O Maccabi campeão que deprimiu o poderoso Real
Giancarlo Giampietro
“Esta Euroliga fomos nós que perdemos. Se tivéssemos feito as coisas um pouco melhor, seríamos campeões”, afirmou Felipe Reyes. “É uma das derrotas mais difíceis na minha carreira. A equipe que ganhou da nossa não é melhor do que o nossa. Estamos f*****dos.”
Primeiro: o capitão do Real Madrid e um dos símbolos da geração dourada do basquete espanhol realmente soltou esta última frase on the record para resumir o que ele e seus companheiros sentiam nos vestiários em Milão após a derrota para o Maccabi Tel Aviv na final do campeonato continental. Para quem o viu receber o troféu de vice-campeão com o maior desdém, já numa fossa danada, não chega a ser uma surpresa o uso, enfim, de impropérios em entrevistas. Justo com os atletas merengues, um grupo de caras certinhos que pouca emoção deram a matérias que procuravam exaltar uma temporada (quase?) histórica do clube.
Agora, com toda a sua experiência, aos 34 anos, disputando sua décima Euroliga, Reyes sabe, ou deveria saber muito bem que nem sempre o melhor time vai vencer por aquelas bandas. O formato do Final Four já abre naturalmente espaço para os azarões ou coisas atípicas – o Real, mesmo, não vai bater o Barcelona por mais de 30 pontos todos os dias. Há muitos fatores que podem levar a diversas, supostas injustiças. Mas o espanhol que experimente dizer isso diretamente a David Blatt ou Tyrese Rice, o MVP da fase decisiva, aquele mesmo que não tomou conhecimento de nenhum defensor madridista que se aventurasse em pará-lo.
Talvez Blatt pudesse fazer uma concessão: que, no papel, um por um, o elenco do Real de fato daria uma surra no que ele tem ao seu dispor. Quiçá admitisse, mesmo, na esportiva, embora não tenha obrigação nenhuma de fazê-lo. Foi seu time o campeão. E isso, para sua realização e a de milhares e milhares de fanáticos, é o que importa, no fim.
Yarone Arbel, um chapa israelense que acompanha o time e o campeonato há anos, colunista no site da Euroliga e scout profissional, já havia dito no Twitter, de modo um tanto premonitório: A única chance do Maccabi ganhar este jogo é dar uma de… Maccabi. Não será sobre o basquete”.
Foi um comentário que segue a linha do que disse Reyes, horas mais tarde. Sim, o melhor time, como demonstrado durante toda a temporada, era o Real. Acontece que esse Maccabi que chegou a Milão era um monstro completamente diferente daquele que estávamos acompanhando durante as semanas, meses anteriores. Eles estavam transformados.
O clube chegou a perder quatro partidas consecutivas em março, o que é caso para crise institucional. A boataria dava conta de que Blatt estaria absurdamente ameaçado em seu cargo. O time penou para chegar aos mata-matas, mas aí veio um momento mágico, que encaminharia sua jornada para outra direção.
No mesmo Mediolanum Forum, o Maccabi abria o confronto com o emergente Olimpia Milano, sem a vantagem do mando de quadra. Empolgada, atlética, em alta, a equipe da quadra vencia o jogo por 12 pontos, restando algo em torno de quatro minutos no confronto. Ou sete pontos com menos de dois minutos. Os israelenses conseguiram uma virada inacreditável, vencendo na prorrogação. Durante as entrevistas pós-título, o treinador, seus jogadores e os dirigentes concordaram: aquele foi o momento em que passaram a acreditar que algo “especial” estaria por vir (foi a palavra usada por todos).
Veio mesmo. Quando subiram para a quadra no Final Four, estava diante deles. Foram nove mil torcedores do clube em Milão? Há quem diga até 10 mil. Uma quantia muito maior do que a torcida dos outros três clubes juntos. Impressionante, ainda mais por incluirmos aqui Barcelona e Real Madrid – o CSKA tem um nome pesado, mas, depois de transmitir seus jogos por duas temporadas no Sports+, está claro que seus admiradores não podem ser confundidos como “seguidores”.
E não há como o time entrar em quadra, do outro lado do Mediterrâneo, e não se empolgar com aquele mar de camisetas e bandeiras azul e amarelas na arquibancada. Impossível passar incólume por isso e não se sentir ainda maior. Há quem possa achar piegas a frase, mas não vejo como evitá-la: ali, o Maccabi, sim, era mais que um clube.
Se formos pensar, testemunhamos algo parecido neste NBB, com a ascensão do Mogi durante os playoffs. Guardadas as devidas proporções, claro. A torcida veio junto, o time cresceu. Ou: o time cresceu, a torcida veio junto. Difícil dizer o que acontece primeiro. O que sabemos é que, de maneira indiscutível, os dois juntos tornam a criatura mais temerosa.
Vejam as fotos das comemorações em Tel Aviv:
Na Euroliga, o Real era superior financeira e tecnicamente, mas não tinha isso ao seu lado. Como clube, seu adversário era maior.
(Sobre o jogo em si, comento, meio atraso, um pouco mais tarde.)