Vinte Um

Impropérios, afastamento e… o fim da linha para Marcelinho?

Giancarlo Giampietro

Campeão contra o Maccabi, ainda idolatrado... E não é o bastante?

Campeão contra o Maccabi, ainda idolatrado… E não é o bastante?

Na mesma semana em que demos destaque aqui a Márcio Dornelles, um dos três basqueteiros nacionais que vão chegar ao clube dos quarentões neste ano, sai diretamente do vestiário do Flamengo uma notícia deprimente envolvendo o mais velho deles, Marcelinho Machado.

Segundo apuração dos companheiros de casa, Fábio Aleixo e Pedro Ivo Almeida, o camisa 4 basicamente já não estava nada contente com a redução dos seus minutos na temporada. Aí que ter começado os últimos jogos no banco de reservas foi o fim. No vestiário, depois de vitória sobre o Minas Tênis na terça-feira, partiu, então, para o confronto verbal com o técnico José Neto, usando de toda a sorte de impropérios para manifestar seu descontentamento. A diretoria intercedeu, protegendo seu treinador, e afastou Marcelinho do jogo contra o Uberlândia. Para vermos como não se tratou de uma discussão corriqueira.

A gente poderia apelar aqui ao politicamente correto e dizer que Machado, que vai completar 40 anos em abril, deveria ser justamente aquele a dar o exemplo. Não só pela idade, mas também por seu currículo, de diversas competições de seleção e histórico recente riquíssimo pelo Flamengo. Pontos válidos, claro. Mas o que me chama mais a atenção, mesmo, é o fato de o ala não entender ou não querer aceitar o que se passa ao seu redor. Uma situação que serve como a metáfora perfeita de uma carreira para qual o adjetivo “polêmica” soa como eufemismo.

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A habilidade de Marcelinho com a bola é inegável, em que pese aqui o ranço de anos e anos de campanhas frustradas da seleção que serviram para elegê-lo como o principal alvo de críticas da torcida. Só mesmo a ausência de Nenê aqui e ali para desviar o foco dos chutes de três contestados do veterano.

Sim, ele exagerou muitas vezes com a bola em mãos. Ao mesmo tempo, porém, poderia surpreender a todos com passes que demonstravam uma visão de quadra fora do normal. O problema era (é!?) justamente este: nem sempre o carioca entendia ou – creio mais nisto – queria entender, enxergar todas as movimentações possíveis em quadra. Partia ele para a definição, e que o time e os companheiros se virassem com as consequências. Pois ele, confiante que só, não temia nenhum desfecho. E o Técnico X observando, talvez refém de seu talento.

(Antes que os mais enfezados cuspam marimbondos, favor entender que estou me referindo a um Marcelinho de dez anos atrás, quando a marca que ele se aproximava era a dos 30 anos. Uma época em que ele sobrava quando competia com o segundo escalão das Américas – em 2005, liderou o Brasil a um título continental com 23,4 pontos, 5,2 rebotes e 5,6 assistências em média. Era um torneio sem EUA e sem geração dourada argentina? Sim. Só não se esqueçam do que aconteceu na edição 2013, na qual, com as mesmas condições, já foi possível perder para Jamaica e Uruguai.)

Acontece que Marcelinho comprou uma boa briga agora. Neto ganhou poder e respaldo nos bastidores rubro-negros depois do bicampeonato nacional e das conquistas inéditas da Liga das Américas e da Copa Intercontinental. Se Machado estivesse fazendo chover dentro da Arena da Barra ou do ginásio do Tijuca, já seria difícil o ‘embate’. Agora, quando o cara vem de uma sequência horrorosa em quadra, na qual marcou apenas 14 pontos em três partidas, vai falar o quê? Contra Liga Sorocabana, Bauru e Minas, ele arriscou 17 arremessos e converteu o grande total de dois. Sim, dois chutes certos, de longa distância, em 17 tentativas. O restante dos pontos veio apenas na linha de lance livre.

Azedou

Azedou

Embora fosse alto, com boa envergadura e inteligente, nem mesmo no auge dá para dizer que o camisa 4 foi um marcador minimamente atento e dedicado. A essa altura da vida, sabemos que ele não causa impacto algum pelo Flamengo na hora de defender. Se a bola não cai do outro lado da quadra, é só fazer as contas…

Nas primeiras 16 partidas da temporada, o mínimo que Marcelinho havia jogado foram os 17 minutos que recebera contra Limeira, jogo no qual teve participação praticamente nula em quadra: 3 pontos, 2 assistências, 1 rebote e 1/3 nos arremessos. De resto, seu tempo de quadra havia flutuado entre 20 e os 33 minutos que teve contra Macaé, no dia 22 de dezembro.

Nos últimos dois jogos, contra Bauru e Minas, a mudança: ficou em 19 e 17 minutos, respectivamente. No confronto com a atual melhor equipe do Brasil, saiu de quadra com cinco pontos de lance livre e nenhum nos arremessos de quadra. Contra o time de Demétrius, teve a chance de arriscar uma bola de longa distância e só.

Em termos de médias, são 12,6 pontos, 2,4 rebotes e 2,1 assistências na temporada, já computando as últimas partidas sôfregas. É um bom rendimento para um coadjuvante. Mas esse papel parece não agradar, não ser o bastante para Marcelinho, que tem médias no NBB de 22,4 pontos 4,7 reboes e 3,0 assistências.

Não me recordo de momento algum de sua carreira no Brasil em que estivesse tão, digamos, discreto em quadra como nesses últimos dias. Ele, também, muito provavelmente não se lembra. Vem daí o choque. Mas só é choque se for para acreditar, mesmo, que ainda tem fôlego e recursos técnicos para se manter como um sério protagonista do time.

Rodeado de bons jogadores, Marcelinho ainda ganhou um prêmio de MVP na Liga das Américas do ano passado

Rodeado de bons jogadores, Marcelinho ainda ganhou um prêmio de MVP na Liga das Américas do ano passado

Desde a chegada de Marquinhos ao time, sabemos bem quem tem ou deveria ter a prioridade como força criativa. São raríssimos os casos de defensores do NBB que consigam frear o ala quando ele está decidido a bater para a cesta, devido a seu controle de bola e atributos físicos.

Obviamente, não são apenas os dois para dividir a bola. Olivinha trabalhou duro o bastante para se tornar uma arma perigosa dentro-e-fora. Nícolas Laprovíttola tem facilidade para buscar as infiltrações. Jerome Meyinsse domina a tábua ofensiva. Foi esse o Flamengo que encheu a sala de troféus. Para esta temporada, ainda chegou um Walter Herrmann para contar boas histórias. Ah, e Vitor Benite estava plenamente recuperado de sua cirurgia no joelho.

São muitas alternativas. Num time desses, o coitado do Felício só ganha 12 minutos por jogo (um desperdício absurdo de um potencial enorme, aliás). Que tipo de números e envolvimento Marcelinho esperava? Aos 39 anos, rodeado por tanto talento? O Fla não esperava e,mais importante, não precisava de um ano heróico do veterano, que desfruta, mesmo assim, de um ótimo salário (quando ele cai na conta, claro).

Existe a possibilidade, agora, de ele ser dispensado, dependendo do quão desconfortável a diretoria se sinta. É uma decisão delicada, e a química do vestiário, dependendo de como as coisas forem feitas, pode se esvair. Como se, com a bola quicando, o time já não tivesse problemas o bastante para resolver.

Se formos nos teletransportar para mais uma cidade praiana, mas bem lá para cima, chegando a Los Angeles, temos o ocaso de um combalido Kobe Bryant, estrela solitária num Lakers que luta contra os pesos pesados da Conferência Oeste da NBA. Enquanto aguentou, o astro conseguiu seus números, bateu seus recordes e tal, mas com uma ineficiência alarmante e, pior, perdendo uma atrás da outra.

Marcelinho tem o luxo, na Gávea, de ser escoltado por gente que pode muito bem, obrigado, assumir maior carga e responsabilidades. De estar perto da aposentadoria brigando por troféus, sendo ainda uma figura adorada por uma torcida tão apaixonada e apaixonante como a rubro-negra.

A não ser que surjam outras informações que contextualizem a ira do veterano, virar as costas para um cenário desses parece bem mais grave do que ignorar um pivô livre debaixo da cesta. Seria o arremesso mais errado que ele poderia arriscar.