Vinte Um

Desfalques, improvisos, Scola… qual Argentina encara o Brasil?

Giancarlo Giampietro

Eles

Eles

Muita coisa pode mudar e campeonato para campeonato. Manu Ginóbili joga um, perde o outro. Carlos Delfino aparece para suprir sua ausência, dependendo da fase e da motivação. Andrés Nocioni andou um tempão afastado, mas agora está batendo cartão. Fabricio Oberto se foi há tempos, Walter Herrmann regressou. Enfim, um fluxo constante. Tudo passa, menos Luis Scola.

O argentino fez alguns jogos bem fracos pelo Indiana Pacers este ano, dando a impressão de que seus dias de matador talvez estivessem chegando ao fim. Mas nada como uma temporada com sua seleção nacional para se reenergizar. E cá está o pivô, já histórico, liderando a tabela de cestinhas do Mundial, se levarmos em conta só os que ainda estão em competição. Ele e sua seleção prontos para desafiar novamente os brasileiros, com nova configuração ao seu redor.

E aqui chegamos a um ponto muito relevante sobre a versão 2014 da Argentina. Quando falamos em desfalques, pensamos rapidamente nos nomes – Ginóbili e Delfino. A ausência da dupla é muito sentida do ponto de vista atlético, mas também abala seu poder de imprevisibilidade. Nenhuma novidade nisso. Mas pouco se fala sobre as consequências dessas baixas em relação o papel de quem se apresentou e sobre qual seria a melhor forma de combiná-los. Enfim, o impacto na rotação.

Para quem gosta de numerar os atletas de 1 a 5 em quadra, fica o convite para se enquadrar os argentinos. Dos oito atletas que vêm sendo mais utilizados, teríamos algo como três da posição 1 (Prigioni, Campazzo e Laprovíttola), um da 3 (Mata) e quatro que seriam 4 (Scola, Nocioni, Herrmann e Leo Gutiérrez). Que tal? Faz sentido? Obviamente que não, e por isso que é sempre preciso muito cuidado na hora de rotular jogadores de basquete. Dependendo da dinâmica de cada time, tudo é muito volátil. Vejam Oberto tentando matar a charada: “Estão jogando com posições trocadas. Um quatro, Scola, que joga de cinco. Um mix de três com Chapu e Walter. Um mix de 1, com Campazzo e Prigioni. Em vez de ter uma posição forte, cada um ajuda o outro'', disse (segundo declarações coletadas pelo site BásquetPlus.com).

Nocioni não vem fazendo o melhor Mundial possível, um tanto sacrificado pelas combinações diferentes do elenco agentino. Mas ainda é um leão na defesa e nos rebotes, para quem nunca vai faltar confiança. Sem contar a catimba, claro

Nocioni não vem fazendo o melhor Mundial possível, um tanto sacrificado pelas combinações diferentes do elenco agentino. Mas ainda é um leão na defesa e nos rebotes, para quem nunca vai faltar confiança. Sem contar a catimba, claro

Antes que alguém pegue carona com o ex-pivô do Spurs sobre Nocioni ser um 3 e tal, tal, tal, saibam que, na real, nos últimos dois anos ele jogou como o ala-pivô/4/PF (se quiserem muito, escolham…) pelo Baskonia. Com liberdade para atacar de todos os cantos da quadra, mas quase que defendendo grandalhões na defesa. Com sua força física, determinação e inteligência, não foi problema. A ponto de ser contratado pelo Real Madrid. Para Herrmann, ainda mais lento, vale o mesmo. Se Lamas fosse, então, encarar seu elenco de modo estratificado, teria sérios problemas. Muita gente boa não ia nem poder entrar em quadra.

Mas sua abordagem não foi convencional. Sem Manu ou Cabeza, poderia term simplesmente promovido o ala Selem Safar para o quinteto titular. Agora, mesmo que ele tenha feito grande partida contra Porto Rico na estreia, parece não ter a confiança do treinador para jogos mais duros. O que ele fez? Puxou uma dupla armação da cartola, até para ganhar mais velocidade e arrojo a partir do drible.  “Essa de trocar posições acho que saiu da melhor maneira possível. Não creio que Júlio goste de jogar desta forma, com a dupla armação, porque nunca jogamos assim. Mas não há ouros criadores de jogo que não sejam os armadores. Não há outras alternativas”, afirma Pepe Sánchez, justamente o condutor do time campeão olímpico em 2004 e hoje um excepcional analista.

Essas ''posições trocadas'' também foram adotadas, forçosamente ou não, na linha de frente, para acompanhar Scola. Aqui acontece o mesmo: Lamas não parece disposto a confiar minutos significativos a seus atletas mais jovens. Marcos Delia recebeu apenas 7,8 minutos em quatro partidas (ficando fora de uma, inclusive). Matías Bortolín (muito promissor) e Gallizzi só entraram nos minutos finais de uma lavada para cima de Senegal. Em seu conservadorismo, o treinador priorizou os veteranos a todo custo. Agora, isso não impediu que quebrasse alguns padrões a partir daí.

Delía seria o único 5 do time (por favor, só não se refiram a ele como um ''cincão'', uma vez que ele faz tanta sombra em quadra como uma caneta esferográfica). Talvez ganhe mais tempo de quadra contra o Brasil, especialmente no primeiro período, para tentar frear um pouco o jogo interno brasileiro. No decorrer da partida, porém, espere por muitas rotações com Scola, Herrmann e Nocioni juntos. Três alas-pivôs atacando e combatendo em conjunto, talvez fazendo mais uso de marcação bem recuada, em zona, para fechar o garrafão. ''Delía pode dar minutos de oxigenação para a equipe, mas a realidade é que precisam fazer com que joguem Chapu e Luis todo o tempo que puderem, e viver ou morrer com isso'', diz Sánchez.

É um caminho que Lamas se vê obrigado a seguir, por dois motivos. Ninguém parece ter dado conta da falta de Juan Gutiérrez. Claro que ele não está no nível técnico de muitos dos nomes aqui já citados. Mas é alto, rodado e encarou bem os pivôs brasileiros em Londres 2012.  Sem esse tipo de cobertura defensiva, teve de se virar. O segundo ponto: não deixar que Scola fique por muitos minutos num combate mano-a-mano com gente que é mais alta e muito mais atlética. Daí viria um risco inadmissível: um acúmulo de faltas para o craque – tal como aconteceu no choque com Andray Blatche e as Filipinas – seria provavelmente mortal para suas pretensões contra o Brasil. Se no último clássico, nas Olimpíadas, o treinador conseguiu resguardar o pivô, que recebeu ''apenas'' 29 minutos, isso aconteceu só por ter Ginóbili e Delfino também ao seu dispor. Isto é, tinha outras fontes produtivas de onde tirar pontos. No Mundial de 2010, porém, só lhe deu um minutinho de descanso. Esperem um manejo parecido neste domingo.

Pepe Sánchez pede: quanto mais Chapu e Luis, melhor

Pepe Sánchez pede: quanto mais Chapu e Luis, melhor

A despeito dos improvisos constatados, os veteranos acreditam que a Argentina já desenvolveu um bom conjunto na primeira fase da Copa para poder encarar – e derrubar o Brasil, até por notarem algumas falhas no próprio adversário. Sánchez recorre ao amistoso que disputaram no mês passado, em Buenos Aires. ''A partida em Tecnopolis ficou na retina. O Brasil não sabe lidar com isso. Nestes anos todos, o time não mostra uma conexão entre o jogo interior e o perímetro. Ou é perimetral, ou é interior. Quiçá Marquinhos agora esteja fazendo um pouco isso, mas nós temos Chapu, Leo, Walter, que são jogadores que fazem essa conexão. Nós conseguimos complicá-los muitos quando nos fechamos e oferecemos o tiro externo, cortando-lhes o pick-and-roll e os obrigando a arremessar'', afirmou o ex-armador.

Confiante, não? Mas não se pode tomar seu comentário como soberba. Fato é que essa (des)conexão destacada por Sánchez é o que vem sendo pedido por aqui desde os mesmos amistosos. Ele só usa um termo diferente. A ''conexão'' seria produto (ou mesmo a causa) de um ataque mais fluído, com mais movimentação dos laterais e dos próprios pivôs, algo que vem faltando ao time de Magnano nas situações de meia quadra.

Além do mais, o próprio Sánchez parece depositar muito mais fichas no aspecto emocional do confronto deste domingo do que nos aspectos táticos, ainda que não veja ainda a seleção brasileira com uma ''consistência europeia'' – mesmo que o adversário não jogue mais de modo acelerado. É aquela coisa: nem sempre a cadência significa coordenação.  ''Tivemos dificuldades contra os europeus (na primeira fase). Em um cruzamento com o Brasil, há coisas diferentes. É um clássico, que se joga de outra maneira, e isso pode nos ajudar. O que melhor mostramos até agora foi o coração, a energia, a entrega, e isso pode pesar contra o Brasil. Contra os europeus, pesa menos, porque têm um plano tático que seguem à risca. A consistência da outra equipe executando está custando muito para nós. Se pudermos envolver o Brasil num jogo mais quente, sanguíneo… Anos atrás teria sido o contrário, mas hoje temos de maximizar nossas possibilidades. Estamos no limite.''

Herrmann, futuro flamenguista, muito forte próximo ao aro. Talvez as mais largas mãos da Copa

Herrmann, futuro flamenguista, muito forte próximo ao aro. Talvez as mais largas mãos da Copa

Pensando neste limite, é muito provável que a equipe vá até onde Scola puder levá-la. Quanto menor a frequência de Ginóbili em torneios com El Alma, como os hermanos tratam o time internamente, mais natural foi o crescimento da liderança do camisa 4. Hoje, seu pulso firme já interfere em questões muito além das quadras, como pudemos ver durante a crise política aberta antes do início da preparação – foi a voz mais assertiva entre os jogadores. Além disso, há diversos relatos sobre o modo cuidadoso como trata as revelações do país. De grandes gestos como levar o espigão Marcos Delía em sua bagagem para um período de treinamentos em Indiana, pagando tudo, a pequenos mimos: durante este Mundial, deu uns quatro pares de tênis para Tayavek Gallizzi. Um grande personagem, que merece todo o respeito.

Sua influência no campo ofensivo é um problemaço para se resolver. Neste sazonal mundo Fiba, o cabeleira bota para quebrar tanto perto como longe da cesta. A variação é grande não só em suas fintas, mas nos pontos em que recebe a bola para atacar. Isso requer muito mais estudo e atenção a detalhes por parte de treinadores e jogadores. Você pode preparar um scout com diretrizes, mas nem sempre há uma solução clara, uma vez que este craque pode te ferir tanto com os arremessos de média para longa distância, como também pode por a bola no chão e partir para a cesta com leveza surpreendente para alguém tão forte e que pode parecer pesado à primeira vista (no caso da audiência brasileira, já é à quinta, à sexta vista, mas tudo bem).

Com três pivôs fortes, experientes e atléticos para marcá-lo, a defesa brasileira não deveria recorrer de primeira a marcação dupla. Se isso for acontecer, as rotações precisam estar afinadas para que seus arremessadores não sejam liberados. Neste Mundial, os argentinos têm cinco jogadores queimando a redinha nos chutes de longa distância: Scola (60%), Mata (58,3%), Herrmann (50%), Safar (46,2%), e Prigioni (43,8%). Os veteranos Nocioni e Leo Gutiérrez, por outro lado, não vêm tão bem no fundamento, respectivamente com 27,3% e 32%, assim como Campazzo (27,8%), mas melhor nem pagar para ver.

Outra questão que requer atenção decorre dos ataques em que Scola vai flutuar na cabeça do garrafão. A ideia inicial tende a ser uma jogada em dupla com o armador da vez. Com Campazzo e Laprovíttola, Julio Lamas não verá problema em forçar a troca e fazer seu baixinho atacar um grandalhão (por sorte, os três pivôs da NBA são excelentes nesse tipo de situação de aparente desequilíbrio). De todo modo, o ideal seria que cada atleta seguisse grudado ao seu oponente, impedindo o mismatch, para que Scola também não tenha um instante de liberdade para receber o passe de volta e subir para o arremesso. Uma terceira via que os argentinos podem buscar a partir daí é o corte pelo fundo de um Nocioni ou de um Herrmann em que eles assumem o poste baixo e a assistência em high-low para punir defensores mais baixos.

É a tal da conexão em que Pepe Sánchez aposta. O entrosamento que a Argentina acredita impor ao redor de seu pilar ofensivo, não importando as peças que tenha disponíveis. Caberá mais uma vez ao Brasil de Magnano tentar desmantelá-los..