Vinte Um

A surra contra o Warriors dói. Mas, no plano geral do Cavs, foi um só jogo

Giancarlo Giampietro

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Numa temporada regular de 82 jogos, a primeira lição para qualquer time da NBA é a de que você não deve reagir com desespero a nenhum resultado isolado.

Mas, quando um Cleveland Cavaliers toma uma sacolada de 34 pontos da equipe pela qual havia sido derrotada na final do campeonato anterior, aí é difícil de segurar. E este será o principal desafio dos LeBrons e Dan Gilbert daqui para a frente: por mais dolorida e chocante que tenha sido a derrota de segunda-feira, em rede nacional, não é que o time esteja totalmente sem rumo,  chão ou teto. Eles precisam se apegar a uma tese que circulou nesta terça: o Cavs por ora só tem de se conformar com o fato de estar um degrau abaixo de Golden State Warriors e San Antonio Spurs. Em 20 de janeiro de 2016, isso não significa o inferno na terra, de modo algum.

Que há problemas para serem resolvidos? Claro que sim. Vamos falar mais deles adiante, sendo que, na ressaca já encarada no vestiário depois do espanco sofrido, uma velha questão ressurgiu. Antes de buscar um diagnóstico sobre o que teria dado de errado em sua tentativa de revanche, não dá para esquecer o que já está dando certo para o time, na metade da temporada.

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De acordo com o NBA.com, o Cavs é um dos cinco times que estão posicionados entre os dez mais eficientes tanto na hora de defender como na de atacar – os outros são Warriors (toin!), Spurs (pumba!), OKC Thunder (Durant + Wess = sucesso) e o digníssimo Atlanta Hawks (em ascensão discreta, tipicamente).

Sim, mesmo depois de levar 132 pontos de seu mais recente algoz, o conjunto está em sétimo quando tenta proteger sua cesta, não muito distante de Miami Heat e Chicago Bulls. Seu sistema ofensivo aparece em quinto, atrás de Warriors, Thunder, Spurs e Clippers, mesmo que Kyrie Irving tenha jogado em apenas 13 partidas e ainda esteja recuperando o ritmo. Desta forma, a cada 100 posses de bola, o conjunto de David Blatt tem o quarto melhor saldo, de 5,4, abaixo só da trinca do Oeste acima citada.

É aqui que entra a tese de que, em qualquer campeonato mais normalzinho, o Cavs estaria ali no topo das estatísticas, com plenas chances de título. Acontece que, vocês já devem ter percebido, não estamos em uma temporada comum, pois Warriors (apenas quatro derrotas em 42 jogos e saldo de 13,3 pontos a cada 100 posses) e Spurs (seis derrotas em 42 jogos) e saldo de 14,9, que é o melhor da história) elevaram a barra a um patamar raríssimo de se alcançar.

Kevin Love que se cuide: o Warriors pode deixá-lo exposto

Kevin Love que se cuide: o Warriors pode deixá-lo exposto

Então, sim: se for para pensar no tipo de jogo daqueles que hoje são os dois grandes favoritos da NBA, o grito de alerta de LeBron deve ser levado a sério por qualquer jogador no vestiário do time. ''Esta noite foi um exemplo de quão longe estamos do nível de se lutar pelo título'', afirmou, visivelmente abatido, na Quicken Loans Arena. Registre-se, de todo modo, que o craque vem batendo nessa tecla desde os primeiros dias do calendário.

Isso que parece, à distância, o mais preocupante. LeBron pode simplesmente estar pressionando seus companheiros para lhes tirar de uma traiçoeira zona de conforto que o Leste proporciona a um timaço. Por mais que o nível da conferência tenha subido nestes dias, ainda não há um rival que possa, com convicção, erguer a mão em meio à multidão e desafiar os cavaleiros de Cleveland. Mas uma coisa é bater o Raptors em seis jogos. Outra é se preparar para uma decisão que, descontando qualquer lance de sorte, será uma batalha tão ou mais ferrenha que a de 2015. O nível de exigência é altíssimo. Estamos falando de excelência. Então precisa cobra diariamente, mesmo, a dedicação extrema, a atenção e o comprometimento com os pequenos detalhes etc.

Todavia, a outra versão para essa história, que teima em não ir embora, pode ser maior. Pode ser que os constantes recados dados por Sua Alteza tenham como origem uma preocupação ainda maior com o que se passa no vestiário e no dia-a-dia do clube em geral. Mas o que poderia ser isso? Bem… Acho que, dentre algumas possibilidades, o torcedor do Cavs já desconfia da resposta: a relação com David Blatt (sobre a qual já escrevemos muito aqui) ou Kevin Love.

No pós-jogo deprimente de segunda, LeBron não soltou nenhuma indireta sequer que pudesse atingir seu treinador. Em relação aos companheiros de time, porém, havia uma observação a ser feita. ''Temos alguns caras inexperientes que ainda não disputaram jogos de basquete que valham alguma coisa e sirvam como lição. Quando as coisas ficam um pouco difíceis em quadra, não é que eles tenham experiência prévia para consultar e que possa ajudá-los a enfrentar o que está acontecendo'', afirmou em coletiva.

O comentário é praticamente uma contestação. Não tem muitos adjetivos, nem nada pesado. O elenco do Cavs tem realmente pouca bagagem de vitórias expressivas e grandes duelos. Anderson Varejão, Mo Williams e Richard Jefferson, na verdade, são os únicos ali com vasta experiência de playoff, e eles nem têm muito espaço assim na congestionada rotação de Blatt.

Depois, em conversa quase informal com os setoristas de Cleveland, LeBron levou a conversa adiante e, aí, mesmo sem citar seus nomes, matutou especificamente sobre Love e Irving ao dizer que alguns de seus colegas , devido a lesões, não haviam ganhado essa experiência valiosíssima de se lutar com os companheiros nos momentos mais duros do campeonato. E era a estreia deles nos mata-matas. De novo: não é um ataque. Já vimos o astro ser muito mais ácido.

Acontece que, do outro lado, Kevin Love não parecia o sujeito mais contente em assumir a bronca toda por sua inexperiência em grandes jogos. ''Temos de melhorar em um monte de coisas. Isso vai fazer com que vários caras se olhem no espelho, e tudo começa com o nosso líder ali e vai para baixo'', afirmou, apontando precisamente para o camisa 23.

Antes que o torcedor brazuca do Cavs se inflame e acuse A Diabólica Mídia (Ah, Essa Mídia) de procurar semear a discórdia em sua equipe,  como já vi acontecer antes, é preciso ter em mente que todos os relatos que li sobre esse pós-jogo, incluindo o de jornalistas locais, dão a entender que Love fazia cara de poucos amigos ao dar sua declaração, meio que dizendo: não sou apenas eu o problema.

O ala-pivô provavelmente ainda não sabia que o vine abaixo, do Basketball Breakdown, já havia viralizado:

Contra um time que roda a bola em alta velocidade e movimenta seus jogadores no mesmo ritmo, com até cinco arremessadores ao mesmo tempo em quadra, Love não pode estar nem meio passo atrasado em suas  coberturas. Quando está até dois ou três passos para trás, cumprica. Que ele não tenha se dado conta de que um cara como Draymond Green pode flutuar para o perímetro depois de um corta-luz, é porque alguma coisa está muito errada. Aí vira piada, mesmo, e não tem como olhar para David Blatt, que procurou chamar a culpa para si, dizendo que assumia toda a responsabilidade pelo aparente despreparo tático e emocional de seu time para um confronto tão chamativo. Se esse for o padrão de atenção defensiva que o jogador de US$ 110 milhões vai levar aos playoffs, será o caso de seu treinador repensar seu tempo de quadra. Contra o Warriors, é impensável ter um defensor caçando borboletas desta forma.

Mas, não, a derrota impactante não se explica apenas pela defesa displicente de um ala-pivô. O próprio LeBron, talvez desanimado com o que via em quadra, ficou devendo e deu sua contribuição para o maior déficit de pontos que já viu seu time sofrer em todos os 1.127 jogos de sua carreira, quando o Warriors abriu 43 pontos de vantagem, segundo a ''ESPN Stats & Info''. Numa partida especial dessas, o ideal é que o time não peça de LeBron uma atuação de super-herói, tal como aconteceu nas finais, devido a circunstâncias infelizes. Mas você espera mais do que 16 pontos, 5 rebotes e 5 assistências e 43,8% nos arremessos, sem nenhum tiro de fora, em 33 minutos.  Ele não precisa carregar o time, mas, diante de grandes desafios, as responsabilidades são maiores. (E talvez seja essa a sua mensagem para os parceiros mais jovens, tirando o pé para ver no que dá. Para constar, sua atuação e linha estatística de quatro noites antes, em San Antonio – para seus padrões, que fique claro – também não estavam entre as superlativas: 22 pontos, 7 rebotes e 5 assistências, com 52,9%.)

Dureza

Dureza

Em Cleveland, ciente de que provavelmente seus oponentes viriam com tudo em sua direção após a declaração sobre o cheiro da champanhe, Stephen Curry estraçalhou a defesa do Cavs desde o início do jogo, chegando aos mesmos 16 pontos antes mesmo do intervalo. Terminou com 35 pontos e alguns de seus arremessos impossíveis (12-18 de quadra, 7-12 de três pontos, em 28 minutos). Juntos, para relativizar, LeBron, Love e Kyrie Irving fizeram 27 pontos.

Os donos da casa ficaram devendo como um todo, como time, especialmente na defesa. Não precisa nem colocar aqui um clipe de cesta em contra-ataque do Warriors, pois foram várias as situações em que desciam dois ou até mesmo três contra um no primeiro tempo, para abrir uma vantagem de 26 pontos em 24 minutos de jogo. No geral, foram 17 pontos em contra-ataque na súmula oficial, mas muitos outros gerados pelo desequilíbrio e lerdeza da transição defensiva do adversário.

Foi um horror, é verdade, e isso joga pressão para cima do time como um todo.

Mas não foi de acordo com o padrão apresentado pelo Cavs no campeonato. Então é preciso paciência por parte de LeBron e, especialmente, Dan Gilbert, um bilionário que já perdeu muitas vezes as estribeiras quando o assunto é seu clube de basquete. LeBron vai apertar o passo nos mata-matas. Até lá, tem tempo para Irving refinar seu drible e arremesso e resgatar a agressividade da segunda metade da temporada passada. Nesse meio tempo, Love pode repensar algumas coisas, enquanto Blatt deve fazer o mesmo em relação ao ala-pivô, se ele não apresentar melhoras.

Voltamos à regrinha de que, ok, era um senhor jogo, com todo mundo assistindo e aquele desejo de se firmar como resistência e dar o troco. Mas, ainda assim, só um jogo. ''Vamos ter um monte de tropeços no caminho, e isso é normal. Vamos aprender e melhorar com isso. O melhor professor na vida é a experiência, e é bom passar por isso'', disse o craque.

Vale o recado geral, olhando no espelho, ou não.