, além do técnico, 99,5% das pessoas envolvidas com o Bulls estavam aguardando com ansiedade um lance como esse por parte do armador, algo que justificasse toda a expectativa pelo retorno. Digo: um lance que comprovasse seu retorno. Até mesmo os repórteres dedicados a cobertura do clube não viam a hora de escrever a respeito. Nick Friedell, setorista do ESPN.com, listou todas as falhas de Rose no embate com o Warriors, mas diz que a cesta final supera tudo isso, mesmo que os 11 turnovers tenham sido um recorde pessoal.
''Esta terça-feira ofereceu mais um aviso de que o Bulls só vai chegar aonde Rose e seus joelhos reconstruídos possam levá-los'', cravou o jornalista. ''Joakim Noah, Pau Gasol e Butler são importantes, mas Rose ainda é o cara que pode fazer mais diferença devido a sua habilidade de dominar os jogos no final e responder nas situações de maior pressão. Ele tem o tipo de habilidade de uma superestrela da qual seus companheiros podem se alimentar a cada noite. Quando o jogo está na mesa, eles tentam encontrar o antigo MVP em quadra, não importando o quão pobre tenha sido seu jogo até então.''
Certamente Friedell não foi o único que saiu com essa linha de argumentação. Suas frases saem diretamente da teoria de que só os times com craques transcendentais podem lutar por títulos na NBA. A mesma teoria que impede muita gente de aceitar o Atlanta Hawks como favorito. Concordar ou discordar dela é uma coisa. Outra, bem diferente, é incluir Rose nesse grupo só por causa de um arremesso certeiro, não? Nada contra o armador ou o repórteres, mas, se já esperamos todos por um longo tempo, mais de dois anos, que custa dar mais algumas semanas de jogo para ver se a estrela está realmente na trilha para reassumir a velha forma?
Vamos descontar a temporada 2013-2014 aqui, já que ela rendeu apenas 10 partidas para ele, totalmente fora de ritmo. Então, se formos comparar a atual campanha do armador com o restante de sua carreira, nota-se que ele jamais cometeu tantos turnovers por jogo (seja na média por minutos ou por posse de bola). Seu aproveitamento nos arremessos, de 41,6%, também é a pior marca. Isso poderia se explicar pelo fato de ele nunca ter chutado tantas bolas de longa distância assim. Mas mesmo as medições que englobam tanto o rendimento nos tiros de fora e até dão mais valor para eles comprovam a dificuldade que vem tendo para pontuar. Em termos de eficiência, apenas seu ano de novato fica para trás. Que tal um pouco de calma?
Muita coisa já passou e ainda passa pela cabeça de Rose, claro. A cesta da vitória contra o Warriors pode ser um passo importante para a recuperação de seu jogo – uma vez que confiança nunca foi um problema para o atleta, que, por exemplo, se recusava a recrutar agentes livres no mercado. ''Como jogador, eu quero esse tipo de momento'', disse Rose, sobre a chance de matar uma partida. ''Quero este arremesso. Meus companheiros me deram a bola para assumir a responsabilidade, e não vou fugir disso, não vou abrir mão disso. Se meus companheiros vão me dar a bola para isso, é algo que me faz sentir muito bem.''
De novo: é bacana ele enfrentar esse tipo de situação e sair bem com ela. Cabe uma pergunta, porém: o Bulls realmente depende de um Rose a 90, 100% para sonhar alto na Conferência Leste? Dizer que Rose é o único talento que realmente faça a diferença neste elenco não é menosprezar o quanto Noah batalhou enquanto o camisa 1 estava fora? O que dizer de Pau Gasol, um dos maiores pivôs de sua geração? E a ascensão fantástica de Jimmy Butler?
Bem, o torcedor mais atento vai poder apresentar alguns contrapontos para cada uma dessas alternativas: há jogos em que Noah está se arrastando pela quadra; Gasol tem números fantásticos, mas, aos 34 anos, é perigoso depender dele, mesmo que tenha números que se equivalem aos de cinco anos atrás; Butler caiu muito de rendimento neste mês. Check, check, check. De qualquer forma, qual a diferença entre apostar neles e esperar que Rose volte de forma messiânica? O que parece mais implausível hoje? E mais: o clube precisa, mesmo, desse salvador?
A contratação de Gasol e de Nikola Mirotic já tornava, em teoria, este elenco do Bulls como o mais talentoso da era Thibodeau. Ninguém jamais poderia prever tamanha evolução de Butler, o que supera qualquer decepção gerada pelas lesões e péssimas partidas do badalado calouro Doug McDermott. Essa guinada em recursos técnicos se traduziu num ataque bem mais respeitável: o nono mais eficiente da NBA, acima de Spurs, Blazers e Rockets, por exemplo. Na temporada passada, você precisava usar bastante o scroll para encontrá-los nessa relação (antepenúltimo lugar). Em 2013, terminaram em 24º.
Mesmo que não tenha muitos arremessadores, Thibs consegue desenhar jogadas criativas que espalha bem os jogadores pela quadra e abre boas oportunidades para os pivôs trabalharem em dupla e para que Butler (e Rose) descolem bons ângulos para atacar o aro. Neste mês, mesmo sem os 41,7% de Mike Dunleavy Jr nos arremessos., o Bulls ainda aparece com o décimo ataque mais eficiente.
O problema é que os ganhos no ataque coincidem com perdas do outro lado da quadra. Se a temporada terminasse hoje, a equipe teria apenas a 12ª melhor defesa e terminaria fora do top 10 pela primeira vez desde… 2009! Ano em que tinham John Salmons, Ben Gordon, Tyrus Thomas, Brad Miller e Tim Thomas. Faz tempo, mesmo.
O Bulls precisa, quem diria, melhorar na hora de proteger sua cesta. Para entender isso, o desgaste de alguns atletas tanto do ponto de vista psicológico como físico não deve ser relevado – as rotações pesadas de Thibs geram calafrios em Chicago. Resgatar a intensidade, tapar os buracos não seja tão simples assim. Gasol não era uma figura comprometedora em Los Angeles só pelo fato de que estava pê da vida com os Mikes. Butler ataca mais hoje, então vai sentir um pouco as pernas na hora de tentar parar LeBron ou seja lá qual cestinha. Noah é fundamental no sistema e não é nem sombra do jogador da temporada passada. Gibson ficou um tempo fora. Mirotic está se adaptando. Kirk Hinrich ainda luta ferozmente na marcação fora da bola, mas está um ano mais velho. Etc. Etc. Etc. Há vários pontos individuais que possam explicar isso. Mas é só
Thibodeau ainda tem tempo para fazer alguns ajustes na rotação. Seu quinteto mais utilizado até o momento (Rose-Butler-Dunleavy-Gasol-Noah) tem saldo de 5,6 pontos em média por 100 posses de bola, em 271 minutos. O segundo, porém, trocando Rose por Hinrich, despenca para -7,0, em 118 minutos. O terceiro, com Hinrich no lugar de Dunleavy e Gibson na vaga de Noah, sobe para 3,7, em 116 minutos. Uma curiosidade é que, das seis melhores combinações, cinco têm o baixinho Aaron Brooks em quadra, perdendo apenas para um quinteto com Rose-Hinrich-Butler-Mirotic-Gasol. Todas essas formações, no entanto, ganharam muito pouco tempo de quadra e apresentam um saldo de cestas irreal. Outro padrão detectado: Hinrich teria de jogar ao lado de Mirotic e/ou Brooks, para compensar no ataque.
Vale a pena prestar a atenção em Brooks, de todo modo. É engraçado isso, mas ele está repetindo, mesmo, aquilo que aconteceu com DJ Augustin e Nate Robinson, fazendo a melhor temporada da sua vida como reserva do Bulls, seja em eficiência como em produção por minuto. Com o ligeirinho em quadra, o Bulls vence seus adversários por +6,2 pontos/100, quase o dobro de sua média na temporada. Apenas três dos dez quintetos em que ele aparece dão saldo negativo. Por outro lado, ele só ficou ao lado de Rose por 35 minutos. Tiveram tremendo sucesso juntos. Talvez pelo fato de Brooks aliviar a pressão em Rose como força criadora. Outro que merece mais minutos: Mirotic.
São diversas as opções de troca para o técnico fazer o time decolar, enquanto Rose vai se redescobrindo em quadra. Para o armador se consagrar, é preciso primeiro que o time esteja pronto, posicionado para realizar grandes façanhas, como aconteceu contra Golden State – e que ele renda muito mais do que fez na metade inicial do campeonato, claro. Num cenário ideal, com muito território para ocupar e um grande potencial a ser explorado, o Bulls não precisaria de atos salvadores do astro: venceria os jogos antes disso. Agora, se for preciso e ele entregar, seria, sem dúvida, a notícia mais empolgante para a torcida Chicago.