Jukebox NBA 2015-16: Blazers e quando não é necessário fazer tudo sozinho
Giancarlo Giampietro
Em frente: a temporada da NBA caminha para o fim, e o blog passa da malfadada tentativa de fazer uma série de prévias para uma de panorama sobre as 30 franquias da liga, ainda apelando a músicas, fingindo que está tudo bem. A gente se esbalda com o YouTube para botar em prática uma ideia pouco original, mas que pode ser divertida: misturar música e esporte, com uma canção servindo de trilha para cada clube. Tem hora em que apenas o título pode dizer algo. Há casos em que os assuntos parecem casar perfeitamente. A ver (e ouvir) no que dá. Não vai ter música de uma banda indie da Letônia, por mais que Kristaps Porzingis já mereça, mas também dificilmente vai rolar algo das paradas de sucesso atuais. Se é que essa parada existe ainda, com o perdão do linguajar e do trocadilho. Para mim, escrever escutando alguma coisa ao fundo costuma render um bocado. É o efeito completamente oposto ao da TV ligada. Então que essas diferentes vozes nos ajudem na empreitada, dando contribuição completamente inesperada ao contexto de uma equipe profissional de basquete:
A trilha: ''Don't Carry It All'', por The Decemberists
Quando Terry Stotts reuniu seu grupo no dia 29 de setembro no Moda Center, para o início do training camp, deve ter achado tudo muito estranho, sem quatro dos cinco titulares da temporada passada. Só havia restado Damian Lillard, depois da partida, de uma só vez, de Robin Lopez, Nicolas Batum, Wesley Matthews e, principalmente, LaMarcus Aldridge.
Com diversos pontos de interrogação rondando a cabeça, sem saber exatamente o que aconteceria em um período de treinos tão importante devido ao acúmulo de peças novas, os torcedores do Blazers talvez imaginassem que a equipe chegaria ao campeonato com um Lillard incumbido de responsabilidade excessiva. Não que o armador não pudesse liderar essa reformulação. Estamos falando de um raro caso de franchise player jovem, com talento e cabeça para encarar a missão. Mas será que não ficaria sobrecarregado?
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Então aperte o ''play'' e deixe o Decemberists cantar: ''Don't Carry It All'' – não carregue tudo isso, algo que Damian de fato não precisou fazer, com um elenco cheio de jovens jogadores que estão se entendendo muito bem e de forma muito mais rápida do que o esperado para estrelar a história mais legal da temporada. Essa ascensão lembra o que aconteceu com Phoenix dois anos atrás. Um time em reconstrução, subestimado, mas que já entrou na luta por uma vaga nos playoffs. Agora a questão é se eles vão conseguir aquilo em que o Suns falhou.
O paralelo com o time do Arizona de 2013-14, aliás, se estende. Se a chave daquele time foi a parceria entre Goran Dragic e Eric Bledsoe, o Blazers também usa uma dupla de armadores para incomodar seus adversários. A diferença é que Dragic e Bledsoe partiam com tudo para a cesta, precisando de chutadores ao seu redor. Hoje, em Portland, o bombardeio é efetuado por Lillard e um ultraconfiante CJ McCollum, cujo salto de produção não se explica somente pela maior carga de minutos. Ele tem sido mais eficiente em sua pontaria, mesmo chamando mais atenção dos marcadores. O cara realmente tem feito cestas como se fosse máquina, de todos os cantos da quadra (veja abaixo). Também é um caso raro de atleta que acerta mais a partir do drible do que com os pés plantados, recepcionando um passe. Um problemaço para qualquer defesa.
Lillard é menos eficiente (veja abaixo), mas não dá para comparar um com o outro, por diversos fatores. O esnobado All-Star tem muito mais responsabilidades na criação de jogadas, algo que se verifica claramente a cada jogo do Blazers e também pelos números, como a taxa de uso do time e o percentual de assistências por posses de bola. Lillard agride mais o aro, tem mais fundamentos e, claro, é mais visado pela concorrência. Ainda assim, é capaz de marcar 51 pontos contra uma forte defesa como a do Warriors.
Assim como Lillard, McCollum entrou na NBA vindo de uma universidade pouco badalada. Devido a lesões antes mesmo de sua campanha de novato começar, demorou um pouco para deixar sua marca. Dois campeonatos depois, confirma a evolução demonstrada na reta final da temporada passada e, ao seu lado, forma uma das ''back courts'', mais explosivas da NBA. Juntos, somam 46,2 pontos por partida – para comparar, Steph Curry e e Klay Thompson produzem 51,8 pontos. Em média, a dupla é responsável por mais de 38 arremessos por partida. A habilidade dos dois armadores empurra o sistema ofensivo do Blazers, o sétimo mais eficiente da liga, atrás de times como Warriors, Thunder, Spurs, Cavs, Raptors e Clippers. Só a elite, num trabalho magistral de Stotts, que merece séria consideração ao prêmio de técnico do ano.
De volta à canção do Decemberists, para constar, em sua letra o compositor e cantor Colin Meloy fala sobre a aventura de tentar cuidar de seis hortas, em sua casa com a mulher. Seis hortas, imaginem! Pois são essas as experiências típicas que um cidadão comum de Portland, casa da banda (tcha-ram!), pode ter.
A cidade é como se fosse Brooklyn no Noroeste dos Estados Unidos, mas ainda mais hipster/indie/natureba, conforme documentado no seriado Portlandia. Para quem gosta de música ao vivo, cervejas artesanais, ciclovias (dizem que as de lá são exemplares) e/ou correr por aí sem o receio de ser atropelado ou de tropeçar na calçada, este é o seu lugar. Não à toa, a Nike vem de lá.
Se o compositor gasta parte de seu tempo longe do violão para se dedicar ao cultivo, isso tem tudo a ver com as preocupações que possam passar pela cabeça do gerente geral Neil Olshey. O próprio exemplo do Phoenix Suns vem a calhar. No Arizona, o processo de reformulação foi acelerado e se confundiu com uma colheita proveitosa e imediata. Para tentar chegar ao topo, torcida e diretoria vão precisar de calma passa, com a busca por uma nova identidade e o desenvolvimento de seus jovens jogadores. Mais training camps serão realizados, com Stotts recebendo mais caras novas para fazer companhia a Lillard e dividir o peso.
A pedida? Playoffs! Ainda. No início da temporada, com cautela, diretores e técnicos de Portland demonstravam certo otimismo. Mesmo que boa parte da liga esperasse que o clube saísse da cena dos playoffs e fosse até mesmo direcionado para a ingrata luta por uma alta posição no Draft. Não que confiassem em uma classificação. Mas a projeção que faziam era que, em quadra, o time flertasse com o aproveitamento de 50%, mesmo. No Oeste, isso não seria o suficiente. Acontece que estamos falando de um ano um pouco anormal da conferência nesta década. A escorregada de Houston e New Orleans e as muitas lesões em Utah abriram uma brecha.
A gestão: Neil Olshey é o encarregado de cuidar desse cultivo, e isso só deve deixar o torcedor mais encorajado de que a equipe vai se desenvolver com segurança. Cedo ou tarde, é de se esperar que este nome seja cada vez mais comentado tanto nos bastidores e como nas análises da liga, como candidato a executivo do ano. O Trail Blazers está nas mãos de uma figura para lá de competente – e prudente.
Em Portland, sua primeira cesta foi conquistar o bilionário Paul Allen, proprietário da franquia, que por anos interferiu ou deixou que alguns de seus aspones interferissem na condução do departamento de basquete. Algo que é não tão simples assim, por mais que Allen o tenha tirado do Clippers sorrateiramente, em 2012, quando a franquia californiana acreditava estar prestes a renovar o contrato do executivo. Que ele tenha saído de um clube que tinha Chris Paul e Blake Griffin dessas diz muito sobre o temeroso Donald Sterling.
Ser cobiçado no mercado foi uma grande reviravolta para o dirigente. Quando promovido ao cargo de gerente geral dos antigos primos pobres de L.A., na sucessão de Mike Dunleavy, muitos acharam graça. Pois, ao fazer uma pesquisa sobre o novo chefão, o reportariado descobriu um fato pouco usual em seu currículo: a profissão de ator, dando as caras em muitos comerciais e até de novelas americanas. Era piada pronta para um clube de passado folclórico. Em pouco tempo, porém, poucos estavam rindo. Sob suas instruções e com uma visão de ave de rapina para caça de talentos, o Clippers virou o time que é hoje. Muito antes de Doc Rivers, que tenta ficar com a fama.
Que o cartola deu sorte, não há dúvida. Griffin caiu em seu colo em 2009. Mas uma só estrela não garante nada, e a história da franquia californiana, aliás, está dominada por diversos jovens talentosos que não vingaram, ou que vingariam em outros ares. Via Draft, o gerente geral teve desempenho impressionante por lá: além de Griffin, selecionou Eric Gordon, Al-Farouq Aminu e Eric Bledsoe. Também soube administrar a folha salarial e, desta forma, conseguiu arquitetar a supertroca por Chris Paul, mudando definitivamente o rumo do Clippers. Sua única bola fora talvez tenha sido a negociação que mandou Baron Davis para Cleveland, para se livrar de seu salário. Pagou, por isso, uma escolha de Draft, que resultou em Kyrie Irving. Considerando que CP3 chegou logo depois, não havia muito do que reclamar.
Em Portland, ele já selecionou Lillard (na sexta posição, o que significa que, para os dirigentes da época, não se tratava de um superastro garantido), Meyers Leonard e CJ McCollum na primeira rodada e Will Barton, Allen Crabbe (uma grata surpresa nesta temporada, colocando mais pressão na defesa com sua versatilidade como cestinha) e Jeff Withey na segunda. Apenas Leonard pode ser considerado uma relativa decepção, embora seja muito jovem ainda e tenha potencial inegável. Quer dizer: para encontrar reforços, o cara não precisa de uma escolha top 3 (algo que dificilmente vai acontecer com um time já competitivo). Mesmo que não chegue lá, existe a confiança de que mais alguns bons calouros devem pintar por aí.
Olshey também tem insistido que uma das marcas de sua diretoria será o trabalho interno de desenvolvimento dos jogadores, atividade na qual San Antonio, Oklahoma City e Golden State são exemplares e aque deveria ser praxe, mas nem sempre acontece por aí. Não basta identificar talentos se você não vai ajudá-los depois. Poucos chegam prontos como Lillard.
E ainda há a oportunidade de chamar agentes livres para o baile, depois de já se dar bem com Aminu e Ed Davis, caras com muito basquete pela frente ainda. Para a temporada que vem, Olshey pode ter espaço salarial para adicionar até dois jogadores com salário máximo, dependendo do que quiser fazer com Leonard e Maurice Harkless. Se Portland vai conseguir atrair algum astro, não há certeza alguma. Mas é inegável que a campanha promissora desta temporada ajuda na hora de recrutar.
Olho nele: Mason Plumlee
Pois é. Com a bola na mão em situações de um contra um, Mason P vai fazer Robin Lopez parecer Arvydas Sabonis. Ele nunca vai ser um pivô de referência ofensiva. Do outro lado da quadra, ele não tem a mesma estatura e presença intimidante debaixo do aro. Sim, ele tem suas limitações. Mas o 'alemão' compensa essas deficiências de outras maneiras, sendo um dos atletas mais desenvoltos da NBA em sua posição. Ele tem os pés muito ágeis, salta bastante e, por isso, é um defensor valioso, podendo tanto proteger o aro como atuar na cobertura eficaz do pick-and-roll, fechando a porta na cara de armadores ou alas. Também tem os músculos para batalhar. Mas não é só de atributos atléticos que o grandalhão vive. Os quatro anos com o Coach K em Duke certamente foram importantes para seu desenvolvimento como jogador, e o apreço que desperta em seu mentor é inegável, a ponto de ser convocado para a seleção americana. Seu posicionamento defensivo é impecável, enquanto no ataque ele tem boa visão de quadra e dificilmente vai tentar algo além de suas capacidades. São cravadas, bandejas e nada mais que isso na hora de finalizar. Mas ele é eficiente, produtivo e ainda passa a impressão de que está em pleno desenvolvimento. Se é o titular do futuro? Improvável. Mas é um jogador útil e que terá longa e lucrativa carreira na liga.
Um card do passado: Geoff Petrie. Damian Lillard vem de cinco partidas com ao menos 30 pontos anotados. Ele é o primeiro Trail Blazer a conseguir esse feito desde o armador na temporada… 1970-71, quando o clube estreou na liga. Sim, nem mesmo Clyde Drexler conseguiu. E, sim, também: é o mesmo Petrie que foi gerente geral do Sacramento Kings por longa data e montou o time de C-Webb, Peja, Divac e Bibby – e, depois, só se atrapalhou, ajudando o Kings a virar essa bagunça que dura até hoje.
Pois bem. Há mais de 40 anos, era um cestinha com largo alcance em seu arremesso, mesmo que não existisse linha de três pontos. Formado na badalada Princeton, Petrie foi a primeira grande esperança basqueteira em Portland, com média de 24,8 pontos em sua campanha de novato, muito antes da contratação de Bill Walton. Para constar, os dois foram parceiros por dois anos. Todavia,sSofregamente, num tema que é recorrente na franquia do Oregon, Petrie também viu sua estelar carreira ser abreviada muito cedo por conta de uma lesão no joelho, em 1976, um ano antes de um dos times mais inspiradores da liga ganhar o campeonato.
Para saber mais sobre essa história e as idas e vindas de uma equipe de NBA, existe uma leitura obrigatória: o livro ''The Breaks of the Game'', de David Hallberstam, um jornalista que marcou época na imprensa americana primeiro na cobertura de guerras e política e, mais tarde, foi para cima do esporte, com um faro único para encontrar histórias e um texto implacável para contá-las.