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O mundo lá do alto: uma entrevista surreal com Gheorghe Muresan
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Giancarlo Giampietro

Gheorghe Muresan

Na literatura do basquete, há toda uma antologia dedicada aos pivôs, os grandalhões, os homens altos, the big men. Sobre como eles enxergam o mundo de modo diferente de nós de 1,80 m  (ou menos, ou um pouquinho mais… bem-vindo ao clube!). Tudo é realmente uma questão de ponto de vista. Afinal, eles veem de cima. Tudo para eles é, de alguma forma, pequeno. Talvez pequeno e simpático. Talvez pequeno, simpático e curioso.

Foi justamente essa a sensação que tive quando Gheorghe Muresan, lá do alto de seus 2,31 m de estatura – um recorde na NBA, batendo Manute Bol por milímetros – abaixou a cabeça para me olhar. Na verdade, para me observar. Quase como se fosse um guerreiro da Terra Média olhando para um pimpolho de um hobbit. Dava para notar, no fundo, fundo, que Muresan me encarava com admiração. “Que homenzinho mais engraçado”, devia pensar em romeno. Sairia algo mais ou menos assim, segundo o Tradutor do Google: “Ce un om amuzant mic”.

Eu queria ter tirado uma foto ali, mesmo, para flagrar sua expressão, e apresentá-la aqui como prova. Mas vocês acreditam quando escrevo, né? Pois bem, Muresan, o ex-pivô do Washington Bullets – que teve uma passagem meteórica pela capital americana, numa carreira que se iniciou promissora, mas foi abreviada por lesões – estava olhando para baixo, enquanto eu tinha o pescoço flexionado no mesmo ângulo exigido para avistar o cume do Empire State.

O que Muresan estaria enxergando dali de cima?

O que Muresan estaria enxergando dali de cima?

O que se seguiu a partir daí foram precisamente 3min56s de uma conversa muito maluca. A entrevista mais nonsense que me lembro de ter feito – e olha que nesse universo de possibilidades, constam coletivas com Paulo Maluf se defendendo das acusações de sempre e conversas com jogadores sub-17 da Costa do Marfim.

Como um gigante, com sua perspectiva única de mundo, o dócil Muresan atendeu ao VinteUm na beira de uma das quadras do camp Basketball without Borders, em Nova York. Ele havia dado as caras por lá para bater um papo com alguns garotos convocados pela NBA. Coincidentemente, só passou pela estação de treino em que estavam os pivôs. Estava de saída quando foi interceptado por um repórter que vive num país muito bonito. Vejam no que deu:

21: Você ainda está envolvido com atividades de basquete? Quando está em quadra, como hoje, vendo a garotada bater bola, sente saudade da época em que jogava?
Sim, tenho trabalhado com um monte de garotos na região de Washington, e também feito alguns trabalhos para o Washington Wizards, meu ex-time. Sou um embaixador do clube na comunidade da capital. Ah, tem tantas coisas com as quais posso me envolver agora… Bem diferente daquela época em que eu só me concentrava no meu time, no que tinha de fazer em quadra.

Billy Crystal tem 1,70 m

Billy Crystal tem 1,70 m. Ele contracenou com e dirigiu Muresan no filme Meu Gigante Favorito, de 1998

Como o cinema, não?
(Risos) Sim, como o cinema. Foi algo bem divertido. Mas já não faço mais… Antes de tudo, queria dizer que você vem de um país muito bonito. Muito bonito, mesmo, com pessoas boas.

Já foi para lá, então?
Para onde?

O Brasil. Já visitou meu país?
Não… (E de repente solta…) Não ! Fui, sim. Desculpe, claro que fui. Fui para Anápolis (em Goiás), alguns anos atrás. Mas fiquei doente lá, acredita? Tive de ir para a emergência do hospital, inclusive.

Não!?
Estou falando sério.

Mas o que houve? E o que você estava fazendo lá?
Aí passei mal e fui para o hospital. Tive uma cirurgia lá.

Cirurgia?!
Não me lembro de muita coisa, mas passei por uma cirurgia para tirar o “XXXX” e ficou tudo bem.

(Nota: o XXXX não é falha de edição, não. É que, sinceramente, não consegui entender de modo algum o que Muresan falou. Antes de me chamarem de filho do dicionário, saibam que fui até o Consultor Oficial para Assuntos de Língua Inglesa e Sotaques Matreiros do blog e não obtive sucesso, levando esse consultor a um colapso nervoso; depois, me dirigi ao assessor da NBA responsável pela condução do camp, e… Nada. “Simplesmente não tenho ideia do que ele falou aqui. Desculpe, mesmo”, me disse. Sentiram o drama? O mais legal é que, no final das contas, faz diferença? Pode ter sido “apêndice”, “amídala” em qualquer dialeto da Transilvânia, vai saber. O que importa é que o cara foi operado no Brasil, correu tudo bem e pôde me proporcionar essa conversa de maluco.)

Desculpe, mas cirurgia do quê?
“XXXX”

(Ah, com boa vontade, dava para escutar algo como “Globe Trotter” na resposta dele, mas aí já seria o cúmulo do absurdo, né? Então, se alguém tiver uma sugestão a partir dessa dica de fonética, favor encaminhar para a secretaria.*)

O que você estava fazendo em Anápolis? Eram férias, mesmo?
Seu país é bonito.

Poxa, obrigado, mas você foi a passeio? Conhece alguém lá?
Fui visitar só.

Muresan foi escolhido pelo Bullets na 30ª posição do Draft de 1993, quando tinha 22 anos. Disputou 307 partidas até 2000, com médias de 9,8 pontos, 6,4 rebotes e 1,5 toco em 21,9 minutos. Em 1997, jogou os playoffs contra o Chicago Bulls de Jordan, perdendo na primeira rodada. Sua melhor temporada individual, porém, foi a de 1995-96, quando foi eleito o jogador que mais evoluiu na liga

Muresan foi escolhido pelo Bullets na 30ª posição do Draft de 1993, quando tinha 22 anos. Disputou 307 partidas até 2000, com médias de 9,8 pontos, 6,4 rebotes e 1,5 toco em 21,9 minutos. Em 1997, jogou os playoffs contra o Chicago Bulls de Jordan, perdendo na primeira rodada. Sua melhor temporada individual, porém, foi a de 1995-96, quando foi eleito o jogador que mais evoluiu na liga

Bom que correu tudo bem no final, então. E agora que você está aqui em Nova York, acompanhando a molecada, se lembra do tempo em que começou a jogar? Como foi seu início no basquete?
Eu tinha 15 anos, foi pelo Cluj, na Romênia. Mas esses garotos aqui são muito mais talentosos. Espero que eles não se cansem, não parem de trabalhar, de se dedicar, sabendo que estão sendo observadas por pessoas interessantes. Estão com alguns dos melhores técnicos para treinar com eles, dos melhores que se pode encontrar ao redor do mundo.

Foi alguém que te descobriu, ou você, quando mais jovem, queria jogar já?
Foi meio por acidente, quando me levaram para o Cluj. Mas, quando comecei a praticar, não demorou para me apaixonar pelo esporte.

Bom, e alguns anos depois você já estava na França e, depois, na NBA, com Chris Webber e Juwan Howard. Até que aconteceram as lesões…
É, tínhamos um time bom. Foram bons anos. Mas o Wizards também tem um time muito bom agora, inclusive com um cara brasileiro. É um time muito legal.

Pois é, o Nenê, que é importante…
Oh, é um jogador muito bonito, um jogador muito bom, habilidoso.

O que ele oferece para o Wizards?
Ele dá experiência ao time, é muito bom de grupo. Um bom líder. Vou indo, ok?

Claro. Obrigado pela entrevista!
Obrigado, você.

*ATUALIZANDO!!! Eduardo Baltasar Francisco, o famoso Duda, amigão de infância, solucionou o mistério em torno da cirurgia de Muresan. Seguindo minhas mirabolantes dicas de fonética, mas sem ter ouvido a gravação original, é coisa de 99,9% de certeza de que o romeno tenha falado “GALLBLADDER”. Ou: vesícula biliar. Eureka!

Para constar: Duda é basqueteiro e futuro psiquiatra, não necessariamente nessa ordem – uma combinação que, vocês sabem, se encaixa perfeitamente com o que se passa aqui no VinteUm. “Por enquanto, sou melhor basqueteiro, mas agora estou focando para me tornar melhor psiquiatra”, diz. Abusado, afirmou ainda que enterraria na cabeça do Muresan. Num scout informal, eu diria que o camarada tinha muita impulsão, belo controle de bola e era ótimo tanto no chute de média para longa distância como na finalização perto da cesta: dava trabalho demais para marcá-lo. Daí a desafiar o simpático, mas gigante Muresan? Aí eu pagaria para ver… ; )


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