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Arquivo : Hollinger

Ninguém queria Hassan Whiteside. Nem o Miami Heat
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Giancarlo Giampietro

Uma das 34 enterradas de Whiteside até aqui

Uma das 34 enterradas de Whiteside até aqui

Quando é que chega a hora de dizer que não dá mais, que tal jogador é um caso perdido?

O sucesso de Hassan Whiteside com o Miami Heat, um dos raros pontos positivos de uma temporada muito aquém do esperado para Pat Riley, talvez indique a seguinte resposta: “Nunca”. Ou pelo menos algo do tipo:”Bem, vamos esperar mais um pouco, mais um pouco e mais um pouco. Aí talvez chegue a hora. Um pouco antes de ‘nunca'”.

Aos 25 anos, depois de ser dispensado oficialmente por duas equipes da NBA e ignorado por outras tantas, inclusive pela franquia da Flórida, três temporadas após a Linsanidade, o pivô tem causado espanto por onde passa. Assusta não só os jogadores que o desafiam no garrafão como os técnicos e dirigentes que não conseguem e talvez nem queiram acreditar no que estão vendo.

Em janeiro, ele teve médias de 13 pontos, 10,6 rebotes e 3,4 tocos por jogo. Em apenas 23,6 minutos! Desde que perdeu duas partidas por conta de uma contusão e voltou a jogar no último dia 25, passou a receber mais tempo de quadra e respondeu com 16,6 pontos, 15,5 rebotes e 4,0 tocos. O aproveitamento nos arremessos é de 58%. Quer dizer, ‘arremessos’. É uma enterrada atrás da outra, e sai de baixo.

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>> Bombardeio no Twitter? Também tou nessa
>> 30 times, 30 fichas sobre a NBA 2014-2015

Nos últimos anos, muita gente da liga se esquivou de Whiteside, mesmo. A turma do escritório. Fugindo cada um para um canto, no caso, enquanto ele, desempregado, buscava um contrat.

Então o que acontece? Como deixaram passar uma dessas? A trajetória e a atual transformação desse grandalhão, de refugo com estadias na segunda divisão da China e no Líbano para sensação das redes sociais, é mais um grande causo a ser estudado com cuidado. Por dirigentes, treinadores, agentes e, principalmente, por atletas.

DDA
Quando deixou a universidade de Marshall em 2010 para se profissionalizar, durante o período pré-Draft, Whiteside rapidamente desenvolveu um rótulo que, quando pega, é difícil de se livrar: pro-ble-má-ti-co. Na tentativa de impressionar os dirigentes, os prospectos viajam de cidade em cidade, para fazer treinos e bater um papo. Essa coisa de conversar com o então jovem pivô de 20 anos queimou o filme geral.

Um scout da NBA, que acompanhou todo o processo bem de perto, afirmou ao VinteUm que não se tratava exatamente de um desvio de caráter. “Ele é uma pessoa genuinamente boa, um bom sujeito. O problema é que era muito ingênuo e atirado. Falava umas coisas malucas”, afirmou. “Mas sempre disse que ele precisaria primeiro falhar, para depois conhecer o sucesso.”

Não é todo dia que surge um desses

Não é todo dia que surge um desses

Pois essa combinação de ingenuidade e arrojo nas declarações passou aos avaliadores dos clubes a imagem de arrogante, ou algo até pior. Amin Elhassan, hoje analista do ESPN.com, trabalhava na época pelo Phoenix Suns. Digamos que o jogador não causara uma boa impressão. “Se você é um idiota, reparar essa reputação é algo muito difícil. É muito fácil arruinar sua reputação e muito difícil de reconstruí-la. Hassan Whiteside, na falta de uma palavra melhor, era um idiota quando saiu da universidade. Ele estava delirando e dizia coisas que não eram compatíveis com o que jogava”, afirmou em entrevista ao Palm Beach Post, sem preocupação de aliviar em nada.

Recuperando seu arquivo no HoopsHype, encontrei também a seguinte informação compartilhada pelo repórter Sam Amick, do USA Today: “Ele caiu no Draft por “ter um caso seríssimo de DDA”, o famigerado déficit de atenção. Acontece que, segundo o gerente geral do Sacramento Kings, clube que o selecionou na 33ª posição, não constava nada disso nos exames que a franquia recebeu. Provavelmente o olheiro estava falando metaforicamente…

Whiteside acreditava que seria escolhido entre os dez primeiros. Afinal, era um pivô alto, forte, extremamente atlético, uma aberração física. O tipo de prospecto pelo qual os cartolas se apaixonam num piscar de olhos. Eles podem até ter ficado enamorados de supetão. Quando passaram a observá-lo com mais cuidado, porém, pularam fora.

Em um perfil recente sobre o fenômeno do Heat, Tom Haberstroh recuperou um episódio bastante interessante que resultou apenas na primeira das três vezes que o clube da Flórida teve a chance de fechar com o pivô, mas deixou para depois. O espigão foi treinar no ginásio do Heat, uma escala notoriamente difícil para a molecada, devido aos treinos exaustivos que Pat Riley instaurou por lá. No meio da sessão, pregado, o jogador simplesmente saiu de quadra sem dar satisfação a ninguém. Já havia dado para ele. No dia do recrutamento, Riley selecionou Dexter Pittman na 32ª colocação, um posto antes do Sacramento.  Veja só.

Nada deu certo
Em Sacramento, Whiteside supostamente havia encontrado uma casa. Disse que não havia problema em ter saído apenas na segunda rodada e que o clube era um de seus dois favoritos, mesmo. Apostando em seu futuro, o Kings ofereceu um contrato de quatro anos, valendo US$ 3,8 milhões. Apenas as duas primeiras temporadas seriam garantidas, no entanto.

Whiteside, nos tempos improdutivos de Sacramento

Whiteside, nos tempos improdutivos de Sacramento

No primeiro campeonato, visto como um projeto de longo prazo, aos 21, só entrou em quadra uma vez e jogou por apenas dois minutos em vitória sobre o Minnesota Timberwolves. Em março, porém, teve de passar por uma cirurgia no joelho que o afastou do time. Durante a fase de recuperação, afirmou que estava treinando e jogando na D-League lesionado, mas que optara pelo sacrifício justamente pela fama de imaturo que havia ganhado. “Só faltava, então, as pessoas me chamarem de preguiçoso. Não queria que pensassem que estava inventando desculpas. Mas foi um erro. Isso tirou minha explosão em quadra. Digo, conseguia ainda dar tocos, mas isso é basicamente uma questão de timing. Mas minha capacidade atlética estava afetada. Até que soube que não podia mais evitar a operação”, afirmou.

Reabilitado, foi utilizado um pouco mais na temporada 2011-2012, participando de 18 jogos, mas viu novamente sua jornada interrompida por uma lesão grave, dessa vez no tornozelo. Resultado: mal teve tempo de mostrar serviço e de reverter sua má reputação. No momento do Draft daquele ano, em meio a tantas trocas, o Sacramento achou por bem dispensá-lo para abrir espaço em seu elenco.

Hoje, quando questionado sobre seu corte pelo Sacramento, ele afirmou aos jornalistas de Miami que mais nenhuma das pessoas envolvidas com aquela decisão estava no clube. “O quão inteligentes eles foram, então?”, respondeu, de modo retórico. Detalhe: o treinador do Sacramento na época era Keith Smart, hoje assistente de Erik Spoelstra. Em inglês, Smart, vocês sabem, significa… “Inteligente”. Pegou?

Roda viva
Geoff Petrie fez algumas boas bobagens no final de sua gestão no clube californiano. Dispensar Whiteside talvez tenha sido das menores. Afinal, muitos times lhe dariam respaldo informal. Muitos dirigentes chegaram a manifestar interesse no pivô. Nenhum deles teve a coragem ou a visão para fechar um contrato.

O Minnesota foi aquele que mais chegou perto em 2012, ainda liderado por David Kahn. O cara estava procurando um pivô atlético e de boa envergadura para ser o terceiro reserva, atrás de Nikola Pekovic e, sim, Greg Stiemsma na rotação. Conversou bastante com o agente do jovem pivô, mas preferiu mudar de rota e assinar com Anthony Tolliver.

O próprio Miami Heat voltaria a entrar em contato, também recebendo o pivô para mais um treino. Dessa vez ele foi até o fim. Mas não os convenceu. Acabaram contratando o inesquecível Josh Harrelson. Essa era a segunda vez que ele passaria batido por lá. Whiteside, então, se viu fora do mapa da NBA e teve de procurar asilo na Ásia. A China? Tudo bem, claro. Eles pagam uma boa grana. Mas o Líbano?! Digamos que não é o destino mais cobiçado por agentes livres, independentemente da origem. Lá ele defendeu o Al Moutahed Tripoli e teve médias superiores a 20 pontos, 15 rebotes e 4 tocos. Um prenúncio? Mas como alguém iria saber disso? Até o momento não há informações de tradução das estatísticas da liga libanesa para a NBA. Se alguém souber de algo nessa linha, favor entrar em contato com a secretaria.

No final da temporada 2013-2014, o New York Knicks até que flertou com o pivô, talvez bem informado a respeito de suas atuações do outro lado do mundo. Já com Phil Jackson no comando, embora recém-chegado, o clube optou por um acordo que ninguém mais, ninguém menos que Lamar Odom. No que deu essa história? Em nada, claro. Odom sumiu do mapa. Ao menos Cole Aldrich está por lá segurando as pontas, ao lado dos valentes Lou Amundson e Lance Thomas (sem ironia aqui no termo “valente”, tá? São dois caras ótimos de vestiário, que dão um duro danado. Mas quem aí acha que Carmelo Anthony se empolga com suas chances de título ao olhar para o lado e dar de cara com eles?)

Desesperado atrás de uma chance,  Whiteside pediu para seu agente ligar para para quem pudesse, talvez para os 30 times da liga. O Los Angeles Clippers, entre eles. Doc Rivers não quis nem chamá-lo para um treino. Depois despachar Jared Dudley para Milwaukee, assinou com Epke Udoh para a vaga de quinto homem na rotação de grandalhões. Meses mais tarde, no dia 11 de janeiro, já com as turbinas esquentadas, o pivô estaria decolando no Staples Center para somar 23 pontos e 16 rebotes em vitória do Heat. Lá, contou a história: “Eu liguei para marcar um teste, eles disseram não. Todos disseram não, exceto o Heat. O Heat me deu uma chance e o certo é eu dar 110% por eles em quadra. Foi isso que aconteceu”, disse.

Ficou bem como um do Grizzlies?

Ficou bem como um do Grizzlies?

Antes de receber essa chance, todavia, Whiteside havia, enfim, fechado um vínculo com o Memphis Grizzlies, que o escalou durante a pré-temporada. Na hora de definir o plantel oficial, acabou cortando o atleta, que foi endereçado a sua filial na liga de desenvolvimento, o Iowa Energy. Convenhamos que, com Marc Gasol e Kosta Koufos, seu garrafão estava bem protegido. O que deixa a diretoria da equipe maluca, todavia, é que eles chegaram a recrutar novamente o atleta emergencialmente para um duelo com o Toronto Raptors no dia 19 de novembro. Metade do plantel havia sido infectada por uma virose, e o técnico Dave Joerger precisava de reforços. Acabou nem entrando em quadra e seria novamente chutado no dia seguinte. “Pensávamos que talvez, se pudéssemos trabalhar com ele na D-League, ele poderia se tornar um pivô reserva decente. Mas obviamente ninguém viu isso (esse nível de jogo) chegando”, afirmou John Hollinger, vice-presidente do Grizzlies, a Haberstroh.

Udoh, Aldrich, Odom, Stiemsma, Tolliver… Independentemente do desnível já existente entre os nomes aqui citados, são apenas cinco jogadores que a NBA, de modo geral, colou à frente de Whiteside em suas listas de prioridades. Mas a conta é muito maior. E pode incluir Shannon Brown nesse grupo.

Pode riscar
Riley, Spoelstra e os caras em Miami ficaram tensos demais quando o pivô foi chamado pelo Memphis mais uma vez. Na véspera, ele havia feito um terceiro teste pela franquia, dessa vez se saindo de modo excepcional em quadra. Segundo Haberstroh, Spoelstra escreveu a seguinte frase em seu bloco de notas: “Vai ser nosso pivô titular na temporada que vem”. Eles lhe ofereceriam o tão esperado contrato ao amanhecer. De noite, veio a ligação do Grizzlies.

Por sorte, receberam a notícia da dispensa. Quando voltou ao Iowa Energy, dois dias depois, Whiteside enfrentou justamente a filial do Heat na D-League, o Sioux Falls SkyForce. Ele marcou 24 pontos, pegou 16 rebotes e deu quatro tocos. Dessa vez, a papelada para ele assinar ficou pronta mais rapidamente.  Para abrir espaço para a sua chegada, rescindiram com Shannon Brown.

Repararam, porém, que Spoelstra fazia planos para o campeonato 2015-2016, né? Nem Hollinger, nem ele podiam esperar o que estava por vir. Depois de dominar um garrafão que já tinha DeAndre Jordan e Blake Griffin, Whiteside conseguiu um triple-double impressionante de 14 pontos, 13 rebotes e 12 tocos em 25 minutos. Contra quem? O Chicago Bulls, de Joakim Noah, Pau Gasol e Taj Gibson. Na partida seguinte, contra Milwaukee, ele foi promovido ao time titular. Anotação já riscada. “Estou muito contente e encorajado pelo quanto ele cresceu nas últimas semanas, desde que se juntou a nós. Ele tem passado por um plano específico e abraçou o trabalho”, disse Spo, que tem em Juwan Howard seu assistente dedicado aos treinos especiais para o pivô.

O Miami está lucrando horrores nessa, tendo firmado um contrato de dois anos com Whiteside, pagando ‘apenas’ US$ 1,1 milhão na temporada que vem – lembrem-se que Amar’e Stoudemire ganha mais de US$ 20 milhões pela atual campanha.  Tem um porém nessa: o contrato é uma barganha, mas tem curta duração. Apenas dois anos, mesmo: ele vai virar agente livre em 2016. Como notou o South Florida Sun Sentinel, nenhum contrato com duração inferior a três anos pode ser estendido. Ops.

Daqui para a frente
A pergunta é outra: quando é a hora de dizer chega, vamos com calma?

A ascensão de Whiteside em Miami é devastadora. O único exemplo parecido com esse foi justamente a Linsanidade que tomou conta de Manhattan em 2012. Quando um jogador de pouco lastro na NBA surgiu meio que do nada e produziu feito uma superestrela. Hoje, por um motivo e outro, Lin está no banco de Jordan Clarkson em Los Angeles. Uma curiosidade é que, durante a boa fase de Lin, Whiteside havia afirmado: “Já havia dito a todos, na Summer League, que meu chapa Jeremy Lin era bom. Todos estavam vacilando com ele”.

Quando estourou pelo Knicks, Lin teve um índice de eficiência de 23,3 pontos. Whiteside, no momento, tem 27,98. Está abaixo apenas de Anthony Davis. Os demais oito nomes abaixo? Durant, Westbrook, Harden, Curry, James, Cousins, Paul e Aldridge. Afe. Em 36 minutos, seus números projetados ficariam em 18 pontos, 15,2 rebotes e 4,7 tocos. É coisa de maluco.

Dá para pensar numa produção dessas de modo sustentável?

Não é só Blake Griffin que sai do chão: exibição incrível contra Clippers, em jogo que transmiti, pasmo, pelo Sports+

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Da sua parte, Whiteside diz que se contenta em ter apenas médias de duplos dígitos em pontos rebotes e de ficar entre os três principais bloqueadores da temporada. Então tá certo. Algo que já o apetece, de toda forma, é ver suas cotações no jogo NBA2 k elevadas – algo com que, pasme, os jogadores da NBA se importam verdadeiramente. Vale a honra. Agora, quer que melhorem também sua produção para o arremesso de média distância, algo que ele mostrou no domingo, contra o Boston, quando os Estados Unidos inteiros estavam assistindo ao Super Bowl. Esse chute de mais longe, porém, ainda aparece de modo tímido em seu repertório (89,1% de suas tentativas de cesta acontecem nos arredores do garrafão).

A eficiência do jogo do pivô se explica dessa maneira. Ele tenta pouco em quadra além de finalizações próximas da cesta, feito Tyson Chandler e Brandon Wright. Praticamente não é envolvido no ataque do Miami em nenhuma circunstância, seja para criar individualmente ou para os demais companheiros. O negócio é fazer o corta-luz e mergulhar no garrafão atrás de um rebote ofensivo ou, melhor, de uma ponte. Ele já lidera o time em cravadas, com 34 em 21 partidas. “Continue enterrando e você vai ganhar US$ 60 milhões”, disse Danny Granger. A NBA vai encará-lo e desafiá-lo mais uma vez. Agora não no jogo dos bastidores, mas em quadra. Os times mais bem preparados vão saber como. Jason Kidd, técnico do Bucks, anunciou: “Entendemos que ele vai entrar buscando tocos. Ele não é mais uma surpresa, está no no radar”.

Ajuda muito o pivô ter um cara como Dwyane Wade ao lado, com a bola em mãos. O astro do time ainda desperta pavor nas defesas e atrai marcadores. Também sabe invadir o garrafão como poucos. Uma combinação que deixa Whiteside na cara da cesta toda hora. “Ele consegue dominar a bola. Ele consegue finalizar. Ele é grande, e eu posso infiltrar. Algo bom vai acontecer a partir daí”, diz Wade, que ainda chama Whiteside de calouro. É como se fosse, mesmo. E agora ele vai ter de se virar sem a companhia do camisa 3, afastado por tempo indeterminado devido a uma lesão muscular.

Só não falta confiança a Whiteside, assim como não faltava quando ele era de fato um novato. Quando questionado pela ESPN Radio sobre qual antigo jogador da NBA ele acha que seu jogo lembra, citou, tranquilamente, David Robinson ou Alonzo Mourning. “Algo perto disso”, afirmou.

É de fazer engasgar, mesmo. No momento, porém, ninguém mais está falando sobre idiotices ou distúrbios. Estão apenas tentando entender o que está acontecendo.


Memphis Grizzlies: moendo carne, batendo bife
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Giancarlo Giampietro

A torcida também vai tentar moer o adversário

A torcida também vai tentar moer o adversário

Lá pelos idos de maio de 2013, o que na era da Internet já é mais que um século atrás, havia o temor de que a cultura de “Grit & Grind” – praticamente impossível de se traduzir ao pé da letra, mas que tem a ver com a bravura do estilo de jogo do Grizzlies – estivesse seriamente ameaçada em Memphis. O técnico Lionel Hollins estava de saída, Tony Allen era agente livre, Zach Randolph também tinha futuro incerto. Mas o assistente Dave Joerger segurou muito bem as pontas desde que foi promovido,  o pitbull preferido da cidade tinha ganhado um novo contrato, e tudo caminhou bem. Mesmo com a lesão  de Marc Gasol, o time chegou aos playoffs e incomodou bastante. Ponto.

Aí que, ao final do campeonato, as coisas novamente ficaram tensas, de modo chocante. Subitamente, o CEO Jason Levien, que mal havia acabado de assumir a posição, foi derrubado pelo proprietário Robert Pera. Ao mesmo tempo, Joerger foi liberado para conversar com o Minnesota Timberwolves, de sua terra natal. No fim, o magnata tirou o antigo gerente geral Chris Wallace do ostracismo, para lhe reempossar, e decidiu segurar Joerger. Z-Bo ganhou sua extensão contratual. A estrutura, então, foi mantida.

Fora da cidade, pode ter certeza que caras como Blake Griffin, Kevin Durant, Tim Duncan e Dirk Nowitzki acompanhavam tudo com muita atenção. Qualquer passo em falso, qualquer sinal de derrocada do time poderia ser um alívio danado para eles. Afinal, estamos falando do time mais casca grossa da Conferência Oeste. Ou melhor: com a iminente derrocada do Indiana Pacers, já dá para falar no time mais pesado, aquele que a liga toda vai querer evitar. Ainda mais numa série de mata-mata.

Vai encarar? Ninguém quer

Vai encarar? Ninguém quer

Já escrevemos aqui qual a dificuldade de escolher os termos apropriados para explicar do que se trata o lema oficial desta geração do Grizzlies, elaborado num estalo de genialidade por Allen.  No final das contas, o melhor a ser feito é apelar ao populacho: trata-se do famoso moedor de carne. Esses caras fazem isso, como se o FedExForum representasse um grande açougue humano. Não é nem um pouco bacana bater de frente, de lado, ou de costas com gente com Randolph e, especialmente, Marc Gasol, por mais magro que o espanhol esteja esses dias. E aí você põe mais um corpanzil de Kosta Koufos na jogada e alguns alas que aporrinham a vida de qualquer um, e o que temos daí é uma das defesas mais sólidas e nocivas que se pode encontrar.

Tom Thibodeau tem o esquema e excepcionais marcadores em Chicago. Roy Hibbert e David West ainda vão tentar proteger uma fortaleza em Indianápolis. Mas o desgaste físico causado por essa galera encrespada de Memphis deve ser o maior tormento no longo e cansativo calendário de cada equipe.

De estrela a operário, Vince Carter segue relevante

De estrela a operário, Vince Carter segue relevante

O time: Z-Bo já não é mais o mesmo de sua primeira temporada de All-Star, justamente a primeira em Memphis. Mas seu jogo nunca dependeu de impulsão, explosão física ou elasticidade. Enquanto chega aos 33 anos, sua técnica e força física ainda causam estrago perto da cesta o mantêm produtivo. Suas características combinam perfeitamente com as de Gasol, que tem uma visão de quadra privilegiada encarando a cesta como um maestro na cabeça do garrafão, também matando bolas dali. Além do mais, o posicionamento dos dois pode ser facilmente intercambiável. Não sabemos muito bem o quão consciente Wallace foi ao montar essa dupla em 2010, mas deu muito certo. Para assessorar esse núcleo, quietinho da silva, Mike Conley se tornou um dos principais armadores da liga, vindo também sua melhor temporada.

O que sempre falta em torno dessa trinca foram arremessadores que metessem medo. Já não é um problema tão grave assim. Mike Miller fez o serviço em 2013-2014, mas preferiu seguir os passos de LeBron em Cleveland. Para seu lugar, todavia, chegou Vince Carter, que se reinventou em Dallas como atirador de três pontos e marcador e, aos 37,  chega com moral a Memphis. E o veterano não está solitário nessa.

De volta de lesão, Pondexter está preparado para enfrentar os alas mais fortes da liga

De volta de lesão, Pondexter está preparado para enfrentar os alas mais fortes da liga

Courtney Lee foi fruto de outra bela negociação incentivada pelo supernerd John Hollinger que deu certo. Ele liderou a NBA no aproveitamento de arremessos movimento na temporada passada e também consegue incomodar bastante os alas mais baixos, fazendo ótima dupla com Allen, um atacante arrojado, mas, no mínimo, inconstante. Por fim, em seu último sopro, Tayshaun Prince ainda tem envergadura para deixar as linhas defensivas mais rígidas esporadicamente. Em resumo: por mais que não sejam tão discutidos assim na grandes plataformas, este pode ser o elenco mais forte que o Grizzlies já teve.

Olho nele: Quincy Pondexter. O ala, que retorna de uma fratura na perna que o tirou por mais de 60 partidas da última temporada, foi esquecido deixado de fora do parágrafo acima propositalmente. Quando comparado a Allen, Lee, Carter e Prince, tem ainda menos fama, mas pode ser tão ou mais relevante que eles durante a jornada, desde que consiga sustentar um aproveitamento de três pontos próximo aos 39,5% que teve na temporada retrasada. Pondexter é mais alto e forte que Lee e Allen e mais forte e ágil que Prince, oferecendo um meio termo interessante.

Abre o jogo: “Tem tanto chão para isso, que não passa pela minha cabeça. Apenas quero fazer a porcaria do meu trabalho diariamente. Você nunca sabe o que pode acontecer em sete ou oito meses. A franquia pode decidir seguir em outra direção. Vamos ver como todos nos sentimos em julho. Toda essa conversa de agora não vai mudar isso”, Marc Gasol, sobre sua entrada no mercado de agentes livres ao final da temporada, sem firula alguma. Os bastidores da liga já dão como certa a investida de Phil Jackson e o Knicks pelo pivô em 2015.

Você não perguntou, mas… ao lado de San Antonio Spurs, Miami Heat, Oklahoma City Thunder e Los Angeles Clippers, apenas um clube venceu mais de 50 jogos nas últimas duas temporadas, não importando que desfalque tinha. Justamente a franquia que tem a ver com ursos-pardos, mesmo que eles não sejam encontrados tão facilmente assim em Memphis.

kevin-pritchard-grizzlies-cardUm card do passado. Kevin Prichard. Ele, mesmo, o ex-dirigente do Portland Trail Blazers e gerente geral de Larry Bird no Pacers, hoje. Se formos pensar em gente do passado da franquia, ainda em sua encarnação na Costa Oeste do Canadá, dá para lembrar da figura pastosa de Bryant Reeves, além de Anthony Peeler, Blue Edwards, Shareef Abdur-Rahim, Felipe López, entre outros. Mas está nos livros históricos – uns três, pelo menos – que foi Pritchard foi o primeiro jogador a assinar contrato com o clube. Assinou, mas não brilhou. Cortado antes de a temporada 1995-96 começar, não disputou uma partida sequer pela franquia. Naquele ano, faria dois joguinhos pelo Washington Bullets. Depois, adeus, NBA. Formado em Kansas, Pritchard chegou a ser, antes, reserva de Tim Hardaway e Sarunas Marciulionis no Golden State Warriors de Don Nelson. Jogou na Itália, na Espanha e na Alemanha. Mas foi como cartola, mesmo, que ele deixou sua marca. Foi o grande arquiteto da reconstrução do Blazers na década passada, depois dos anos de Jail Blazers, nos quais ganharam mais manchetes policiais do que esportivas. Seu relacionamento com o bilionário Paul Allen e sua trupe, porém, desandou a ponto de ele ser demitido do cargo de gerente geral cerca de uma hora antes do draft de 2010. Cruel. Ele ainda fez uma troca e selecionou Luke Babbitt e Elliot Williams. Vingança em prato frio de carne moída.

 


Cultura “batalhadora” do Memphis Grizzlies fica sob ameaça após derrota no Oeste
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Giancarlo Giampietro

Tony Allen, the grit

“Grit & grind”.

Estou pensando até agora em qual seria a melhor tradução para a expressão eternizada por Tony Allen em Memphis. Virou sinônimo do basquete apresentado pelo Grizzlies nos últimos anos. Seria algo como “na raça” em português, essa coisa de “dar o sangue”, mas não sei bem se tem uma combinação desses termos que dê conta do que Allen quis dizer numa entrevista célebre em 8 fevereiro de 2011, após uma vitória na prorrogação sobre o Oklahoma City Thunder, por 105 a 101.

Nessa partida, o ala contribuiu com 27 pontos, cinco roubos de bola e três tocos, jogando por 40 minutos. Uma explosão estatística, porque era como estivesse tudo represado, mesmo. O veterano campeão pelo Boston Celtics não tinha um papel tão certo na rotação de Lionel Hollins, mas ganhou tempo de quadra considerável devido a uma lesão de Rudy Gay e uma suspensão para OJ Mayo.

“Só coração, afirmou naquelas entrevistas na saída de quadra. “Grit. Grind.”

E aqui estamos de novo. Ao pé da letra, isso poderia ser: “Grão. Moagem.” : )

Mas é claro que ele não estava falando sobre fazer café, né? Coloquialmente, tem algo a ver como “coragem, bravura” para um, “triturar, desgastar, encher o saco” para o outro. Aí as coisas começam a fazer mais sentido.

No fim, porém, a tradução exata nem importa. Basta assistir a Allen e seus companheiros em quadra, que você entende rapidinho. O ala é um dos defensores mais insuportáveis – para os atacantes, diga-se – de toda a NBA. Isso se não for o mais impertinente, mesmo. Com mãos e pés extremamente ágeis, adora colar nos componentes, fungando no cangote a toda hora, em busca da bola ou de um desequilíbrio. Um pitbull babando para todos os lados. Jogando com o coração.

Aos poucos, esse comportamento foi conquistando Memphis, uma cidade conhecida por seu espírito operário, brigador, raçudo. Saca?

Quando Allen usou essas palavras, consciente ou involuntariamente, deu o passo definitivo para se tornar uma figura cult para os torcedores do Grizzlies – sim, eles existem –, que vestem camisetas personalizadas com a face do jogador, gritam seu nome sem parar durante as partidas e se matam de rir com entrevistas malucas e tweets crípticos na conta aa000g9 –, de “Anthony Allen”  e o número 9, enquanto o excesso de zeros significariam para… Vai saber. A atitude do atleta também influenciou seus companheiros de time e se enquadrou perfeitamente com o modo como Hollins imaginava sua equipe. As coisas se encaixaram: plano tático, dedicação do elenco, apoio do público.

Uma sinergia que muitas vezes corremos o risco de ignorar, seja pelo distanciamento, de não viver exatamente o que se passa em uma determinada cidade, seja pela realidade ainda bastante incipiente do NBB, ou pela concentração apenas no que se passa em quadra. Mas não se pode ignorar de modo algum que, na liga norte-americana, há duas facetas para se avaliar, tanto o clube (esportivo), como a franquia (negócios). São raros os caros que combinam ambos com sucesso. O Memphis Grizzlies conseguiu: seu produto tem uma identidade competitiva e mercadológica.

Grit & Grind, Mephis, Grit & Grind

“Nós não blefamos”, também virou campanha durante os playoffs para o Grizzlies

Conseguiu e agora encara um período de férias que pode ser crucial para sua prosperidade.

O proprietário anterior, Michael Heisley, fazia de tudo para fingir que não era muquirana, mas cortava gastos sempre quando podia, na estrutura da franquia. O novo dono, Robert Pera, não esconde de ninguém que pretende instituir um modelo de administração rentável. Seu estafe não vai cometer nenhuma loucura financeira, confiando que, com a visão analítica de John Hollinger a alguns bons caçadores de talentos, poderá formar um time barato e, ao mesmo tempo, na ponta, sem jogar todo esse trabalho fora.

Essa visão será duramente testada agora: o xodó Tony Allen e o técnico Hollins são agentes livres; ao mesmo tempo, a diretoria do clube não tem intenção alguma de levar sua folha salarial para além do aceitável – leia-se, a folha salaria pode até exceder o teto estabelecido pela NBA, mas não pode subir tanto assim a ponto de ultrapassar a linha da chamada “luxury tax”. Se fizerem isso, não só teriam de pagar impostos, taxas para a liga, como deixariam de receber o dinheiro recolhido de outros gastões como Lakers, Nets e Knicks. Para não ter perigo, hoje bancam apenas a 25ª folha da liga – ou a sexta mais barata.

Depois da campanha que a equipe cumpriu no Oeste, com uma defesa fortíssima e um elenco que acabou enfraquecido devido a trocas para se livrar de salários, Hollins está em alta, no topo da lista de Clippers e Nets, dois times que sonham com o título e que podem inflacionar seu preço. Sabe-se que o treinador não desfruta da melhor relação com a nova administração, questionando publicamente sua fixação por estatísticas. Há quem diga também que seu estilo confrontador, contestador pode ser difícil de ser controlado internamente, criando problemas de relacionamento com seus jogadores – Zach Randolph, outro que não tem sua permanência garantida devido ao volumoso salário, já não teria tanta paciência assim. Mas a torcida (“a comunidade”) o adora. É uma situação delicada.

Keep calm como?

Vão ficar calmos como agora, com tantas incertezas?

E há o caso de Allen. O ala ganhou em média US$ 3,15 milhões nas últimas três temporadas. Uma bolada para qualquer profissional, mas bem abaixo de seu valor de mercado. Pensem que seu companheiro Tayshaun Prince levou US$ 6,7 milhões neste ano (e vai levar mais US$ 15 milhões nos próximos dois anos). Em Boston, seu ex-time, Courtney Lee foi pago com US$ 5 milhões. Caron Butler ganhou US$ 8 milhões. Rip Hamilton embolsou US$ 6 milhões. Dá para ter uma ideia. Imagina-se que ele e seus agentes estejam prontos para pedir um aumento para ele ficar no clube, que tem cerca de US$ 57 milhões comprometidos já para 2013-2014 – é o que está aqui, descontando a grana de Jerryd Bayless, que também deve se tornar agente livre, com a luxury tax prevista para algo em torno de US$ 70 milhões. Assinar com Allen e reforçar o ataque exterior com arremessadores, uma carência evidente nos mata-matas, cuidando para que os gastos no futuro também não saiam do controle.

“Eu nem entendo o lado dos negócios”, disse o ala em meio ao confronto com o Spurs. “Quando chegar julho, alguém vai ter de se sentar comigo e explicar. Tudo o que sei é que sou um Grizzly e acredito que vou ser um Grizzly no final. Eu sangro azul. Acho que eles vão me manter aqui. Se não fizerem, entendo. Mas eu nem penso sobre isso. Eu apenas jogo. Eu amo estar em Memphis. Amo a cidade. Espero ficar.”

Será que correriam o risco de desagradar aos seus torcedores permitindo a saída de Allen e Hollins? Será que o Grizzlies seria o mesmo time sem eles ou um deles? Essa seria apenas uma decisão romântica ou de negócios? Em Memphis, já temos prova de que os dois aspectos estão interligados. “

Eu já vi nosso time de dois modos. Nós éramos terríveis, e o apoio dos torcedores era bem ruim. E agora está no auge, nunca foi assim. Não quero voltar ao que era antes”, disse Mike Conley Jr., um dos preferidos e intocáveis da nova gestão – quando assumiu, Pera e alguns de seus principais dirigentes convidaram o armador, Marc Gasol e só para um jantar. “Acho que seria fantástico se pudermos estabilizar o que temos e apenas seguir em frente. Obviamente com Lionel e o que ele já fez, todos os rumores envolvendo Zach… Zach é uma parte desta cidade, Tony é uma parte da cidade. Não seria a mesma coisa sem eles aqui.”

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Leitura imperdível para compreender em detalhes a mudança por que passou a franquia nos últimos anos: o glossário do Grizzlies (em inglês),  para aqueles que estavam chegando a Memphis de última hora nestes playoffs, assinado por Chris Herrington. É bem engraçado. O jornalista conta que ainda hoje é possível ver os torcedores usando uniformes de Allen Iverson, cara que disputou apenas (!) três partidas por lá até ser dispensado, embora ainda pudesse fazer isto:

 Tarantino e RodríguezOutros destaques são o iraniano Hamed Haddadi, que foi despachado para Toronto este ano e depois repassado para Phoenix (“I drop-step. I go around Shaq. I dunk that shit”) e o apelido que o ginásio do Memphis ganhou: The Grindhouse, apelido sugerido por um torcedor a Tony Allen no Twitter.

Grindhouse foi como se tornaram conhecidos os cinemas norte-americanos que rodavam os exploitation films em suas sessões, aqueles filmes apelativos, que nem toda família pode se reunir para ver – até por isso também foi o título do projeto nerd conduzido por Quentin Tarantino e Robert Rodríguez, que lançaram em 2007 dois-filmes-em-um, embora ao Brasil eles tenham chegado separados.

Neste caso, pensando no ginásio, a despeito da fisionomia de Haddadi ou das entrevistas bizarras de Allen, não há nada muito bizarro desta maneira, como a mulher com uma metralhadora no lugar de uma perna. Dá para voltar até mesmo ao sentido literal, de que seria a casa em que os oponentes são triturados. Certamente nenhuma equipe olhou sua tabela deste ano e acreditou que uma visita a Memphis seria tranquila e acolhedora.

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Este aqui seria o hino preferido de Tony Allen para os jogos do Grizzlies:


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