Jukebox NBA 2015-2016: Skiles, Orlando e o Pearl Jam
Giancarlo Giampietro
Vamos lá: a temporada da NBA já está quase na metade, e o blog passa da malfadada tentativa de fazer uma série de prévias para uma de panorama sobre as 30 franquias da liga, ainda apelando a músicas, fingindo que está tudo bem. A gente se esbalda com o YouTube para botar em prática uma ideia pouco original, mas que pode ser divertida: misturar música e esporte, com uma canção servindo de trilha para cada clube. Tem hora em que apenas o título pode dizer algo. Há casos em que os assuntos parecem casar perfeitamente. A ver (e ouvir) no que dá. Não vai ter música de uma banda indie da Letônia, por mais que Kristaps Porzingis já mereça, mas também dificilmente vai rolar algo das paradas de sucesso atuais. Se é que essa parada existe ainda, com o perdão do linguajar e do trocadilho. Para mim, escrever escutando alguma coisa ao fundo costuma render um bocado. É o efeito completamente oposto ao da TV ligada. Então que essas diferentes vozes nos ajudem na empreitada, dando contribuição completamente inesperada ao contexto de uma equipe profissional de basquete:
A trilha: ''The Fixer'', por Pearl Jam.
O ''fixer'' é aquele cara que dá um jeito nas coisas. Não só um quebra-galho, mas alguém que realmente soluciona seus problemas, e de modo profissional, direto e reto. Como na letra: se está muito escuro, ele vai jogar um pouco de luz. Se algo já passou ou está perdido, ele vai brigar para recuperar. Pensem em Pulp Fiction e Winston Wolf, com Harvey Keitel controlando tudo. Na NBA, Scott Skiles desenvolveu essa reputação em sua carreira como treinador. Aos 51 anos, assumindo seu quarto time diferente, 0 ex-armador parecia ser o cara mais indicado para lidar com uma equipe que não venceu mais do que 25 partidas nas últimas três temporadas e teve aproveitamento de 27,6% nesse ínterim. Ainda mais tendo vínculos históricos com a franquia.
OK, Jacque Vaughn merece um desconto: ele foi contratado quando a franquia havia passado por um processo de implosão, ainda procurando um rumo depois de aturar tanta choradeira (e flatulência…) por parte de Dwight Howard. Não era das tarefas mais fáceis de modo nenhum, ainda mais com o time carente de escolhas altas de Draft para uso imediato.
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Acontece que, com o acúmulo de campanhas fracas, as oportunidades para se garimpar jovens talentos de ponta vieram. Não sabemos ainda o que vai ser de Victor Oladipo, Aaron Gordon e Elfrid Payton, mas o potencial do trio é inegável. Ao mesmo tempo, Nikola Vucevic se firmou como uma grande surpresa no garrafão, enquanto Tobias Harris foi surrupiado de Milwaukee, alguns bons cidadãos foram contratados.
Nos últimos três campeonatos, o Orlando estagnou na hora de atacar, com 98,6, 99,3 e 99,5 pontos a cada 100 posses de bola, o que lhe valeu apenas as 27ª, 29ª e 25ª colocações no ranking de eficiência ofensiva. De nada adiantaram os reforços ou o ganho de experiência dos jogadores já presentes para que o time decolasse. Além disso, não é que do outro lado da quadra as coisas fossem tão diferentes assim. O time teve as sexta e sétima piores defesas da liga com Vaughn e só apresentou um certo grau de evolução na campanha 2013-14, na qual terminou em 18º nesse quesito, para, depois, regredir. Muito pouco, ou quase nada.
E aí entra em cena o ranzinza Skiles, com suas sobrancelhas (ou o que restam delas) pesadas e uma abordagem detalhista e implacável. Alguém cujas equipes melhoraram consistentemente depois de sua chegada. O Phoenix Suns saltou de 54% de aproveitamento para 64,5% com ele, em 1999-2000. O Chicago Bulls sofreu um pouco em 2003-04, com 28,8%, vindo de 36,6% no ano anterior, mas, em sua segunda campanha, já ganhava mais do que perdia (57,3%). Depois foi a vez do Milwaukee Bucks, que pulou de 41,5% para 56,1%. Em 13 anos, foi para os playoffs seis vezes.
O ganho, em geral, acontece na defesa. Em sete de suas 13 campanhas como treinador, Skiles gerenciou uma retaguarda que se colocou entre as dez mais eficientes da liga. Em seis dessas jornadas, na real, elas estavam entre as quatro mais duras de serem batidas. Sob sua orientação e a nova parceria com Monte Mathis, ex-coordenador defensivo de Rick Carlisle em Dallas, o Orlando ainda não chegou a este patamar, mas já deu um salto dramático, ocupando hoje a 14ª posição, sofrendo 101,5 pontos a cada 100 posses de bola.
Como faz isso? Para Skiles, não tem muito segredo: é preciso trabalhar. Sim, com alguns conceitos básicos para vedar o garrafão. Mas aí não basta um sistema: os jogadores têm de saber aplicá-lo. E, para isso, precisam de fundamentos. Sim, gente, todo jogador ainda tem o que aprender ou, pelo menos, aprimorar. Mesmo os de NBA, especialmente com elencos tão jovens. Você faz de tudo: como contestar um arremesso do lado contrário, como manter a bola em um lado da quadra, comunicação, bloqueio de rebote, como se comportar marcando em cima da bola, ou longe dela. Muitos e muitos exercícios de repetição em cima disso. Um processo enfático. Melhor que ele fale a respeito.
''Você tem de estabelecer sua fundação cedo e repetidas vezes durante os treinos. Tem de tirar toda e qualquer dúvida que os jogadores possam ter, em termos de suas responsabilidades em quadra. Eventualmente, eles tiram conforto disso. Sabem que, com o tempo, não vão precisar ficar pensando sobre o que deve ser feito, sobre quando trocar a marcação etc'', contou Skiles, em sua apresentação. ''Quando você elimina essas dúvidas todas, é a hora em que eles sabem suas responsabilidades e começam a fiscalizar as coisas por conta própria. Cada jogador sabe exatamente 1000% o que deve ser feito, a cada dia. Mas isso precisa ser ensinado: o simples posicionamento dos pés, do corpo, das mãos, como para qualquer criança mais jovem. Vamos ser um bom time defensivo, só não sei quando. Mas sei que vamos conseguir isso.''
Um bom trabalho de um lado leva quase que invariavelmente a um melhor rendimento do outro. Os grandes treinadores conduzem defesa e ataque juntos. Uma coisa não deve funcionar separada da outra. São simbióticas. Na hora de buscar a cesta, então, o Magic tem agora é o 17º em eficiência. Curiosamente, o time faz os mesmos 101,5 pontos que toma a cada 100 posses de bola. Estão zerados, nesse sentido, e a tendência é de subida para os próximos meses e, principalmente, para 2016-17.
Agora… Tem uma coisa. Qualquer clube que contrate Skiles sabe qual o restante da história, do pacote. Não é alguém que, a despeito dos bons trabalhos, consiga ficar muito tempo em um lugar, até pelo estilo ranheta. Acho que 98,5% das relações humanas se desgastam com o tempo. A diferença é que, com este treinador, esse desgaste acontece em ritmo mais acelerado. Em Phoenix, depois de dois anos como assistente, só ficou uma temporada regular completa como técnico principal, tendo assumido durante um campeonato e sendo demitido no meio do outro. Em Chicago, ficou quatro anos. Em Milwaukee, foram três anos e meio. Em todos os seus empregos anteriores, foi demitido durante a temporada. Se for para fazer um paralelo com o futebol, seria José Mourinho, com a diferença de que o enjoado português tem muito mais sucesso em termos de troféus.
A pedida? Playoffs, quem sabe? Mas não vai ser fácil. Com poucos meses de instruções, Skiles já colocou o Orlando a briga por uma vaga no Leste, mas teve o azar de ver boa parte do pelotão intermediário da conferência despertar e sair da hibernação na mesma hora. Com o atual rendimento de 52,6%, teriam terminado em sétimo na temporada 2013-14 e em sexto em 2014-15. Agora, neste ano, ao meu ver, são quatro vagas a serem disputadas por sete times: Magic, mais Heat, Pistons, Celtics, Knicks, Wizards e Hornets.
(Não vou me estender sobre cada um desses times, pois tudo tem sua hora. Mas imagino que colocar o Miami nesse pelotão possa causar surpresa. Então vamos lá: no papel, é o elenco de mais cancha e mais qualificado, sim. Mas é fato que Wade e Dragic ainda não se entenderam em quadra e que Erik Spoelstra também não tem ajudado muito a vida dos dois. Você também não pode contar tanto assim com 80 jogos de Wade numa temporada. Neste momento, o time também se vê no meio de uma sequência duríssima de jogos até o All-Star Game, com 14 jogos na estrada e duelos em casa com San Antonio, LA Clippers, Atlanta e Milwaukee. Ao final desta série, vamos ver qual será a campanha. Por fim, a situação contratual de Hassan Whiteside pode virar um problema.)
A gestão: o gerente geral Rob Hennigan parece entregar aquilo que a trilhardária família DeVos esperava: um Sam Presti light, tendo seu contrato renovado e prolongado até 2018 (o que não está tão longe assim, mas, ainda assim, significa algo de valioso depois das campanhas penosas dos últimos anos).
Hennigan tem, acreditem, apenas 33 anos de idade, sendo o dirigente mais jovem da liga, e, até o momento, vem fazendo um trabalho competente e paciente na coleta de jovens peças, sem apelar tanto como Sam Hinkie. Se o seu retrospecto no Draft ainda não é nenhum estrondo, também não dá para dizer que seja um fiasco, e isso só poderá ser avaliado de maneira mais razoável daqui a uns dois, três anos. O que dá para perceber é sua perspicácia em pequenas trocas que acabaram se tornando grandes para o time, como quando obteve os jovens e talentosos Harris e Evan Fournier ao despachar futuros agentes livres veteranos como JJ Redick e Arron Afflalo.
É o tipo de negócio que deixou Orlando numa posição interessante: o clube tem uma série de jogadores que podem amadurecer juntos e formar um núcleo fortíssimo, ao passo que também podem ser combinados em um superpacote para buscar uma troca por um All-Star, sem que a terra fique tão arrasada assim em uma transação de quatro-por-um, ou algo do gênero. A folha salarial também está sob controle, com espaço para adição de mais talentos nos próximos mercados de agente livre, ou para absorver eventuais extensões contratuais de Oladipo, Gordon e que tais. É a tal da ''flexibilidade'', tão valorizada na condução de uma franquia e não muito simples de ser atingida.
Olho nele: Aaron Gordon. Se nenhuma lesão de última hora atrapalhar as coisas, muito provavelmente o ala estará no torneio de enterradas em Toronto. Aí é a hora em que você, leitor mais chato e consciente, pode dizer: e daí? Desde quando isso vale alguma coisa? No que deu o Harold Miner?! Sim, sim, sim, está certinho: por mais exuberante Gordon seja como atleta, sua impulsão e elasticidade não valem de nada se ele não souber o que fazer com a bola. E, hoje, a quarta escolha do badalado Draft de 2014 ainda não faz muito com ela. É um projeto em desenvolvimento e mais uma prova clara de que a formação de base dos Estados Unidos já têm alguns grandes buracos para serem tapados. Entre fraldinhas e juvenis, alguém que seja tão vigoroso e saltitante se impõe por conta própria. Aconteceu o mesmo quando o americano foi enviado ao Mundial Sub-19 de 2013, devorando a concorrência no garrafão. Entre profissionais, ele manteve a agressividade e produtividade, concluindo 69,2% de suas finalizações nas imediações da cesta.
Mas Gordon tem muita mobilidade para ser limitado a um jogador de uma bola só no ataque (cravadas e cravadas). Aos poucos, com apenas um ano pela Universidade do Arizona e uma campanha de calouro acidentada, novos elementos vão surgir. E aí tem de ser um trabalho de formiguinha, de longo prazo, adicionando um a um. A prioridade no momento é seu chute de três pontos, com os pés plantados, chegando agora a 34,7% de rendimento. Não é o ideal, mas já é um começo. Jogadas a partir do drible vindo do perímetro, arremessos em movimento, criação para os companheiros… Há muito o que ser desenvolvido no ataque. No momento, ele não representa ameaça alguma se não estiver equilibrado na linha perimetral ou atacando o aro. Ainda assim, o ala já merece seus quase 20 minutos por jogo pelo que é capaz de fazer na defesa, com uma presença física e vitalidade incômodas, imponentes e multiuso.
Um card do passado: Scott Skiles, dãr. essa é das anedotas mais batidas de qualquer transmissão da NBA, mas não tem como deixar passar. Na temporada 1990-91, em seu segundo ano como um dos pioneiros do Orlando Magic, o armador aproveitou que estava enfrentando uma das defesas mais patéticas da história (a do Denver Nuggets no início daquela década) e, no dia 30 de dezembro, ainda inspirado pelo espírito natalino, distribuiu 30 assistências em quadra no antigo . Até hoje é o recorde em uma partida de temporada regular, e duvido que alguém um dia supere essa marca.
O Orlando venceu aquela partida por inacreditáveis 155 a 116, e Skiles esteve envolvido em 60,6% das 61 cestas de quadra que o clube da Flórida anotou, terminando com um double-double (marcou ainda 22 pontos, numa linha estatística para lá de absurda). E não é que ele tivesse Shaquille O'Neal ao seu lado para desviar atenção da defesa e completar pontes – o gigantão só viraria vizinho do Pateta dois anos depois.O ala reserva Jerry Reynolds, que viveu seus únicos anos produtivos na liga como opção de um time de expansão, foi o cestinha, com 27 pontos em 26 minutos. No quinteto titular, ainda estavam os alas Dennis Scott e Nick Anderson, que fariam parte do time memorável de 1993 a 1996, além de Terry Catledge e do pivô Greg Kite, que era um horror.
Um armador de espírito enfezado, astro nos tempos de High School em Indiana e que aprontou das suas na época de universitário, sendo inclusive preso por dirigir embriagado e com posse de *entorpecentes*, Skiles era um armador cerebral no ataque e se tornou, com o passar dos anos, um ótimo arremessador, mas, curiosamente, entregava o ouro como defensor.