Vinte Um

Raulzinho bagunça com Argentina e faz aposta de Magnano valer

Giancarlo Giampietro

Raulzinho, celebrado pelos veteranos, com justiça

Raulzinho, celebrado pelos veteranos, com justiça

Caçulinha quem? Vamos cortar quem?

Uma das principais figuras na já memorável vitória contra a Argentina foi o atleta mais jovem de uma seleção que já está na reta final de um ciclo, Raulzinho. Lembremos que a equipe convocada por Rubén Magnano a tem a média de idade mais velha do torneio: 31 anos. Abaixo dos 30, são apenas três atletas, com Tiago Splitter (29) e Rafael Hetsheimeir (28) chegando lá. O intervalo do segundo mais jovem para o caçula do time, de 22,  é de mais de meia década, uma eternidade no basquete. Neste domingo, porém, o armador reserva jogou como gente grande, como gente formada, justificando o grande voto de confiança que recebeu de seu treinador há algumas semanas.

Raulzinho primeiro ajudou a estabilizar a defesa, tanto na contenção das infiltrações de Facundo Campazzo, como na flutuação para tirar o espaço dos arremessadores argentinos. Depois, no segundo tempo, se aproveitando das diversas posses de bola extra proporcionadas por seus pivôs, se esbaldou no ataque para chegar a incríveis 21 pontos em apenas 24min20s.

''É muita felicidade pela vitória, mas acho que nosso objetivo é maior. A gente não veio para ganhar da Argentina. Vamos chegar ao mais alto possível e tem muito campeonato pela frente'', disse o jogador. ''Hoje é curtir e amanhã já pensar na Sérvia.''

Foi uma grata surpresa. Mas nem isso faz jus ao que o jogador executou em quadra, dada a tensão envolvida no confronto. Vejamos:

1) jogo de mata-mata? Sim.

2) numa Copa do Mundo? A-hã.

3) contra a Argentina, eterno capataz? Confere.

4) saindo do banco com seu time já em preocupante desvantagem? Até isso.

E o armador deu de ombros, com calma e assertividade impressionantes e determinantes para a virada brasileira. Foram dois passes para cesta apenas, mas o jogo pediu outro tipo de atuação do rapaz – a bola vindo de dentro para fora, a partir das dobras que os pivôs forçavam (Nenê, Varejão e Splitter somaram 11 das 16 assistências do time), e restava a ele matá-la. A Argentina abriu espaços, como sempre gosta de fazer com os ''baixinhos'' brasileiros. Dessa vez pagaram caro.  Com o filho do Raul em quadra, o Brasil venceu seu arquirrival por 25 pontos de diferença.

Raulzinho bagunçou com seus defensores, acertando de todos os cantos. Veja seu gráfico de arremessos (que a Fiba, aliás, poderia caprichar um pouco mais, né? Que tal cores diferentes?):

Dentro e fora: o caçula da seleção teve paciência para ler o que a defesa argentina oferecia e se esbaldou

Dentro e fora: o caçula da seleção caprichou na batalha naval

Se você fizer as contas entre ''bolinhas'' e ''tracinhos'' acima, temos 9 em 10 arremessos convertidos (na conta, entrariam ainda mais dois lances livres). O brasileiro teve paciência para ler o que a defesa argentina lhe oferecia e se esbaldou a partir daí. Reparem que foram cestas de curta, média e longa distância. E mais: mesmo sendo agressivo buscando a cesta, ele não cometeu sequer um desperdício de posse de bola em seus 24 minutos. Diante de uma produção dessas, não havia como Marcelinho Huertas voltar para quadra, mesmo (15 minutos para o titular, nenhum ponto e nenhuma assistência).

Ao olhar as estatísticas de seu atleta mais jovem e o gráfico de arremessos acima, Magnano deve sorrir confortavelmente, e com orgulho também. ''Raul estava preparado. Eu sabia que poderia contar com ele'', afirmou o técnico. ''Senti muita confiança no arremesso. Tive oportunidades, e fui capaz de aproveitá-las'', respondeu o jogador.

Há questão de semanas, quando definiu o grupo para a Copa do Mundo, o argentino foi bastante contestado por optar pelo corte de Rafael Luz. Considerava as críticas cabíveis, considerando o quão bem o outro jovem armador de sua pré-convocação se apresentou nos primeiros amistosos do time e também no Sul-Americano. Hoje, é normal que o sentimento seja de dar mão à palmatória. Obviamente que Rafael está justificando a decisão. A questão, para mim, é que a presença de um não teria de significar a exclusão do outro – ainda mais por Rafael ser bastante atlético e forte. Basta ver os minutos distribuídos pelo treinador até aqui, para se constatar. Mas essa é outra história.

Raulzinho lá dentro

Raulzinho lá dentro

As dúvidas em torno de Raul aumentaram justamente devido ao seu desempenho no torneio continental, na Venezuela. Ao lado de Luz, Hettsheimeir e Augusto Lima, era um dos atletas de que se esperava mais naquele torneio, e ele não foi muito bem. Marcou 10,2 pontos por jogo, acertou 50% dos tiros de dois pontos – a parte boa. Mas acertou apenas três em 19 arremessos de três pontos (15,8%), com mais turnovers do que assistências (12 x 11). Alguns de seus desperdícios de posse de bola aconteceram em momentos cruciais de jogos parelhos contra Argentina (final da fase de grupos) e Venezuela (semifinal). Duas derrotas. Na ocasião, o armador realmente se atrapalhou em investidas individuais, diante de oposição muito inferior ao que está habituado a enfrentar na sua precoce carreira.

Raulzinho jogou na elite brasileira, pelo Minas Tênis, de 2008 a 2011, como um adolescente. Em 2010, com 18 anos, foi convocado de modo surpreendente por Magnano para disputar seu primeiro Mundial (ficou atrás de Huertas e Nezinho na rotação). Depois, se transferiu para o fortíssimo espanhol, jogando sempre na Liga ACB, primeira divisão do país, e liga nacional mais competitiva da Europa, sendo uma figura importante do Gipuzkoa Basket, mas ainda não um protagonista do certame (médias de 7,9 pontos e 2,7 assistências na carreira).

De todo modo, são bons números para alguém tão jovem. O suficiente para reforçar sua imagem no radar da NBA e ser convidado para o Nike Hoop Summit, o adidas Eurocamp e outros eventos que reúnem a nata das revelações internacionais. Nesse processo, jogou com personalidade e conseguiu se destacar a ponto de ser draftado pelo Utah Jazz em 2013, como o 47º no geral. A franquia o tem em alta conta, mas preferiu apostar primeiro no badalado universitário Trey Burke, deixando o brasileiro com seu desenvolvimento na Europa, mesmo. Ele agora se transferiu para o Murcia, que tem bom retrospecto no trabalho com jovens, como Augusto Lima pode comprovar.

Embora não jogue a Euroliga, no Murcia ele ao menos pode continuar aproveitando um calendário reduzido de jogos para afinar suas habilidades e alargar um repertório que já pode surpreender grandes adversários.  Na temporada passada, sua maior contagem de pontos foi de 17, que marcou na penúltima rodada contra o poderoso Real Madrid. Na campanha 2012-13, conseguiu seu recorde pessoal justamente contra o outro peso pesado espanhol, o Barcelona, com 25 pontos.

Quer dizer, em jogos chamativos, ele entregou seu melhor.

Agora, fazer isso contra a Argentina? Não estava no script de muitos, não. Talvez nem do Magnano.

Mas quem vai contrariá-lo agora?

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O jogo contra o Egito parece ter dado um empurrãozinho na confiança de Raul. Contra o time mais fraco do Mundial, o armador havia acertado todos a suas sete tentativas de cesta, incluindo uma enterrada. Se considerarmos que ele errou apenas um em 10 chutes contra os argentinos, temos a seguinte marca: nos últimos dois embates, seu aproveitamento de quadra foi de 16/17 (94%).

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A melhor marca de pontos de Raulzinho pela seleção principal era de 15 pontos, contra a Venezuela, na semifinal do Sul-Americano.

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A exibição do armador foi notada pela audiência internacional:

Este é o ex-treinador e hoje analista da ESPN americana fazendo uma pegadinha com os torcedores do Utah Jazz. Dante Exum disse adeus ao Mundial com a Austrália, enquanto Raulzinho segue em frente. Hoje, o brasileiro é um jogador superior, mas não é justo comparar também: o australiano está apenas iniciando sua curva de aprendizado em basquete de alto nível. Meses atrás, estava batendo bola no colegial em seu país. Num futuro breve, devem ser companheiros de time.