Rajon Rondo: após o fiasco em Dallas, as dúvidas continuam
Giancarlo Giampietro
As mesmas perguntas que o torcedor do Chicago Bulls fazia com Derrick Rose, a galera em Dallas poderia estar muito bem repetindo a respeito de Rajon Rondo durante a segunda metade da temporada. Claro que sem a mesma intensidade, pois o armador havia acabado de chegar. No período pós-cirúrgico, quem estava ao lado dele era o fã do Boston Celtics, na verdade.
De qualquer forma, o Mavericks apostou alto em sua contratação em dezembro. Mark Cuban acreditava que Rondo viria para levar o seu clube a um outro patamar. Lembrem-se: estamos falando de um momento no qual tudo parecia estar em aberto na fortíssima Conferência Oeste. Uma fase na qual os cartolas acreditavam que uma cartada poderia levá-los ao topo, ao mesmo tempo em que os braços cruzados poderiam resultar numa queda vertiginosa, uma vez que estavam o burburinho era grande nos bastidores. Todos querendo se reforçar.
Enquanto Chicago curte aquilo que parece até mesmo um sonho com Rose – isso, claro, se o Milwaukee Bucks não estragar tudo –, o dono do Dallas quebrou a cara. Com a série contra o Houston Rockets em andamento, Rondo está fora do baralho, num desfecho deprimente para uma transação antes pautada pela euforia. Segundo as palavras do próprio técnico Rick Carlisle, o jogador muito provavelmente não vestirá a camisa do time. “É pouco provável, para ser honesto, e acho que é importante falar a verdade nessas situações”, disse. Ouch.
Foi uma decisão realmente dura e um tanto suspeita. A franquia, oficialmente, afirmou, após as duas derrotas fora de casa, que uma contusão nas costas afastaria o jogador do restante do duelo com o Rockets. Sem dar maiores informações a respeito de qual lesão era essa. Outra: o time perdia apenas por 2 a 0, tinha plenas condições de reverter o resultado. A questão médica era tão grave assim a ponto de, mesmo com uma eventual virada contra Houston, ele ser descartado para o restante dos playoffs? “Entendo que esse anúncio… Vai ter diferentes interpretações. Estou dando nossa interpretação, e isso é um fato”, afirmou o próprio Carlisle.
Os próprios (ex-?) companheiros de Rondo estão surpresos. Tyson Chandler sorriu ao falar a respeito. “Acontece”, deu de ombros. Dirk Nowitzki disse que “coisas muito estranhas” aconteceram com a sua equipe na última semana: “Não sei se alguma coisa aconteceu com suas costas. Não falei com ele”. Os dois veteranos sabem, no fundo, que não adianta fazer rodeio. Se há alguma problema com o armador, não é nas costas. Está mais para a cabeça ou o coração.
Um lance em específico entrega tudo. Com menos de cinco minutos de jogo – o relógio mostrava exatos 7min33s ainda restantes no primeiro quarto –, Rondo falhou em cruzar a linha central em oito segundos. Turnover. Daqueles mais chocantes, mesmo. E não era que o armador estar curvado em quadra, mancando, ou que tivesse caído contorcido no chão. Simplesmente, ou supostamente, não estava prestando a atenção no cronômetro de posse de bola. Talvez não tivesse mais a mínima vontade de organizar mais um ataque ditado por seu técnico. Depois, falhou em voltar para a defesa e permitiu um arremesso livrinho de Jason Terry. Com 6min54s, foi substituído por José Juan Barea. Rondo ainda voltaria no segundo tempo, mas cometeria duas faltas seguidas em James Harden, totalmente destemperado. Foi substituído novamente e se isolou do banco de reservas. Fora de controle.
Carlisle é um dos raros casos de sua profissão, em atividade na liga, que pode se orgulhar de colocar uma estrelinha de “campeão” no currículo. Já fez a carreira de diversos atletas e tem a fama justa de tirar deles o máximo que dá. Mas, ao que parece, as coisas precisam correr nos seus termos. Ele dita as ordens, o jogador obedece. Uma figura controladora.
Com Rondo, não seria tão singela assim a relação. Doc Rivers, mesmo, sabe o quão cabeça dura e desafiador seu antigo, hã, pupilo pode ser. Os dois bateram de frente em diversos momentos em Boston. De qualquer forma, até por ter trabalhado com o jovem recém-saído da Universidade de Kentucky, ainda pouco badalado, a relação teve uma dinâmica diferente. Ele viu o rapaz crescer. Por outro lado, o mesmo rapaz tinha muito com o que aprender com um antigo All-Star de sua posição.
Além disso, para a temporada 2008-2009, o vestiário do Celtics deu uma boa encorpada, com Kevin Garnett, Ray Allen, PJ Brown e Sam Cassell chegando para ajudar Paul Pierce na condução das coisas. Isso para não falar de Kendrick Perkins, um dos melhores amigos do armador – e que tem uma voz asssertiva para dissipar qualquer polêmica.
Em Dallas, o elenco também estava tomado por veteranos e uma referência insuspeita como Nowitzki. Um dos melhores jogadores de todos os tempos, feliz da vida pela chegada de uma segunda estrela ao time, justamente um cara que, segundo imaginava, facilitaria ainda mais seus arremessos, devido à visão de quadra. Rondo chegaria para assumir a mesma função de Jason Kidd no título de 2011, reforçando a dupla armação por que Carlisle tanto preza. Poderia acertar também a defesa. Era o que se supunha.
Aqui vale, então, relembrar o embate em torno da contratação, porém. Vocês se recordam, né?
O craque alemão estava exultante, assim como Mark Cuban e Donnie Nelson, que bateram o martelo. Em um primeiro momento, o pacote entregue a Boston nem parecia muita coisa, se comparado ao astro que estavam adquirindo. OK, uma escolha de primeira rodada é muito valiosa – se o time decolassee, contudo, sua relevância ao menos seria parcialmente amortizada. E, por mais que Brandan Wright e Jae Crowder fizessem coisas interessantes, as lacunas poderiam ser repostas internamente ou com mais uma transação pontual. Não havia como não fazer a troca.
Agora, a turma que observa a liga mais pelo escopo dos números não estava tão convencida a respeito, e as dúvidas tinham muito mais a ver sobre um declínio evidente de Rondo do que pelo desempenho eficentíssimo de Wright. Diversas medições estatísticas apontavam que a produção do armador já não condizia com sua fama. Pior: o sinal de alerta ficava ainda mais chamativo quando se notava que os pontos fracos (arremesso ainda bem abaixo da média, a aversão aos lances livres e o drible muitas vezes insistente, em detrimento da movimentação de bola) em seu jogo tinham tudo para tirar dos trilhos a locomotiva ofensiva do Mavs, de muitos passes e chute.
Em resposta a essas observações realmente pertinentes, os favoráveis ao negócio levantavam outra questão: será que essa queda de rendimento não estava ligada ao puro desânimo por fazer parte de um time em reconstrução? Que, se voltasse para uma equipe de ponta, passaria a se dedicar mais em quadra, recuperando especialmente seu poderio defensivo? Só não poderiam acreditar que a cirurgia pela qual passou em fevereiro de 2013, para reparar um ligamento cruzado anterior, havia causado danos mais sérios ao seu jogo.
Quatro meses depois da transação, parece que a turma das contas ganhou a luta. E não foi por pontos, com o perdão do trocadilho.
O Mavs tinha o melhor ataque da NBA antes da troca. No dia 19 de dezembro, véspera da estreia de Rondo, sustentava média de 113,6 pontos por 100 posses de bola – número que, na eventualidade de um desastre natural e o fim da liga, deixaria o time texano com o maior índice ofensivo da história da liga. A defesa, sim, era apenas a 20ª e precisava de mais cuidados, levando 105,1 pontos. A partir daí? Despencaram na classificação. Com Rondo, a equipe foi apenas o 12º melhor ataque, com 104,1 pontos. Na retaguarda, melhoraram um pouco, mas nada que compensasse: sofrendo 103,0 pontos, ocupariam o 17º lugar na lista. Em vez de equilíbrio entre um setor e outro, o que aconteceu foi a perda de uma identidade.
Com Rondo em quadra, o Dallas marcava 103,4 pontos por 100 posses. Sem ele, 112,2. Na defesa, os adversários fizeram 2,3 pontos a mais por 100 posses quando o armador estava no banco. No final, o prejuízo era de 6,5 pontos com o suposto “reforço”. Quer dizer: mesmo se não tivesse entrado em uma desavença com Carlisle, talvez a extensão de seu contrato já não fosse justificada. A não ser que Cuban não quisesse dar o braço a torcer. Não é o caso.
“Aqui todo mundo assume a culpa. Estamos numa franquia em que todo mundo reconhece sua parte. O que eu adoro sobre Mark Cuban é que ele é o exemplo definitivo para isso. Quando cometeu erros no passado, ele vem a público e os admite. Todos estão sujeitos a cometer erros, e você aprende com eles. Essa troca era um risco que valhia correr, e todos concordamos com isso. Agora estamos num ponto em que é hora de seguir em frente com o que temos”, disse o técnico.
O que ele tem agora?
No Jogo 2 em Houston, Devin Harris estava afastado, por conta de uma contusão no pé. Coube, então, ao fogoso Barea, em ótima fase, fazer um trio de baixinhos com Monta Ellis e Raymond Felton, egresso do ostracismo, com média de 1,5 ponto e 9,3 minutos em apenas 29 partidas durante a temporada. Rondo passou os últimos minutos no banco, mesmo com o jogo ainda em aberto – ou melhor, fora do banco, sentado em quadra longe de seus companheiros, diante da linha de base.
O armador saiu do ginásio sem se pronunciar e até agora não deu sua versão final dos fatos. Agora, vai entrar no mercado de agentes livres. Com a reputação, acredita-se, consideravelmente abalada. Sua salvação pode ser a surpreendente amizade e os flertes com Kobe Bryant.
A diretoria do Lakers vai ter espaço na folha salarial para investir e, ultimamente, não anda tomando as decisões mais sensatas. Se o astro pressionar pela contratação de seu, hã, camarada, Jim Buss e Mitch Kupchak vão topar? Vão oferecer um salário máximo, ou terão ao menos o bom senso de barganhar o preço?
Independentemente do salário pago, contudo, a consequência já é sabida: o torcedor angelino, aturdido por duas campanhas ridículas, herdaria toda as dúvidas de seus arquirrivais de Boston sobre o que se passa com Rondo.
Quem sabe Rondo só precise de um time em que esteja feliz? Que lhe dê autonomia em quadra? Talvez seja o cara para quem Kobe possa deferir? Será que…