Espanha domina Brasil, com Pau Gasol soberano e sem apito
Giancarlo Giampietro
Chega uma hora em que você apanha, apanha e apanha, que não adianta mais reclamar de qualquer apito amigo para o adversário. Apanha na bola, no caso. Sim, houve marcações bem duvidosas para o time… da casa. Mas se formos ver o número de faltas apitadas nesta segunda-feira, teremos 21 de jogadores espanhóis, contra 20 de brasileiros. Essa, ao meu ver, seria a principal forma de uma arbitragem influenciar um jogo, e os anfitriões foram mais penalizados em 40 minutos.
Como se fosse necessário recorrer a isso. Na terceira rodada desta Copa do Mundo de basquete, o Brasil conheceu sua primeira derrota, e de modo acachapante, perdendo por 82 a 63 para a Espanha.
Um placar dilatado, mas que não chega a ser absurdo. Os atuais vice-campeões olímpicos têm muito mais time, tecnicamente. Do 4 ao 15, vão vencer praticamente todos os embates individuais. E isso significa muito menos uma crítica aos homens em que Rubén Magnano confia para sua rotação do que um elogio ao que os caras têm para oferecer hoje. Quer dizer: hoje, não, mas há tempos.
Os mais velhos dessa seleção espanhola já ganharam um Mundial em 2006. Levaram também duas medalhas de prata nos últimos dois Jogos Olímpicos. Chegaram ao pódio nas últimas quatro edições do EuroBasket, ganhando duas delas. Vocês vão me desculpar se tudo isso parece muito redundante, mas talvez não custe relembrar esses feitos. Para sabermos bem, exatamente quem estava do outro lado.
Há mais dados para serem considerados. Como o simples fato de que o atual elenco espanhol tem mais rodagem, mais minutos de quadra em jogos de NBA do que o próprio Team USA. Se aceitarmos a liga norte-americana como a melhor do mundo, isso diz muito, não? Vamos notar que nessa seleção apenas o ala-pivô Felipe Reyes não tem um vínculo direto com o campeonato. De resto, todos jogam, jogaram ou vão jogar por lá – dependendo do interesse de Sergio Llull e Álex Abrines.
Enfim… Poderíamos ir longe aqui.
Mas basta ver um primeiro quarto de domínio completo por parte de Pau Gasol para entendermos que a superioridade nem precisa ser justificada em números e retrospecto. Depois de passar dois anos inteirinhos sendo mal-tratado e alienado por Mike D’Antoni em Los Angeles, o camisa 4 espanhol parece determinado a mostrar que é, sim, um dos melhores do mundo ainda – e que o Chicago Bulls pode tê-lo contratado a peso de banana.
O astro tirou do fundo do baú até mesmo um elemento que andava esquecido em seu arsenal: o chute de longe, acertando três em cinco tentativas. Segundo o estatístico Mr. Chip (não riam, o cara é sério e bom pacas), ele não matava três chutes de longa distância pela Espanha há 13 anos. A última vez havia sido em setembro de 2001, contra a Alemanha. Agora, o fato de ele não converter esses arremessos com frequência não quer dizer que ele não possa fazer um estrago dali. Ainda mais quando livre, leve e solto. O que não pode acontecer com um atleta tão decisivo: a Espanha venceu seus últimos 13 jogos com ele em quadra, por uma média de 22 pontos de diferença.
Os pivôs brasileiros são excelentes, mas foram oprimidos pelo craque e seu irmão(zinho?!) Marc. Tentaram combater enquanto foi possível, mas os hermanos catalães são mais altos, mais fortes e mais técnicos. De novo: isso não é um pecado brasileiro, mas, sim, virtudes espanholas. Temos ouvido durante os amistosos e toda a competição como o nosso garrafão seria o melhor do mundo. Esqueceram, convenientemente ou não, os Gasol (e de Ibaka e Reyes).
A Espanha levou a melhor nos rebotes (41 a 32) – em praticamente todos os fundamentos. Além disso, mais importante, protegeu sua cesta com muito mais propriedade, com uma defesa compacta, que forçou apenas seis desperdícios de posse de bola, mas soube se fechar. Se, no total de pontos no garrafão, tivemos um escore equilibrado (28 a 26 para os donos casa), em termos qualitativos o rendimento dos oponentes foi bem superior: 54% nas bolas de dois contra 43%. Limitar o jogo interno brasileiro é essencial, uma vez que a equipe de Magnano não oferece muito perigo nos tiros de fora (3/10 hoje, 31,7% no geral em três partidas).
Do outro lado, aliás, a defesa brasileira não conseguiu desestabilizar a armação espanhol do jeito que gosta. Não era fácil, mesmo: Ricky Rubio, Juan Carlos Calderón e os dois Sergios seriam titulares em grande parte da concorrência, se contratados naturalizados. Larry, Alex, Raulzinho e qualquer outro poderiam apertar o quanto quisessem, que o controle de bola desse quarteto não sofreria muito.
Enfim, num grande tabuleiro, é difícil encontrar uma área em que o Brasil tenha se imposto em quadra – ou, na verdade, em que pudesse se impor. A Espanha não tem muitos pontos fracos a serem explorados. Do ponto de vista individual, sempre que Navarro e Calderón estivessem em quadra, deveriam ser atacados se modo incessante por Leandrinho, ou Marquinhos, por exemplo. Esse jogo de gato-e-rato, porém, foi pouco praticado. Desde o início de jogo, o ataque brasileiro partiu para o confronto interno, mas em bolas previsíveis, diretas, em ações de mano-a-mano, nas quais os Gasol sobraram. Juntos, Nenê, Splitter e Varejão somaram 23 pontos. Pau Gasol, só ele, terminou com 26. Ibaka e Big Marc combinaram para 13 pontos. A partir do momento em que os titulares se estabeleceram, as dobras começaram a vir, e a turma do perímetro aproveitou (8/19, 42%, descontados os disparos do camisa 4).
Diante de um cenário desses, ao menos valeu ouvir um ponderado Varejão em entrevista ao SporTV ainda em quadra. Falando muito mais em erros próprios, que precisam ser estudados e repassados em vídeo, pensando, quem sabe, num eventual reencontro mais adiante, se ele chegar. Sem importar o apito, tentando encontrar um modo de parar Pau Gasol e um timaço.