Retorno de LeBron desafia maldição esportiva de Cleveland
Giancarlo Giampietro
30 times, 30 fichas para a temporada 2014-2015 da NBA
Em Cleveland, o burburinho começou em maio, quando o Browns selecionou o badalado – e controverso – quarterback Johnny Manziel no Draft da NFL. Aí que, no dia 11 de julho, três meses depois, chegou a carta de LeBron James, via Sports Illustrated, anunciando O Retorno do Rei. Aí quem iria segurar?
Os torcedores mais fanáticos foram para a rua. As aglomerações não chegaram a atingir o status de passeata, mas foi quase. A causa? Eles estavam confiantes, muito confiantes que estaria chegando perto do fim. Mas o quê?
A mal-di-ção que paira sobre a cidade.
De que seus times não seriam campeões nunca mais na vida.
''Ah, vá. Que história de maldição é essa? Que bobagem!'', pode ser sua recepção. Mas não brinque com, ou duvide dos sentimentos dos outros, cara. A sensação a respeito é tão grave em Cleveland, que tem seu próprio verbete na Wikipedia, gente. Veja só como o texto começa: ''A maldição sobre os esportes de Cleveland é uma superstição envolvendo a cidade de Cleveland, e todos seus times esportivos''. Todos!
Desde que o Cleveland Browns ganhou o título do futebol americano em 1964, a cidade, também representada na NBA e no beisebol com o Indians, jamais ganhou um troféu. Se for juntar tudo, dá mais de 150 temporadas de jejum. E eles não aguentam mais conviver com esse fardo. Daí que, quando um LeBron volta parasua casa – que, veja bem, não é exatamente Cleveland, mas Akron –, eles explodiram em euforia. Era chegada a hora.
Do ponto de vista nacional, a pressão sobre o Cavs vai ser natural. Afinal, é o que ronda toda a carreira do ala, ainda mais depois da chegada de Kevin Love. Estamos diante do novo supertime da NBA. Na cidade, porém, você pode imaginar o nível de tensão quando a equipe se aproximar dos playoffs.
''O campeonato é a nossa meta nesta temporada'', afirma Anderson Varejão, que já vive há 10 anos por lá, e então sabe que tem de tomar cuidado ao abordar o tema, de modo que ele complementa a frase: ''Mas há alguns times muito bons lá fora. Espero que dê certo para nós logo de cara, e que vençamos todo mundo, mas as coisas não funcionam desta forma. Vai levar tempo''.
O time: antes de contratar James e Love, o Cavs já havia garantido um grande trunfo para elevar o produto que entrega em quadra: Blatt. O americano-israelense estava merecendo uma chance na NBA. Hoje, existem outros 28 técnicos que trocariam de lugar com ele num piscar de olhos – vamos deixar Pop fora dessa. Mas talvez não haja melhor nome para cumprir essa missão, independentemente de sua condição de estreante na grande liga. A começar pela defesa. Uma das características mais elogiosas de Blatt é sua capacidade camaleônica, de se adaptar ao que tem ao seu redor. E, como ele mesmo conta, no elenco formado pelo gerente geral David Griffin, com uma ajudinha de LBJ, há atletas que vieram de times que praticavam os mais diversos estilos de defesa no ano passado. Isso não é problema.
''Vamos ser versáteis. O fato de ter caras vindo de diversos sistemas só vai nos ajudar'', garante. Versatilidade não falta, realmente, para o treinador usar. Ele pode formar quintetos grandes e, ao mesmo tempo, velozes. Ou times baixos, mesmo, que vão correr ainda mais – ter o melhor jogador do mundo ao seu lado ajuda bastante para isso. Tudo vai depender da química em quadra e do adversário, do jeito que seu treinador gosta. O Cavs também tem um potencial imenso para dominar os rebotes jogo a jogo, com o trio Varejão-Love-Thompson sendo escoltado por Marion e James. Se você assegura os rebotes defensivos, estará bem posicionado para sair no contragolpe. Irving, Waiters e James vão adorar receber os touchdowns de Love, por exemplo. Em situações de meia quadra, arremessadores não faltam para esgarçar a defesa. Enfim, é um time bastante intrigante.
A pedida: o elenco ainda é majoritariamente jovem, considerando as peças principais, LeBron, Blatt e dirigentes vão falar que tudo tem tempo nessa vida, mas é óbvio que a equipe joga pelo título para já.
Olho nele: Tristan Thompson. Quando você observa o pivô canadense e ignora as minúcias do jogo, deve se sentir predisposto a amar o sujeito. É um cara muito rápido e ágil, que sai do chão com facilidade para enterrar ou capturar rebotes. Para ele, essa coisa de capacidade atlética é natural. Os pais eram esportistas, o irmão caçula, também. E o primo. Leia mais. Aqui, Thompson ganha relevância não só por ser aquele que vai revezar com Varejão no garrafão, mas também por causa do futuro. Um futuro bem próximo. O canadense chega a seu quarto ano de NBA, estando sujeito a renovar seu contrato. E vale quanto?
A despeito de suas habilidades como reboteiro, de cobrir espaços defensivamente, em termos de produção ofensiva, o pivô está estacionado, se for para checar sua produção por minuto, ou até mesmo regrediu, em termos qualitativos. No ataque, ele pode ter mudado de mão para arremessar – trocou a canhota pela direita –, mas isso não surtiu pouco efeito em seu aproveitamento de média distância, e com volume reduzido de tentativas. Passar também não consta em seu repertório. Estamos falando um jogador com sérias limitações. Mas que tem o mesmo agente de LeBron: Rich Paul. E a diretoria do Cleveland por acaso gostaria de desagradar o sujeito? A aposta seria que, instruído por Blatt, um professor muito mais gabaritado que Mike Brown e Byron Scott, Thompson progredisse de modo significativo para justificar o salário de mais de US$ 10 milhões que certamente vai pedir.
Abre o jogo: ''LeBron vindo para cá não era o suficiente. Fechei o negócio só quando soube do Kevin Love. Isso me convenceu, deixou mais realista a ideia de que teríamos uma chance de vencer o campeonato neste ano'', dele, Shawn Marion, o cara. Campeão em 2011 pelo Mavs, sendo um dos responsáveis pela marcação em LBJ, ''Matrix'' foi um dos reforços cortejados pelo craque para complementar o elenco da equipe. Resta saber se o ala seria contratado caso tivesse soltado essa antes de firmar contrato.
Você não perguntou, mas… segundo o repórter Dave McMenamin, do ESPN.com, quando Cavs e Lakers discutiram uma possível troca envolvendo Pau Gasol na temporada passada, a diretoria de Los Angeles não arredava o pé e pedia Anderson Varejão no pacote. Não foram atendidos, para sorte do pivô brasileiro. E, sim, chegamos ao dia em que ficar em Cleveland, em vez de vestir a camisa do Lakers, é algo que nem se pensa a respeito.
Um card do passado: Brad Daugherty. O Cavs ganhou a loteria do Draft pela primeira vez em 1986, 17 anos antes de ser brindado com LeBron James. Naquela ocasião, a franquia viveu talvez o seu grande momento – pelo menos até o dia em que o prodígio decidiu voltar para casa. Além do pivô revelado pela Universidade da Carolina do Norte, a diretoria caprichou nas escolhas de Ron Harper (em 8º) e Mark Price (em 25º), para construir o núcleo de um time que tentaria desafiar do Bulls de Jordan, Pippen e Jackson no início dos anos 90. Que draft! Como tudo que é bom tende a passar rápido para os times de Celveland, contudo, Harper foi trocado para o Clippers e Daugherty teve sua carreira abreviada devido a problemas crônicos nas costas. Ele jogou apenas nove anos na liga, dos 21 aos 28, se aposentando precocemente com médias de 19 pontos e 9,5 rebotes, sendo eleito cinco vezes para o All-Star Game no meio do caminho. A curiosidade é que, aos 30 anos, ele tentou voltar ao esporte. Mas oooooutro esporte: o automobilismo, como dono de uma equipe da série NASCAR de pickups, a mesma que já contou com Nelsinho Piquet em sua linha de largada. No atual elenco do Cavs, são duas escolhas número um de draft: LeBron e Kyrie Irving. Caso não tivessem fechado a troca por Love, teriam mais duas: Andrew Wiggins e Anthony Bennett. Haja sorte. É o carma para compensar a maldição.