O Dallas tinha o melhor ataque (da história!). E ainda quis Rondo
Giancarlo Giampietro
Para quem tem acompanhado o blog recentemente, vai soar repetitivo, mas não tem como fugir disto. É a realidade imperante na NBA: mas, numa Conferência Oeste cada vez mais brutal, em que o sétimo colocado tem aproveitamento superior a 70%, os times se veem obrigados a buscar a excelência. O time nunca está bom o bastante. Mesmo o Golden State Warriors, dizem, anda buscando trocas para fortalecer seu banco de reservas.
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É nesse contexto que entra a troca entre Dallas Mavericks e Boston Celtics, transportando Rajon Rondo, o último remanescente do título alviverde de 2008, para o Texas. Mesmo que o ataque orquestrado por Rick Carlisle em torno de um certo alemão de 2,13 m de altura que arremessa bem de qualquer canto da quadra fosse o mais eficiente da história da liga. Isso mesmo: até esta semana, o índice ofensivo de 115,9, segundo o Basketball Reference, seria maior do que qualquer Phoenix Suns da era Mike D'Antoni obteve. Ou que o Boston Celtics de Larry Bird. Ou que o showtime de Magic, Kareem e Jerry Buss. Sim: qualquer um.
Não era o bastante. Não com o clube texano posicionado entre as dez piores defesas da temporada, mais especificamente na 24ª posição, abaixo de times como Boston Celtics, Philadelphia 76ers, Phoenix Suns, Detroit Pistons, Charlotte Hornets e… Vocês entenderam, né? Então eles foram atrás de um armador reconhecido na liga como um grande marcador em sua posição, alguém que bota pressão no drible dos adversários e nas linhas de passe.
Acontece que, para aqueles mais ligados nas estatísticas avançadas (ou não), essa reputação não se justifica mais. De acordo com os números, aliás, o ex-astro do Celtics já não seria mais um atleta de elite, numa NBA abarrotada de excelentes armadores – Kyle Lowry nunca foi eleito para o All-Star Gagem, por exemplo.
Os pontos negativos apontados: Rondo não intimidou ninguém em suas últimas três campanhas. Seus oponentes convertiam arremessos acima de suas médias diante de seus longos braços. o Boston era melhor tanto no ataque como na defesa quando o atleta estava fora de quadra. O armador está acertando apenas 33% de seus lances livres, abaixo até mesmo de Andre Drummond e Mason Plumlee, um terror. Nas últimas três temporadas, o armador tem finalizado cada vez menos dentro do garrafão (2012-13: 36,3%; 2013-14: 32,6%; 2014-15: 31,5%, comparando com os 55,7% de 2008, o ano do título). Por que isso? Seja por receio de sofrer faltas e ir para os lances livres, ou por simplesmente não ter o mesmo arranque de antes, tenso sofrido uma grave lesão no joelho. Em sua carreira, ele acertou apenas 25,2% de até agora, e como isso vai funcionar ao lado de Monta Ellis, que converte apenas 30,4% de seus chutes de longa distância neste ano (e 31,8% na carreira?). Ellis também domina a bola em Dallas, sendo o atacante mais produtivo da liga em situações de pick-and-roll. Ter Rondo, que não ameaça ninguém no perímetro, não vai atrapalhar isso? E teria mais, mas o parágrafo já ficou gigante o bastante.
É quase um massacre, não?
Então quer dizer que o Dallas fez um negócio sobre o qual eles vão se arrepender prontamente?
Para os estatísticos, sim.
E aí temos um ponto bastante interessante: essa pode ser a segunda troca nos últimos dois campeonatos a contrariar sensivelmente aqueles mais apegados aos números, depois do sucesso obtido por Rudy Gay em Sacramento. (PS: os supernerds merecem um asterisco aqui, uma vez que o próprio Rudy Gay admitiu ter sentido, ouvido as críticas e mudado sensivelmente seu jogo na Califórnia.)
Mark Cuban, Donnie Nelson e Rick Carlisle obviamente estão atentos a tudo siso. O Mavs tem um dos maiores estafes administrativos nas operações de basquete da NBA. Considerando o sucesso que essa gestão teve nos últimos 15 anos, talvez o mais prudente seja confiar no que eles estão fazendo?
O primeiro e principal contraponto que eles e os defensores de Rondo poderiam fazer é que talvez o armador não estivesse lá muito empolgado em um time que não brigava por nada relevante. ''Talvez'', só para colocar de modo educado, né? O consenso em torno de Rondo que ninguém vai discutir: que ele é um dos atletas mais enigmáticos/inteligentes/temperamentais/difícil-de-lidar-no-dia-a-dia da NBA. Por maior que fossem suas juras de amor aos leais torcedores de Boston, obviamente ele não foi o atleta mais determinado em quadra nessa temporada. Coração, concentração, empenho: ninguém ainda encontrou uma fórmula que dimensione esse tipo de coisa. ''Ele queria sair, mas jamais iria dizer isso'', disse Kendrick Perkins, seu ex-companheiro de Celtics e talvez seu melhor amigo na liga.
Com o elenco experiente que Carlisle tem, eles acreditam que a personalidade singular do armador será devidamente assimilada. Que o ego não será um problema. E que, num time com aspirações sérias ao título, ele será outro atleta. Será o cara de dois anos atrás, quando, em 2012, liderou um envelhecido Celtics que levou o Miami Heat de LeBron, Wade e Bosh ao sétimo jogo de uma final de conferência inesquecível. ''Ele é certamente o tipo de peça que pode render um campeonato'', disse Cuban. Algo com que o técnico Brad Stevens, do Celtics, parece concordar: ''Sinto muito que tenhamos de enfrentá-los mais uma vez''.
Os dirigentes creem que, pela inteligência indiscutível de seu novo reforço, ele vai se encaixar tranquilamente no time, entendendo que se trata de uma estrutura complemente diferente da que tinha ao seu redor em Boston. ''Não vou ficar dominando a bola assim. Um cara como o Monta precisa dela em suas mãos'', disse o veterano em sua entrevista coletiva de apresentação. ''Vamos dizer para ele fazer o que sabe fazer, que é melhorar seus companheiros e envolvê-los. Ele é um guerreiro e um dos jogadores mais inteligentes na quadra. Daqueles que passa primeiro sempre, então acho que devemos curtir bastante jogar ao seu lado'', disse Nowitzki.
Apostam que um Rondo motivado significa um Rondo mais dinâmico e mais veloz, contando que sua agilidade vai ajudar a amenizar os problemas de espaçamento ofensivo que seu arremesso deficiente proporciona. Além do mais, ele está substituindo Jameer Nelson. Ainda que o tampinha seja um arremessador muito mais gabaritado, combinando melhor com Ellis em teoria, já não tem punch para ser um armador titular na liga. Monta, em público, não manifestou preocupação e avalizou o negócio em conversa por telefone com Cuban: ''O cara joga duro, não tem problema. Podem trazê-lo''.
Além disso, o próprio Carlisle tem se notabilizado em Dallas por sua capacidade de assimilar as mais diferentes peças e entregar um produto bastante coeso e perigoso em quadra. É um senhor treinador, daqueles que tira o melhor de cada um de seus atletas e procura amenizar, esconder suas deficiências.
Enfim, o Dallas já tinha um timaço, mas viu nessa negociação uma chance de dar mais um salto. Talvez estivessem incomodados com as cinco derrotas em suas únicas cinco partidas contra times posicionados na zona de classificação para os playoffs do Oeste. Essa conferência que empurra seus integrantes para o limite.
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Carlisle já confirmou: Rondo estreia neste sábado contra o San Antonio Spurs. Tem melhor coisa que isso? E aqui fica o jabá: o Sports+, canal 228 da SKY, transmite a partida com exclusividade no Brasil. Estarei nos comentários ao lado do enciclopédico Ricardo Bulgarelli. Rafael Spinelli narra de forma sempre empolgante e bem-humorada.
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É curioso comparar as declarações pós-troca.
Danny Ainge, chefão do Celtics, disse que o fato de ter escolhido Marcus Smart no Draft deste ano não tornou uma troca de Rondo inevitável. Acredita que os dois poderiam conviver numa boa. ''Nós claramente cedemos o melhor jogador nesta troca, e isso geralmente não é o que gostamos de fazer'', disse, bem mais amargo. O fato de Rondo virar um agente livre ao final da temporada foi o que mais pesou, obviamente. ''Havia por certo essa incerteza sobre o que poderia acontecer no verão.''
Donnie Nelson, o número 2 do Mavs, afirmou que o time pagou um ''alto preço'', mas que valia a pena. Cuban foi mais contundente, como de costume. ''Queremos merecer seu desejo de continuar aqui. Vamos fazer tudo o que pudermos para mantê-lo. Rondo não prometeu nada, mas acredita que o Dallas tem um futuro brilhante pela frente e que espera que o time fique junto a longo prazo.
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Se Rondo se encaixar perfeitamente com Dirk, Monta e Carlisle, o Dallas ainda vai ter um problema para resolver: Tyson Chandler precisa de ajuda. Aos 32 anos, ele pode não parecer tão velho, mas não podemos nos esquecer que ele foi um dos que pulou direto do high school para a NBA. Já está em sua 14ª temporada e, mesmo quando mais jovem, nunca foi tido como um ironman. Nos últimos dois campeonatos, ele disputou 121 partidas de 164 possíveis. Na atual campanha, tem média de 29,7 minutos, e seria prudente que essa quantia não fosse elevada de modo significativo, para preservá-lo para os playoffs. Sem Brandan Wright, no entanto, talvez não haja outra solução imediata para o técnico. De grandalhões no banco, ele terá de escolher entre Greg Smith, ex-Rockets, Charlie Villanueva, que não vai marcar ninguém, e o calouro Dwight Powell, que veio no pacote de Boston. É por isso que os nomes de Jermaine O'Neal (ainda indeciso sobre estender sua carreira) e Emeka Okafor (treinando por conta própria para entrar em forma, de olho num retorno no ano novo) já são especulados. São os dois principais alvos do clube.
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Do lado de Boston, como ficam as coisas? O técnico Brad Stevens podem se apegar ao que dizem os números: que Rondo estava mais atrapalhando do que ajudando o time. Seria esse o argumento interno mais popular no clube, certamente. Além disso, Brandan Wright tem características que preenchem lacunas importantes em seu elenco: um pivô atlético que protege o aro e oferece bom complemento a Jared Sullinger e Kelly Olynyk. Tyler Zeller é quem pode rodar nessa. O espigão vinha numa temporada das mais produtivas da NBA e vale um texto um pouco mais detalhado, já que seu caso também abre uma boa discussão sobre o modo de se enxergar as estatísticas.
Acontece que Danny Ainge não está pensando em chegar aos mata-matas nesta temporada. Para ele, o mais interessante é descolar mais uma escolha alta de Draft em 2015, se conformando em tocar uma reformulação lenta, dolorosa, mas talvez necessária. Jeff Green e Brandon Bass são nomes que vão aparecer no HoopsHype mais e mais.
Agora, vale também acompanhar de perto a evolução de Smart. O armador revelado em Oklahoma State já é um defensor de mão cheia – uma raridade para um calouro. Seu arremesso cai mais que o de Rondo, mas ainda está em manutenção. Dependendo da quantidade de minutos que receber de Stevens, pode virar um candidato a novato do ano.