Vinte Um

Tem Caboclo na D-League: hora de botar na prática

Giancarlo Giampietro

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Passada a euforia por conta daquela estreia inesquecível, deixando de lado um pouco a empolgação e carinho incrível demonstrados pelos torcedores do Toronto Raptors, é hora de avaliar como andam as coisas para Bruno Caboclo dentro de quadra. Hora de ver como anda seu progresso como jogador. Em meio a um trecho complicadíssimo de sua tabela, a franquia canadense achou por bem mandar o brasileiro para a D-League. Fez certo. Depois de tanto treinamento durante a pré-temporada – e foi muito treino, mesmo –, mas com parcos minutos em jogos oficiais, o jovem ala fez neste sábado sua estreia pelo Fort Wayne Mad Ants, em derrota para o Iowa Energy por 111 a 106.

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Marcou 13 pontos em 20 minutos, acertando cinco de seus 14 arremessos (1 de 5 nos tiros de três pontos). Além disso, cometeu cinco faltas e quatro turnovers e deu dois tocos. Avaliar os números isolados assim, porém, não serve para muita coisa, não. O mais prudente é assistir ao que se passou em quadra, e a liga de desenvolvimento da NBA neste ponto é nossa melhor camarada: todos os jogos do campeonato estão disponíveis na íntegra no YouTube (veja abaixo). Antes, porém, de ver o VT, precisa-se primeiro entender que tipo de competição ele está encarando.

Entre os 18 times da D-League, o Fort Wayne Mad Ants, nos confins de Indiana, é o único que não desfruta de uma parceria/sociedade/afiliação exclusiva com um clube da liga grande. O que significa ter convênio com outras 12 franquias: Hawks, Nets, Hornets, Bulls, Nuggets, Pacers, Clippers, ucks,  Timberwolves, Pelicans, Trail Blazers e Wizards. É muita coisa. É também um modelo bem diferente, por exemplo, daquele que Houston Rockets e Oklahoma City praticam, com filiados muito mais próximos. O Rockets tem no italiano Gianluca Pascucci seu vice-presidente no departamento de basquete e, ao mesmo tempo, o gerente geral do Rio Grande Valley Vipers. Chris Finch, assistente de Kevin McHale, já foi o treinador principal dessas víboras do vale do Rio Grande. A integração é muito maior por lá, assim como nas demais equipes.

No cenário quase perfeito que Bruno encontrou em Toronto – um time em ascensão dentro e fora de quadra, de bem com a torcida, e uma torcida fanática e ferverosa –, este é realmente o único senão, conforme um scout de um dos times da Conferência Oeste já havia me apontado. Se o Raptors tivesse um parceiro só seu, exerceria controle pleno sobre o modo como sua grande aposta  será aproveitada.

Em Des Moines, em sua estreia o caçulinha dividiu a quadra com Glen Rice Jr., do Washington Wizards. Os dois eram os únicos atletas enviados da NBA. Mas, durante a temporada, dependendo das circunstâncias, a conta pode ser muito maior. E aí a concorrência por minutos fica mais intensa, enquanto as oportunidades em quadra podem se reduzir na mesma proporção. O técnico do time, Conner Henry (51 anos, ex-jogador de NBA e longa carreira na Europa), ao menos se mostra disposto a aproveitar os reforços pontuais, vendo nisso uma oportunidade para dar um respiro a suas principais peças regulares.

Glen Rice Jr. é o companheiro de NBA de Caboclo no momento; em Iowa, anotou 10 pontos em 18 minutos, com 3-10 nos arremessos e 4-6 nos lances livres

Glen Rice Jr. é o companheiro de NBA de Caboclo no momento; em Iowa, anotou 10 pontos em 18 minutos, com 3-10 nos arremessos e 4-6 nos lances livres

De qualquer forma, é o que Toronto e Caboclo têm para hoje, e já vale como um ótimo teste. Se a D-League apresenta um nível de jogo consideravelmente inferior ao da Association, por outro lado também está a anos-luz de distância da liga de desenvolvimento nacional, a LDB, campeonato que ele efetivamente disputou na temporada passada pelo Pinheiros.

Além de Rice Jr., alguns nomes de destaque do Mad Ants são veteranos como os alas Danthay Jones (aquele mesmo, ex-Denver, Utah, Memphis e tantos outros), Andre Emmet, draftado por Memphis em 2005 e que rodou o mundo, passando pelo Nets também, e Chris Porter, de 36 anos e que jogou pelo Golden State lá nos idos de 2000 e também já conheceu diversas praças. Do outro lado, o imortal Damien Wilkins foi o cestinha, com 29 pontos. O campeonato vai reunir esse tipo de andarilho e jovens atletas badalados no basquete universitário em busca de afirmação como profissionais, como o ala CJ Fair, revelado por Syracuse, e o armador Kalin Lucas, Michigan State.

Essa combinação pode resultar em jogos excessivamente individualistas, com os jogadores tentando mostrar serviço de qualquer jeito em busca de uma promoção. Caboclo, sendo um atleta de NBA, com contrato garantido, vai certamente se tornar um alvo dos concorrentes (internos e externos). Vocês se lembram da surpresa que foi sua escolha pelo Raptors na 20ª posição do Draft. Obviamente diversos prospectos americanos se sentiram ''injustiçados'' por isso. Aquele tipo de raciocínio asqueroso: ''Quem é esse fedelho brasileiro de que nunca ouvimos falar, roubando nosso emprego?''

Outros pontos para serem levados em conta: o brasileiro está enferrujado. Por mais que tenha praticamente morado dentro do Air Canada Center, varando a noite em quadra – aliás, chegou um momento em que os dirigentes se viram obrigados a proibir o garoto de ir para o ginásio para uma sessão extra de treinos, sozinho, por conta própria. Só foi liberado depois num acordo: ao menos teria de ser acompanhado por um integrante da comissão técnica.

Mas tem aquela frase famosa: treino é treino. Jogo? Outra história. Mesmo se estivesse em plena atividade, não dá para esquecer que o atleta ainda é um produto em fase (inicial) de refinamento. Um produto longe de estar acabado. Na D-League, ele vai ganhar minutos para mostrar o que aprendeu, e, ao mesmo tempo, testar suas novas ferramentas – movimentos trabalhados no dia-a-dia com os técnicos do Raptors.

Nos poucos minutos que vimos de Bruno na liga principal, contando aí a pré-temporada, deu para notar o quão cru ainda é o seu jogo no ataque. É por isso que Dwane Casey vai mandá-lo para a zona morta. Não apenas para espaçar a quadra, mas também pelo fato de que ainda não pode confiar em envolver o garoto em tramas mais complexas. Seu arremesso de longa distância, segundo consta, está rendendo muito bem nos treinamentos. Sua capacidade atlética também não se discute – ele pode pontuar em rebarbas ofensivas sem problema. Mas tudo aquilo que está no meio do caminho, o jogo de média distância que DeMar DeRozan faz tão bem, praticamente inexistia até a chegada a Toronto.

Contra o Bucks, a estreia especial. Agora, sem burburinho da torcida, hora de praticar

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A oportunidade de expandir e praticar contra profissionais, então, é essencial. E outra: num ambiente completamente diferente, com ginásio e público mais acanhados – eram 4.091 espectadores na Wells Fargo Arena nesta sexta-feira. Mais importante ainda talvez seja a ausência do frenesi dos torcedores do Raptors ao seu redor. Isso é importante para deixá-lo relaxado e concentrado apenas no que tem para fazer em quadra.

Contra o Iowa Energy, filial do Memphis Grizzlies, Bruno foi para o jogo no final do primeiro quarto, para marcar o experimentado herdeiro da família Wilkins, de 34 anos e mais de 10 mil minutos em sua carreira de NBA, único titular do time adversário em ação. Com sua envergadura assustadora e movimentação lateral atenta, fez um bom papel e não permitiu que o ala ex-Sonics efetuasse sequer um arremesso.

A primeira tentativa de cesta do brasileiro foi bem sucedida. Com um minuto de jogo no segundo quarto, ele recebeu um passe do canadense Myck Kabongo na ala esquerda, encarou o armador Diante Garrett (ex-Suns, Jazz) e o deixou para trás com facilidade para bater pelo fundo e fazer a bandeja após dois esticados dribles – o tipo de ação que os técnicos do Raptors vêm insistindo com ele. Seu time vencia por 34 a 30, então.

Duas posses depois, ele se viu diante do pivô Josh Warren, e, confiante, também partiu para a cesta, dessa vez cortando pelo meio. Chegou ao aro com a maior tranquilidade.  Ainda que o adversário fosse muito mais pesado, facilitando sua arrancada, foi interessante notar a inteligência do ala ao identificar o buraco no centro da quadra e e atacar por ali. Na NBA isso dificilmente vai acontecer, mas cada um aproveita o que tem ao seu dispor no calor do jogo:

Instantes depois, bem confortável em quadra, ele forçou um arremesso de média distância, desequilibrado, na cabeça do garrafão, ao se chocar com a linha defensiva. O Mad Ants, porém, manteve a bola com mais um rebote ofensivo. Caboclo foi, então, acionado na zona morta, partindo para uma tentativa de enterrada daquelas. Acabou sofrendo falta do pivô Pierre Henderson-Niles. Vejam:

Nem tudo foi perfeito, obviamente, como suas estatísticas lá em cima mostram. Empolgado, acabou errando de modo feio um chute da zona morta, por exemplo, num tipo de movimentação ofensiva em que vai ser aproveitado de modo mais realista quando com a camisa do Raptors:

Por outro lado, e este chute aqui, a partir do drible?

Aqui, vemos como lhe ainda falta força para aguentar o contato depois de uma combinação de pick and roll com Kabongo. O passe do canadense poderia ter sido mais rápido e baixo (o arco elevado dá mais tempo de o defensor se recuperar na cobertura de garrafão), mas o ala também não percebeu isso. Ao receber a bola, poderia ter estacionado e buscado outra solução:

Na defesa, o ala alternou momentos de posicionamento avoado, se afastando muito de seu homem para fazer a ajuda. No quarto período, acabou se atrapalhando todo ao cometer nada menos que quatro faltas em 45 segundos. Sim, isso mesmo, uma sequência inacreditável: a segunda pessoal com 11min43s (tentando bloquear Wilkins, embora o contato não seja claro); a terceira com 11min30s, depois de um péssimo passe em sua direção, tentando recuperar a bola; a quarta com 11min22s, já evidentemente frustrado, empurrando Wilkins no centro da defesa, sem necessidade; e a quinta com 11min15s, novamente em cima de Wilkins, caindo na finta do veterano. Mas houve momentos em que conseguiu incomodar bastante devido a sua envergadura. Nesta posse de bola, ele em duas ocasiões intimida o ala-armador Chris Allen, forçando um estouro de cronômetro:

Quando retornou no quarto final, devido ao excesso de faltas e turnovers, acabou sacado em menos de quatro minutos. O Iowa vencia, então, por quatro pontos (90 a 86), segundo que a recuperação havia acontecido na terceira parcial. Voltou a ser chamado pelo treinador com 2min50s para o fim, quando o placar era de 103 a 95 para os anfitriões. E aí teve uma ótima sequência entre 1min33s e 1min11s, quando deu um toco no pivô Jerrid Famous, perdeu um tiro de três, mas pegou dois rebote ofensivos em sequência e converteu um chute de curta distância para fazer o Mad Ants encostar (103 a 102). Com 15s no relógio, contudo, errou um passe em reposição lateral, que resultou em recuperação de Diante Garrett e um contra-ataque para bandeja (109 a 104). Um turnover crucial:

O nome da liga já diz tudo: é para o desenvolvimento. Conforme o esperado, o garoto mostrou que há muito o que se ajustar, o que treinar, como podemos notar por sua participação acidentada no quarto final. Por outro lado, também apresentou muitas coisas boas. Jogou todo o segundo período, sem timidez alguma em quadra. Teve volume de jogo e coragem para assumi-lo. Além disso, seu time lucrou, venceu quando esteve em quadra, terminando o primeiro tempo com sete pontos de vantagem (58 a 51). Sério e competitivo, Bruno muito provavelmente não se perdoa  pela falha na reposição de bola. Mas é esse tipo de situação que vai fazê-lo crescer, muito mais do que ficar no final do banco de reservas apenas ouvindo os gritos entusiasmados de seus fãs em Toronto.