Augusto Lima volta a sorrir e se fixa na elite da Liga ACB
Giancarlo Giampietro
Quando optou por deixar o Unicaja Málaga, seis anos depois de ter chegado ao basquete espanhol como um adolescente, Augusto Lima disse que seu objetivo era bem singelo: apenas voltar a sorrir. Pois, com a camisa do UCAM Murcia, o pivô brasileiro conseguiu muito mais que isso. Hoje ele é simplesmente um dos melhores atletas da concorridíssima Liga ACB e, quando se mostra frustrado, é pelo fato de seu time não ter saído vencedor.
Peguem, por exemplo, sua declaração do último fim de semana, em que a equipe foi superada pelo Manresa, fora de casa, depois de tomar logo nos minutos iniciais: “Aqui, ganhamos e perdemos juntos, e se tem de trabalhar, e trabalhar e ir para a quadra como homens. Foi uma derrota dura em uma quadra que sabíamos que seria difícil. Eles começaram o jogo para matar, e nós não fizemos isso. Assim é complicado vencer”.
Pagou geral, não? O mais interessante, porém, é o contexto por trás disso. Sob todas as medidas, o Murcia é um clube bastante modesto na Espanha. Em uma temporada isolada, um revés como visitante, mesmo contra o lanterna do campeonato, seria tranquilamente aceito por seus torcedores e pelos observadores mais distantes.
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Acontece que o time vive hoje a melhor arrancada em sua história de Liga ACB. Está na briga por uma vaga na prestigiada Copa do Rei. Para tanto, precisa se manter entre os oito primeiros – a zona de classificação também para os mata-matas. “Nossa torcida quer que disputemos a Copa, e sonhar é grátis, mas nós no vestiário não nos esquecemos de que somos um clube humilde.”
O Murcia nunca ficou acima da 12ª posição na elite espanhola. Entrou em quadra nesta terça-feira como o 7º. Já é, então, uma campanha excepcional, que coincide justamente com a melhor temporada como profissional de Augusto. O pivô desponta como a força-motriz por trás desse sucesso.
Em qualquer consulta aos números da Liga ACB, vai ser fácil encontrar o nome do brasileiro, que deu um salto significativo em praticamente todas as estatísticas avançadas, mesmo sendo menos envolvido no ataque (sua taxa de uso baixou de 21,46% para 19,77%). Vamos lá:
– Augusto é hoje o jogador com maior PER, o índice de eficiência por minuto (26,6), acima de um craque como Ante Tomic e do veterano Fran Vázquez.
– O principal fundamento que o leva esse posto é o rebote. O brasileiro lidera a liga em percentual de rebotes (de acordo com aquilo que está disponível para ser coletado): 21,5%, superando o gigantesco Walter Tavares, cabo-verdiano draftado pelo Atlanta Hawks e o mesmo Tomic.
– Na tábua ofensiva, com 18,6%, sua vantagem ainda é maior para Vazquez e o jovem Marko Todorovic (draftado pelo Houston Rockets).
– Já são todos dados excelentes, mas o que mais chama a atenção, para mim, é o fato de ele ser o terceiro em aproveitamento de tocos e o quinto em rendimento nos roubos de bola.
Essa combinação de top 5 para rebotes, tocos e roubadas diz tudo sobre o jogo do pivô, para quem não está familiarizado com seu basquete. Um jogador muito atlético, vigoroso, que corre a quadra de modo mais veloz, acelerado que muito armador. Ataca a tabela com ferocidade e tem muita agilidade em seu deslocamento lateral e vertical – daí o fato raro de ser um grandalhão de 2,08m posicionado entre os cinco maiores ladrões de bola do campeonato. “Meu jogo é bastante físico”, resume.
É importante avaliar pelas estatísticas avançadas e por minuto, até por justiça com aqueles que seriam seus principais concorrentes: os atletas de Barcelona e Real Madrid. Os dois gigantes espanhóis basicamente estocam os melhores atletas do país (e do continente), e a divisão de tempo de quadra em seus elencos acaba limitando suas médias totais. Enquanto, em Murcia, aquele que se destaque mais vai jogar sem parar.
De qualquer forma, segue seu ranking em números totais também: melhor reboteiro (com 7,8) e terceiro em tocos (1,5) e roubos (1,5), sendo que, nas recuperações de bola, ele e o búlgaro Kaloyan Ivanov, do Androrra, são os únicos pivô entre os 15 primeiros.
Numa projeção numérica por 36 minutos, com o ritmo de jogo nivelado (como se todos os times atacassem com a mesma quantidade de posses de bola), ele cai um pouquinho, mas ainda se vê no topo: 2º em rebotes (11,3, atrás do gigantesco Walter Tavares, cabo-verdiano draftado pelo Atlanta Hawks); terceiro em tocos (2,1, atrás de Tavares e Sitapha Savane) e quinto em roubadas (2,2, atrás de Sadiel Rojas, Luke Sikma, Diamon Simpson e Pavel Pumpria).
Isto é: sob qualquer medição, o pivô brasileiro aparece com destaque. Mais agressivo, com quatro double-doubles na temporada, o mesmo que somou em toda a jornada 2013-2014. Mesmo com tantos dados animadores, Augusto prefere não se vangloriar. Adota costumeiramente o discurso de que tudo seja produto do meio. “Tanto faz”, disse. “É o trabalho da equipe faz que tenha esses números. Só me interessa que avancemos em bloco, e que a torcida esteja contente com a equipe.”
De qualquer forma, o pivô destaca o trabalho com o técnico Diego Ocampo, uma das revelações da temporada ao seu lado. Aos 38, Ocampo pode ser considerado um estreante na profissão – mas só se for para falar de “treinador principal”. Mas já é um veterano de banco, depois de muitos anos como auxiliar de profissionais aclamados como Aíto García Reneses, Manel Comas e Joan Plaza.
“Diego está muito em cima de mim, trabalhando comigo, e creio que estou nesse bom momento”, disse o brasileiro. “Isso é para conseguir as coisas para a equipe. É para isso que vou todos os dias para a quadra com o objetivo de matar. No final, tudo o que vem de números e ações é para a equipe. Quero seguir ajudando desta maneira, com meus rebotes.”
O sorriso
Foi quando se apresentou ao Murcia na temporada passada que Augusto soltou a seguinte frase: “Quero voltar a sorrir e ser importante para o UCAM Murcia”. Poderia soar novamente muito protocolar, mas nesse caso o contexto também contava uma história mais ampla. Considerando as poucas e boas pelas quais havia passado o pivô carioca nos últimos anos, nada mais que justo.
Vejamos: mesmo com a cidadania espanhola obtida, o que lhe dava segurança no elenco malagueño, Augusto mal conseguiu sair do banco do Unicaja na temporada 2012-2013, mesmo com o clube disputando a liga espanhola e a Euroliga. Ele simplesmente não teve condições de mostrar serviço, repetindo um padrão de campanhas anteriores, nas quais só jogava mais quando era cedido para equipes menores como o Granada ou a filial Axarquía.
Ao mesmo tempo, passou o campeonato todo procurando contornar um problema nas costas que se mostraria muito mais sério do que o imaginado. Quando se apresentou a Rubén Magnano em São Paulo, acabou vetado nos exames médicos: foi constatada uma hérnia de disco. Nem a Copa América poderia disputar.
Isso aconteceu poucas semanas depois de ter sido ignorado no Draft da NBA. Ele viajou para os Estados Unidos com Raulzinho e Lucas Bebê, deu um duro danado em Los Angeles, passou por algumas cidades para treinos particulares, mas não foi escolhido por nenhuma franquia – ao contrário do que ocorreu com os compatriotas.
Então chega uma hora que basta, né? De notícia ruim a caixa de correspondência já estava cheia. Deixou um clube tradicional como o Unicaja em busca de um recomeço. De um lugar onde pudesse realmente se sentir relevante novamente. Em que pudesse sorrir, e a modesta agremiação, que já havia tido sucesso com outros brasileiros no passado (Paulão e Vitor Faverani) lhe oferecia essa oportunidade. Foi recebido como “um grande jogador“, nas palavras do presidente do clube da universidade católica, mantenedora do time, José Luis Mendoza.
Aos 21, ele já era uma espécie de veterano. “Vim para oferecer tudo o que aprendi e para tomar decisões importantes. No Málaga eu era um jovem da base. Aqui, meu papel muda”, afirmou. “Desde o primeiro momento estão me tratando muito bem, e venho me sentindo muito à vontade. Eles me deram muita confiança.”
Na elite
Confiança era do que Augusto Lima precisava para realizar seu potencial atlético, sempre evidente. “Os pontos e rebotes seriam consequência naturais disso – sem contar os euros, sempre importantes, que certamente chegarão ao final da temporada, quando se tornar agente livre.
Claro que ainda há muito o que melhorar em seu jogo. Não estamos tratando de um produto acabado. Seu lance livre e o tiro exterior em geral são bem fracos. Assim como sua capacidade para criar jogadas por conta própria e para os companheiros – tem média de 0,4 assistências a cada turnovers nesta temporada, enquanto apenas 5% de suas posses de bola terminam com passe para cesta. Você tem, então, de saber usá-lo. No ataque, deve ser explorado perto do garrafão, em movimentos de pick and roll ou com cortes fora da bola, vindo do lado contrário. Não é para colocar a bola nele em um lance de isolamento, um contra um e esperar que ele trabalhe com a mesma eficácia a partir daí.
Afinal, ele ainda é um cara que depende muito da energia que vá ter em quadra. Não por acaso, seu rendimento varia drasticamente entre os jogos disputados dentro e fora de quadra. Suas médias, respectivamente: 17,8 pontos para 6,6, 9,6 rebotes para 6,2, 1,8 roubada para 1,2, 77,6% nos arremessos de quadra para 42%. Detalhe: os minutos não mudam tanto assim, saindo de 25,4 para 22,3.
De qualquer forma, na defesa, já é um jogador que vai ajudar qualquer time devido aos seus atributos físicos, empenho e inteligência. Mesmo com suas limitações, sustenta uma produção elevadíssima já por uma temporada e meia.
Daí o estranhamento por sua exclusão do grupo principal da seleção neste ano, além de ter ficado escondido até mesmo no elenco do Sul-Americano. Um atleta de elite na Espanha é só mais um no basquete brasileiro? Imagino que vá ser algo remediado nas próximas convocações…
Porque, conforme já dito aqui, o sucesso de Augusto não é abstrato. Algo que você possa simplesmente designar como “bons números num time fraquinho”. Esse até poderia ser o cenário da temporada passada. Para o ano vigente, porém, o Murcia subiu junto com seu pivô: de 36,7% (11-19) com ele, para 56,2% (7-6).
A despeito da crise geral na economia europeia, a liga ainda é fortíssima, com um nível de competitividade único em todo o continente. O time hoje está na oitava colocação, na zona de classificação para os playoffs e a Copa do Rei. A cada rodada, porém, a volatilidade é grande: o Valencia, uma equipe de Euroliga, e o Zaragoza têm a mesma campanha, enquanto outros quatro concorrentes aparecem com seis triunfos e sete reveses – entre eles o Obradoiro de Rafael Luz e o Laboral Kutxa, outro time de Euroliga.
O que vem por aí?
Consistência é algo que Augusto já conquistou. Para a segunda metade da temporada espanhola, a grande meta seria realmente manter o Murcia entre os oito melhores da Espanha. “Temos de estar concentrados no que fazer a cada jogo, em nosso trabalhos, e manter a humildade. As coisas estão saindo bem, e temos de lutar por tudo”, diz.
Não apenas seria histórico para o clube, como lhe renderia uma bem-vinda exposição – ainda que na Espanha ele seja muito mais badalado hoje do que pelo basqueteiro brasileiro em geral. Jogar a Copa do Rei seria uma tremenda experiência. É uma competição que atrai olheiros de todos os cantos.
Um scout de uma equipe da Conferência Oeste da NBA, por exemplo, está sempre me falando sobre como o pivô progrediu sensivelmente em quadra. Caso chegue ao basquete americano, cumpriria com uma trajetória semelhante à de Faverani – mais um brasileiro que saiu jovem daqui, ingressou na base de o Málaga, mas só foi brilhar na Espanha em outro clube, até fechar um contrato nos Estados Unidos, tendo passado batido pelo Draft. É um paralelo do qual está ciente. “Fazem muito essa comparação. Somos jogadores com alguma característica parecida, como por exemplo a forma de falar. Mas penso que Vitor é o Vitor, e eu sou o Augusto. Ele chegou à NBA. Quero primeiro ser importante aqui e, se chegar a hora de dar o salto, iria encantado.”
Augusto está desfrutando de tempo, ritmo e sucesso em quadra, mas agora é hora de competir. Ainda há um longo caminho pela frente. É por isso que não se daria mais que uma nota maior que 7 para o que vem fazendo até aqui. “Sempre quero algo a mais, e as derrotas ainda me custam muito”, disse. No nível que ele alcançou, a simples alegria de ir para o jogo já não é o bastante.