Vinte Um

James Harden, um turnover e a liberdade de se tomar uma decisão

Giancarlo Giampietro

Parece que a ampla maioria da rapaziada que embarcou no plantão corujão na madruga desta quinta para sexta entendeu que o técnico Kevin McHale cometeu um erro gravíssimo ao não pedir tempo e parar o jogo quando Harrison Barnes errou uma bandeja em reverso meio exagerada, com o rebote sobrando para seu Houston Rockets. Na mão de James Harden. Restavam 9 segundos no cronômetro, e o placar era de 99 a 98 para o Golden State Warriors.

McHale deixou o jogo correr, e o Sr. Barba saiu em disparada, e em três segundos, o Rockets tinha vantagem numérica na transição ofensiva, com quatro atletas contra três cruzando primeiro a linha que divide a quadra. Havia diversas possibilidades de execução ali, todas, claro, precisando ser processadas em questão de décimos de segundo (mais sobre elas adiante). O segundo jogador mais votado na eleição do MVP da temporada, porém, não as aproveitou. Deu uma hesitada com a bola, errou. A marcação apertou, a bola escapou. Nem mesmo o chute ele conseguiu executar. Warriors 2 a 0 na série.

harden-turnover-game-2-warriors-rockets

O desfecho foi todo atrapalhado, sufocante, é verdade. Mas ainda penso que foi a decisão correta – ou melhor: a decisão que me agrada mais, com um treinador demonstrando poder de confiança nos seus atletas, em vez de exercer um papel supercontrolador. Aliás, essa não é uma das grandes reclamações sobre a NBA de hoje? As constantes intervenções, paradas? Lembrando que, no basquete Fiba, não haveria a chance de se pedir tempo ali. Que os jogadores consigam solucionar problemas em quadra, ué. Ainda mais quando estamos falando de uma liga em que o salário médio é de US$ 4 milhões, o maior em todas as competições de alto nível do esporte mundial. Não só do basquete, mas no geral, mesmo. Caras que podem ser um tanto mimados por vezes, mas que, em quadra, presume-se grande maturidade.

Disse McHale sobre a jogada: ''Era o Harden descendo a ladeira. Se tenho nosso melhor atleta criando a partir de uma jogada quebrada, aceito isso em qualquer dia da semana''. Trevor Ariza, que já ganhou um título pelo Lakers em 2009: ''Harden tinha a bola, e toda vez que ele está com a bola, sentimos que temos uma chance''. O barbudo, então, fala por si: ''Se tivermos essa jogada dez vezes, vamos para ela dez vezes''.

>> Não sai do Facebook? Curta a página do 21 lá
>> Bombardeio no Twitter? Também tou nessa

Realmente, não vejo problema nisso. Harden teve a chance de definir, apenas falhou. Isso não significa que, com pedido de tempo e uma jogada desenhada, o Rockets teria garantido um arremesso livre. Jogadas como essa são estudadas exaustivamente pela oposição, gente. Mesmo uma bola decisiva no final certeira, a partir das instruções de um treinador, acaba geralmente contestada. Não é, Pierce? O ala do Washington executou lances mirabolantes neste mata-mata, mas com alto grau de dificuldade. Não sobrou livre para aprontar em nenhum buzzer beater. Aí cabe ao treinador desenhar algo mais criativo, claro. Mas mesmo uma versão alternativa corre o risco de já ter sido filtrada por uma comissão técnica vasta, apoiada por um batalhão de scouts, como no caso do Golden State Warriors. Que, por sinal, calha de ser a melhor defesa da NBA.

Vamos, então, ao lance derradeiro – se o torcedor do Houston quiser pular essa parte, tudo bem. Está na marca de 2min49s:

1) Barnes erra em sua infiltração, e Draymond Green vai com tudo para o rebote ofensivo, em vão, e acaba até mesmo saindo de quadra, enquanto seu companheiro está no chão, desequilibrado. Para que parar o jogo aqui, especialmente quando o seu time está treinado para jogar em velocidade?

warriors-rockets-game-2-final-play-1

2) Em coisa de dois segundos, o que temos? Três jogadores do Rockets descendo a quadra contra três defensores. Quadra aberta, ainda mais quando a bola está nas mãos de um Harden, daqueles que consegue encontrar espaço num garrafão abarrotado.

warriors-rockets-game-2-final-play-2

3) Harden acabou avançando um pouco além da conta? Talvez, mas os visitantes estão novamente em vantagem numérica, com quatro atacantes adiantados em relação aos defensores, ainda que os cinco Warriors apareçam no grame (Dwight Howard, com seu joelho dolorido, limitado, ficou para trás). Mais de 2 segundos se passaram.

warriors-rockets-game-2-final-play-3

4) Aqui chegamos ao momento que julgo crítico. Percebam o corredor que Terrence Jones tem pela frente, e o garrafão escancarado. Klay thompson está logo atrás de Curry, preocupado com o camisa 13. Draymond Green estava atrasado na recuperação e, do lado direito, Iguodala tem um Corey Brewer para vigiar. Pior: Jones estava na mira de Harden. Um passe a partir do drible o encontraria livre, e aí era subir para a cravada. Iguodala se recuperia a tempo? Talvez, mas conseguiria parar um jogador mais alto, atlético em alta velocidade? Talvez só com falta. Só percebam que menos de um segundo passou do frame acima para este:

James Harden, turnover, Game 2, Rockets, Warriors, West Finals

5) Harden perdeu o bonde de Jones, no final. Aqui, a linha de passe já era. E aí ele passa para Howard, vindo de trás. Pois havia parado de driblar e estava numa posição delicada, já cercado também por Barnes. Este é o momento em que o astro ou McHale deveriam ter pedido tempo, enfim. Havia segundos de sobra para tramar algo.

warriors-rockets-game-2-final-play-5

6) Harden fez o passe para Howard e recebeu a bola de volta. Agora já tem uma barricada a sua frente. Kevin McHale afirmou, depois, que neste instante pensou em parar o jogo. Deveria ter feito, restando 2s5 no cronômetro. Aí veio o turnover, e c'est fini. Game over.

warriors-rockets-game-2-final-play-6

Harden teve uma brecha clara para o passe. Poderia também ter sido mais agressivo e batido para a cesta de vez – mas talvez estivesse preocupado também em não deixar alguns segundos para um eventual troco de um time que conta com Steph Curry. McHale realmente deveria ter invadido a quadra e brecado tudo. Havia tempo para rabiscar. Mas é fácil falar assim, né? Dividindo uma jogada de 9 segundos em seis frames. Sabendo que ela não deu certo. Na hora, tanto o treinador como o ala-armador precisam processar tudo o que se passava em quadra, jogando contra o relógio. Ambos falharam.

É tudo um aprendizado, no fim.

Como protagonista, lembremos, é apenas a primeira vez que Harden faz uma final de conferência, que chega tão longe nos playoffs. Em 2012, fez uma péssima série decisiva contra o Miami Heat, mas era apenas o número três, atrás de Durant e Westbrook. Não dá para falar em tremedeira também, por favor, já que o cara foi responsável por 10 dos últimos 12 pontos do Rockets e ainda municiou Dwight Howard para a outra cesta de quadra – terminou com 38 pontos, 10 rebotes, 9 assistências, 3 roubos de bola, descansando apenas sete minutos. Imagino que, na próxima chance que tiver, o barbudo não vai hesitar em agredir a cesta, assim como fez durante toda a temporada. Sua frustração incontrolável na saída de quadra indica isso.

Agora é só esperar que McHale aposte nele mais uma vez.

*    *    *

Sobre o Chef Curry? Afe.

O MVP já soma 57 bolas de três pontos nestes playoffs. Precisa de apenas mais uma para igualar o recorde de Reggie Miller em 2000. Naquela ocasião, o ala do Pacers foi até a final da liga, perdendo para o Lakers de Shaq e Kobe. A dúvida que fica é se Steph vai passar dessa marca com dois ou três minutos de jogo em Houston, no sábado. O queridinho da América tem um aproveitamento de 87,5% (14-16) nos arremessos em que teve liberdade durante os mata-matas – só não confundam com lance livre. De longa distância, foram 8 em 10 tentativas sob essas condições. Quando contestado no perímetro, esse número cai para 44%  e 3-12, respectivamente.

Ah, e esta aqui não vale, ufa: