Para perder, Bulls tem primeiro de vencer Thibodeau
Giancarlo Giampietro
O Chicago Bulls pensando no futuro, o Cleveland Cavaliers, no presente, e o Luol Deng no meio dessa história toda. É só o que se escreveu desde que os dois times da Divisão Central fecharam a troca do ala pelo pivô Andrew Bynum na noite desta segunda-feira, e não tem muito como fugir disso.
Na parte que toca aos touros de Chicago, porém, só falta uma coisa: combinar com Tom Thibodeau de que o time tem mais é de perder do que ganhar no restante da temporada 2013-2014 da NBA.
O sujeito é um maníaco, obcecado por basquete, que trata o jogo acima de qualquer religião. Não esperem que ele, Thibs, vai entregar os pontos, apesar de estar contrariado e triste pela saída de seu ala britânico.
“Não vou ceder nada”, afirmou o técnico, nesta terça, em seu primeiro papo deprimido com a mídia local, depois de ter perdido um de seus jogadores prediletos. “É difícil. Eu o agradeci por tudo o que ele fez por nós. Não dá para pedir mais nada de um jogador. Ele encarnou tudo aquilo que defendemos.”
Thibodeau não podia ter escolhido melhor termo, né? “Defendemos”, falou. É o que o Bulls mais fez, mesmo, desde que ele conseguiu independência do clã Van Gundy e de Doc Rivers para assumir pela primeira vez o posto de treinador principal de uma equipe. E dura até hoje: mesmo com a frustração de ter perdido seu principal jogador e apesar das constantes lesões que abalam o elenco, seu time ainda tem a segunda defesa mais eficiente da competição.
Com essa retranca ferrenha, apesar de não poder escalar Derrick Rose já por quase duas temporadas, o treinador conquistou 171 vitórias em 262 jogos, para um ótimo aproveitamento de 65,3%. Para se ter uma ideia, em San Antonio, o registro de Gregg Popovich é de 68,4%, enquanto Doc Rivers e Rick Carlisle têm, respectivamente, 62,5% e 58,6% na carreira. Sim, do seu modo turrão e extremamente exigente, ele está na elite da profissão.
Vai ser difícil, para não dizer impossível dobrar o homem.
John Paxson, vice-presidente da equipe e o chefão nas decisões esportivas, está mais que ciente a respeito – de que não há como nem mesmo se aproximar do treinador com qualquer ideia de que o melhor para todos era que o Bulls pegasse leve a partir de agora, pensando numa colocação melhor no próximo Draft.
Paxson sempre soube, claro, que o técnico não ficaria nem um pouco encantados com essa troca pelo contrato de Andrew Bynum e algumas considerações futuras de Draft. “Não seria realista pensar nisso”, disse (toin!). Mas o negócio foi feito. E por quê? Para que o Bulls pudesse economizar mais de US$ 20 milhões este ano – US$ 8,7 milhões restantes de salário para Deng e quase US$ 12 milhões em multa que o time pagaria em cima desse valor, excedendo os limites impostos pela liga.
Neste ponto, é bom sempre lembrar também que Jerry Reinsdorf, proprietário da franquia desde os anos dourados, é um dos sujeitos mais sovinas no mundo da NBA. Embora sediado em uma das maiores metrópoles do país, gerindo uma marca de apelo realmente global, ele dificilmente autorizou Paxson ou antigos diretores a quebrarem a banca na montagem de um time. Ao contrário de Lakers e Knicks, por exemplo, o Bulls só infringiu a chamada “luxury tax” uma vez – na temporada passada.
O clube até tentou chegar a um acordo de extensão contratual com Deng, mas o ala simplesmente recusou ofertas de até US$ 40 milhões por quatro temporadas. Segundo consta, ele esperava no mínimo US$ 13 milhões por ano. Com receio, então, de perdê-lo a troco de nada ao final do campeonato e, com a sanidade fiscal em voga e de terem de pagar mais multas no futuro, bateram o martelo.
Se o Bulls não tinha chance alguma de brigar pelo título deste ano, qual era o sentido de torrar uma grana dessas? Se um jogador querido como Deng – importante dentro e fora de quadra, como ressaltou Paxson – tivesse de ser sacrificado pela sanidade fiscal, que fosse o caso.
“O ônus agora está em nós. Quando se tem flexibilidade financeira, é necessário tomar decisões espertas. Estamos confiantes de que vamos pegar todos esses recursos e investi-los de volta na equipe”, disse o cartola. “Isso é parte da NBA”, resignou-se Thibodeau. “Não dá para ficar olhando para trás.”
Agora, e se, olhando para a frente, os diretores começarem a forçar a barra, procurando interferir no trabalho do treinador? Será que mais trocas (Hinrich? Dunleavy Jr?) virão? O que sobra para ser trabalhado em quadra? Será que Thibs suportaria?
Há fortes rumores vindos da “Wind City” de que os cartolas e os integrantes da comissão técnica não se bicam mais. O ex-parceiro de Michael Jordan, que já fez cesta de título na NBA, nega: “Temos uma relação de trabalho realmente boa”. O treinador também já procurou dispersar os repórteres abelhudos a respeito. Mas obviamente rangeu os dentes ao falar sobre a troca de Deng e a conversa que teve com os superiores. “Nós discutimos a respeito. Mas vou me limitar a dizer isso.”
Ao falar sobre a negociação com o Cavs, Paxson teve todo o cuidado do mundo para não ferir Thibs e para apontar que os dois apontam para a mesma direção – a de que o Bulls ainda tenta vencer.
Mas será que eles querem isso, mesmo? E será que, no curto prazo, importa? Independentemente das reais intenções da diretoria, na esculhambada conferência Leste, pode ser que a simples combinação da forte defesa liderada por Thibs e Noah – que se recusou a falar com os jornalistas nesta terça – seja o suficiente para render, da mesma forma, uma classificação para os playoffs – o time, hoje, está em sexto. Ainda que, com Deng, o Cavs, concorrente, fique mais forte, é preciso que três ou quatro times entre Knicks, Nets, Pistons, Wizards e Bobcats se apresentem com o mínimo de consistência para complicar essa briga por vaga.
(Além do mais, podem apostar que Reinsdorf não ficaria nada chateado de ter alguns joguinhos a mais de mata-mata para faturar em maio.)
“Reconstrução não é uma palavra para se usar quando você tem jogadores como Joakim Noah em seu time, quando você tem um treinador como Tom”, disse Paxson. “Nossos caras ainda vão competir e jogar da forma como nossa cidade gosta.”
Da parte de Thibodeau, pode ter certeza disso. Resta saber se ele vai poder seguir em frente desta maneira.
* * *
Com 10.286 pontos na carreira, Luol Deng se despede do Bulls como seu quarto maior cestinha histórico, atrás apenas de Michael Jordan, Scottie Pippen e Bob Love, ala-pivô dos anos 70. Jerry Sloan, aquele, é o quinto. O ala, na verdade, aparece, no top 10 de diversas categorias estatísticas da franquia. Impressionante.
* * *
Não deixa de ser irônico que Deng tenha de deixar Chicago no dia em que o Phoenix Suns vai jogar na cidade. Foi o clube do Arizona que trocou a escolha de Draft que resultaria na contratação do ala, que ficou apenas um ano em Duke sob a tutela do Coach K. Em 2004, sétima colocação. Na ocasião, o técnico Mike D’Antoni afirmava que não via nenhum calouro disponível que pudesse ajudar sua equipe. Agora, imaginem Deng ou Andre Iguodala, o nono, correndo juntos de Joe Johnson, Stoudemire, Marion e, principalmente, Steve Nash naquela temporada? Sem eles, o time batalhou duramente na final da Conferência Oeste contra o Spurs. Se poderiam ter ajudado, mesmo inexperientes? Você diz.
* * *
Mike Brown vai amar Luol Deng, de cara, claro. Assim como Anderson Varejão, que enfim ganha a companhia de um defensor competente no quinteto inicial do Cavs. Agora, pagar mais de US$ 10 milhões por um jogador de histórico já volumoso de lesões, bem mais velho que o núcleo que o clube vem tentando desenvolver? Essa seria oooooutra história.