Com repertório expandido, Felício causa boa impressão geral pela D-League
Giancarlo Giampietro
Quando um time de NBA perde um pivô com todas as habilidades de Joakim Noah, tende a se enrascar. Mas não o Chicago Bulls. Para Fred Hoiberg, isso significa dar mais minutos para Taj Gibson mostrar seu confiável arremesso de média distância e cobrir terreno com movimentação lateral invejável. Pau Gasol também vai ganhar mais espaço para fazer das suas no garrafão, enquanto Nikola Mirotic tem mais chances para encontrar o rumo da cesta. Ah, e claro, para não falar do hiperprodutivo Bobby Portis, o calouro número 22 do Draft que parece ter sido escolhido, no mínimo, 12 posições mais cedo. Estamos falando já de quatro caras mais que competentes para compor uma linha de frente, e o quinto homem seria um grandalhão pouco ágil ou atlético, mas que faz parte da seleção australiana, é grande, forte, adora uma pancadaria e tem bons fundamentos para ajudar no andamento de um treino e tal.
Pensando nesse mundaréu de gente, não deixava de ser uma grata surpresa que o escritório gerenciado por John Paxson, operando sob as ordens do quase sempre avarento Jerry Reinsdorf, tenha, num primeiro momento, contratado Cristiano Felício e, agora, nesta semana, garantido seu contrato até o final a temporada. Lembremos que, numa decisão rara, o proprietário do clube já havia topado ultrapassar a temida ''luxury tax'' em US$ 5 milhões neste ano e ainda não viu problema em pagar mais US$ 500 mil para o pivô brasileiro.
Agora, ao vê-lo em ação nesta semana pelo Canton Charge, da D-League, jogando com desenvoltura, energia e repertório expandido, após ter disputado apenas duas partidas pela temporada regular, sem que tivesse entrado em quadra desde o dia 27 de novembro, o voto de confiança e a aposta no mineiro de Pouso Alegre parecem mais do que justificado. Parecem certeiros.
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Ok, não vamos julgar nada com base em duas partidas e 50 minutos pela liga de desenvolvimento. Mas é que, como brasileiros, temos uma vantagem sobre os americanos, né? Pelo menos em relação aos scouts que não tenham feito o dever de casa ao acompanhar o pivô que despontou em cenário internacional na mesma turma de Raulzinho e Lucas Bebê, o tendo se exibido para os olheiros mais atentos em 2011.
Não que os Bulls fossem os únicos antenados. Sei de dois clubes da Conferência Oeste que ao menos colocaram o nome de Felício em pauta para a composição de seus elencos de verão, mas nenhuma oferta foi feita. Um desses clubes esteve no Brasil para avaliar a garotada do Pinheiros e também inseriu seu nome no caderno de notas. Outro adorou o que viu de seus amistosos pelo Flamengo no giro de pré-temporada em 2014. Além disso, claro, pôde ser observado no adidas Eurocamp de Treviso no ano retrasado, seu bom desempenho não foi o suficiente para lhe valer uma vaga no Draft.
Como vemos agora, um ano e meio depois, não era o fim do mundo. Nesta semana, depois de cerca de um semestre de treinos com a comissão técnica de Hoiberg, pudemos ver um atleta com truques novos, enfrentando jogadores de NBA, ou que tentam voltar para lá, além de veteranos aspirantes e universitários recém-formados de sua idade, angariando mais fãs.
''Felício desenvolveu um arremesso de três pontos. Se ele puder sustentar isso, estamos falando de um cara que vai ficar muito tempo na liga'', avaliou um scout presente no ginásio do Santa Cruz Warriors, que recebe o chamado ''Showcase'' da D-League, com todos os clubes menores reunidos para uma série de partidas da temporada regular, agrupadas, em sequência.
Agressão
Um pouco do que Felício fez na primeira partida do Charge por estes jogos valem mais que uma exibição está aqui:
E aí já dá para reparar em como o arsenal do pivô revelado pelo Minas Tênis apresenta uma surpresinha ou outra. A começar pelos arremessos confiantes de longa distância, devidamente destacados pelo olheiro acima, e um diferencial que, sabemos bem, mais da metade da liga está buscando em seus grandalhões. Contra o Idaho Stampede, ele matou duas em quatro tentativas, sendo que a quarta foi desequilibrada, no estouro do cronômetro ofensivo. Os ataques a partir do perímetro também envolvem arremessos de média distância, do tipo que arriscava pelo Flamengo.
Mas há algo mais interessante aqui. Não é que o brasileiro tenha dado 'apenas' um ou dois passos para trás e expandido seu alcance no chute. Ele não parou por aí, literalmente, pois também vem apresentando movimentos calculados e inteligentes em direção ao garrafão quando não está em posição confortável para atacar o aro. Um lance no segundo tempo exibido no clipe acima mostra o jogador buscando a infiltração e finalizando de canhota com muita categoria. Da mesma forma que fez aqui na primeira partida pelo Charge contra o Oklahoma City Blue:
É uma bolaça, hein? Convenhamos. O que chama a atenção é novamente a conclusão com a mão trocada e a paciência que ele teve para iniciar a jogada, cortando da direita para a esquerda, sob controle. Alguém se lembra de ver uma ação semelhante por sua parte durante os títulos do Flamengo pelo NBB? Não me bate na telha, não. Felício esteve sempre em calmo no ataque, sem se precipitar para nada, tomando decisões corretas. Cometeu dois turnovers na primeira partida, mas não foi nada de alarmante. Em um deles, a arbitragem viu o uso indevido do braço na hora de se proteger e buscar a cesta cortando pelo fundo de quadra.
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Também não forçou a barra para buscar números e glória, mesmo que não jogasse há tempos. A diferença é que, comparando com Caboclo e Bebê, Felício ao menos teve muito mais tempo de quadra nas últimas duas temporadas pelo Flamengo, ainda que, em muitos momentos, a impressão era a de que ele pudesse ser muito mais utilizado, e seus lances pela D-League americana assim como a dominância na LDB brasileira comprovam isso. Felício pode ser muito mais do que um jogador de corta-luz e rebote no ataque. Sua habilidade como passador é bastante subestimada.
Em meia quadra:
Ou mesmo em transição:
Importante notar que o brasileiro nunca havia jogado com nenhum de seus companheiros antes. O Canton Charge é a filial do Cleveland Cavaliers, que curiosamente quebrou um galho para o rival de Divisão Central. Então na hora de fazer o corta-luz para seus armadores, abrir para o chute, ou mergulhar em direção ao garrafão, as coisas não saíam muito naturais. Falta química, claro. O entrosamento é mínimo. A despeito dessa limitação séria, se saiu bem. É preciso dizer também que ele tem bons jogadores ao seu redor, como os armadores Quinn Cook, campeão universitário por Duke e Coach K, e Jorge Gutiérrez, o mexicano ex-Bucks e Nets, o ala-pivô Nick Minnerath, versátil demais e que estaria ganhando uma boa grana na Europa, o ala John Holland, que joga por Porto Rico, e o ala CJ Wilcox, chutador cedido pelo Clippers. Ajuda ter gente qualificada ao lado, com instruções do técnico espanhol Jordi Fernandez, que trabalhava com academia Impact nos EUA.
Felício conquistou o respeito desses caras. Não basta ter o selo de NBA se não for para justificá-lo. Em termos de atitude, o brasileiro também se mostrou motivado, vibrando com as cestas dos parceiros. Essa atitude positiva se traduziu em energia em quadra, algo que nem sempre acontece no caso de enviados da liga de cima, que podem encarar a passagem pela D-League como um rebaixamento e algo de se envergonhar. Bobagem e egocentrismo exagerado, claro, em vez de se aproveitar a chance. Pois o pivô correu muito bem a quadra toda, com muita disposição e, contra a filial do Thunder, bateu seus adversários consistentemente. Veja esta sequência em que ele ganha o rebote num tapinha e já inicia o contra-ataque para concluí-lo de forma enfática:
Que tal a agressividade? Em detalhe:
Está aí outra abordagem que não era lá tão comum nos dias rubro-negros. Felício está buscando a cravada e o toco, está jogando acima do aro, e isso, no seu caso, vale muito mais como termômetro de intensidade e conforto em quadra do que pelo show:
Então temos isso hoje: um pivô que desenvolveu seu arremesso, sabe quando utilizá-lo, pode por a bola no chão e finalizar com autoridade ou categoria perto da cesta, podendo marcar 35 pontos em 50 minutos, com aproveitamento de 65,2% de quadra. Sai jogo daí, pelo menos no nível da D-League, por ora, aos 23 anos.
Agora, pensando em NBA, todas essas informações são bem relevantes, mas não necessariamente essenciais. Pois, num primeiro momento, tanto o Bulls como a concorrência não vai procurar neste showcase um jogador de referência, para carregar o ataque titular ou da segunda unidade. A prioridade dos scouts é encontrar peças complementares, para ajeitar a rotação. Que possam produzir algo no ataque, mas que, essencialmente, cuide bem das coisas do outro lado. ''Rebotes, defesa, jogar duro e de forma inteligente: são essas as chaves para ele'', afirma outro scout ao blog.
Contenção
Contra o OKC B, Felício pegou apenas três rebotes em 27 minutos. Um problema? Não, pelo menos não para que tenha visto o jogo. Este é mais um caso de como se precisa muita calma na hora de falar sobre os números que sejam computados numa súmula de jogo. Foram várias as ocasiões em que o brasileiro simplesmente limpou terreno para que seus companheiros pudessem fazer a captura da bola. Como no vine abaixo, em que consegue conter o corpanzil de Dakari Johnson, um pivô muito promissor vindo da fornalha produtiva de John Calipari em Kentucky:
Felício é um bom reboteiro, com uma base forte nas pernas para guardar posição, excelentes mãos para fazer o controle e tino para se posicionar bem, compensando a impulsão reduzida quando tem os dois pés no chão. Número por número, já foram oito em 22 minutos contra o Stampede.
Na hora de proteger a cesta, uma característica pôde ser notada: Felício se saiu muito melhor contra pivôs mais pesados, que gostem de jogar perto da cesta, do que contra alas-pivôs ágeis e flexíveis que pudessem atacar usando o drible frontal, fora do garrafão. Abaixo, ele consegue segurar Dakari Johnson no tranco. Depois, vê Talib Zanna, mais baixo e leve, lhe contornar. Primeiro, a brecada:
Deu Cesta:
Em quadras brasileiras, Felício já mostrou mais agilidade em seu deslocamento lateral, sendo o tipo de pivô que consegue brecar armadores. Nessas últimas duas partidas, pareceu um pouco mais pesado e lento. Ou talvez seja apenas a relativização de suas habilidades atléticas diante de atletas de primeiro nível, tal como aconteceu em pelo menos três investidas de jogadores do Stampede, deixando o brasileiro para trás. É algo para se acompanhar. Pensando na NBA, é muito mais provável hoje que ele tenha que lidar com Zannas do que Johnsons. É algo que os scouts vão analisar com cuidado.
De toda forma, a impressão em geral no momento é de surpresa e otimismo. Em Chicago, num time que sonha com o título, com tantos pivôs qualificados acima na rotação, Felício não vai ter muitas chances nesta temporada. Mal vai jogar. Ainda assim, teve seu contrato renovado, o que para ele, no câmbio de hoje, também rende uma gratificante bolada, além da satisfação de (primeiro) dever cumprido. Ao mesmo tempo, Paxson, o gerente geral Gar Norman e o técnico Fred Hoiberg sabem de que tipo de talento estão cuidando. Estão pensando mais longe, pedindo um investimento de Reinsdorf para o futuro. E, assim como aconteceu com Portis, para o restante da liga a capacidade de se seu outro pivô talentoso e novato não é mais segredo nenhum.