Vinte Um

A vingança de Austin Rivers – e família

Giancarlo Giampietro

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Daquele tipo orgulhoso e bastante confiante em sua capacidade, Austin Rivers passou três anos e pouco ouvindo as piadas, sem poder responder do modo que julgava aproriado. Elas só se intensificaram em janeiro, quando o New Orleans Pelicans oficialmente desistiu do projeto para desenvolvê-lo e o enviou primeiro para Boston. Já era uma situação estranha: o garoto vestindo a camisa do time que teve seu pai como técnico por um longo e vencedor período, e do qual ele havia saído sem ser nos melhores termos. Mas, aí, três dias depois, veio mais uma negociação, meio que cantada por toda a mídia americana: o ala-armador enfim se reuniria com Doc em Los Angeles, para ser o reserva de Chris Paul Pela primeira vez a NBA teria uma dupla de pai treinador e filho jogador em quadra.

''Ah, mas o Austin não joga nada, então só assim, mesmo'', ''Papai gostou, Austin'', ''Tal pai, outro filho'' etc. etc. etc.

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''A coisa de que não gosto é que os caras usam o nome para ganhar audiência. É tão gratuito, e eu odeio isso. Vem lá de trás, e isso sempre me deixou pê da vida. Os caras escrevem sobre mim só por saberem que vai dar audiência. Por causa disso, sinto por ele. Tem hora que isso me faz pensar que talvez fosse melhor não ser o pai dele. Ele tem sido um alvo durante sua vida toda'', diz o técnico e presidente do Clippers, o novo primo rico de de Los Angeles. Aí já era o progenitor, mesmo, defendendo a família.

Quem diria? O Doc?

Quem diria? O Doc?

É o tipo de situação que fez Rivers pensar seriamente em derrubar a negociação tripla que envolveu também o Phoenix Suns. Tinha receio da repercussão que a relação paternal poderia ter para sua equipe – e também para o jogador, no caso. Mas, segundo consta, foi convencido pelo grupo de dirigentes e confidentes que reuniu na franquia, para assessorá-lo no comando das operações de basquete. Fez a troca e, agora, quatro meses depois, deve estar se sentindo muito bem a respeito, tanto do ponto de vista profissional como pessoal. Negócio arriscado, ganho duplo.

O Rivers filho vai curtindo uma espécie de vingança em seu nome – e no de toda a família, convenhamos. Depois de brilhar no Jogo 4 contra o Spurs, a série clássica que derrubou os atuais campeões, o rapaz está com tudo e não está prosa na semifinal contra o Houston Rockets. Não só ajudou o time a sobreviver nos dois primeiros jogos sem Chris Paul, como ganhou confiança e vem fazendo precisamente o que o técnico e dirigente visualizava no momento de sua contratação, atacando de modo agressivo e com eficiência, tendo 16 pontos em média e 55,8% no aproveitamento de quadra e 55,5% de três pontos. Algo que… Hã… Veja bem… Pouquíssimos fora da do clube angelino imaginavam que pudesse acontecer.

''Sempre acreditei nele, mas não esperava que pudesse jogar tão bem assim'', afirma ao VinteUm um olheiro da NBA que acompanhou de perto sua trajetória. ''Sabemos que ele sempre foi dos caras que mais deu duro em quadra e que realmente acha que é o melhor no que faz. Isso pode ser visto como falha. Mas também como uma vantagem'', completa. Realmente depende do ponto de vista.

Menino de ouro
O mais curioso antes de tudo?  De tanto que Austin já apanhou em menos de quatro temporadas completas como profissional, é fácil esquecer que, em 2011, ele era considerado um dos garotos mais promissores de sua geração. Nascido em 1992, ao concluir sua carreira no High School, foi considerado por alguns especialistas no recrutamento universitário como o melhor prospecto daquela fornada – era o caso do Rivals.com. Acima de um tal de Anthony Davis, inclusive, ou mesmo de Andre Drummond, Bradley Beal, Michael Kidd-Gilchrist, Cody Zeller, entre outros. Para a ESPN e o o Scout.com, Davis ficou no topo, com Rivers no top 3.

Mesmo optando pelo Monocelha, o Scout.com escreve: ''Não foi de modo algum uma escolha fácil colocar Davis no topo. Na verdade, Austin Rivers apresentou um forte argumento para ficar nessa posição. O filho de Doc Rivers é uma máquina de fazer cestas e tem o pacote mais avançado de habilidade com a bola desde OJ Mayo. É um jogador para grandes partidas, Rivers parece crecer quando está em situação de alta pressão. Ele é um competidor que aceita e consegue converter arremessos difíceis''.

Que tal? Só um pouquinho diferente da percepção que se tem na grande liga a seu respeito, né?

Era tão badalado, e não só por causa do pai, que acabou recrutado por Duke, para passar um ano sobre a tutela do Coach K. Com 15,5 pontos, 2,1 assistências e 3,4 rebotes em média, mais 43,3% nos arremessos, 36,5% de três e 65,8% nos lances livres, não é que ele tenha atirado fogo em toda a NCAA. Sua versão dos Blue Devils não foi muito longe no torneio nacional, caindo na segunda rodada, mesmo acompanhado por Seth Curry e não só um, mas três dos irmãos Plumlee. Foi a partir da dificuldade que enfrentou neste nível que os olheiros passaram a questionar sua habilidade para virar o craque que esperava ser na NBA – os mais críticos o consideravam um fominha, com ego acima da conta e um arremesso nada confiável, enquanto alguns adoravam sua personalidade e o talento no drible.

''Ele é um macho alfa. Acho que vai dar certo na NBA por causa disso'', avaliou Krzyzewski, antes da ida do garoto para o Draft de 2012. ''Ele acredita que vai ser um grande jogador. Prefiro ter um cara assim do que alguém que não acredita em si mesmo. Quando Austin chegou a Duke, disseque cada jogador era como uma casa: quanto mais habilidades você aprende, mais janelas você vai ter em sua casa. Quando chegou, tinha apenas uma grande janela. Era um cestinha fantástico. A meta era abrir mais janelas, e ele está nesse processo. Espero que ele encontre um treinador exigente na NBA, que force-o a continuar expandindo seu jogo. Se ele reverter apenas para as coisas que ele faz bem, suas chances vão diminuir para que ele vire um bom jogador na liga.''

Um tanto profético, hein?

Até tu, Jimmer?
Em New Orleans, Austin tinha uma situação aparentemente perfeita. Afinal, acompanharia Anthony Davis, seu amigo, desde o início. Com a diferença de que, agora, o Monocelha era a maior aposta de sua geração, sem dúvida nenhuma, o número um do Draft – tendo ele saído na décima posição. Toda a pressão e expectativa que despertava em Duke agora seria relativizada de acordo com o progresso do ala-pivô. Além disso, o técnico Monty Williams é um dos amigos mais próximos de Doc nos bastidores da NBA, conhecendo os talentos do garoto há tempos.

Austin Rivers, o futuro durou pouco pelo Hornets

Austin Rivers, o futuro durou pouco pelo Hornets/Pelicans

O plano era que ele virasse o armador titular da equipe por diversas temporadas. Dois anos e meio depois de sua seleção, foi trocado num pacote trouxe o ala Quincy Pondexter e uma escolha de segunda rodada para o Pelicans – na mesma negociação que colocaria Jeff Green no Grizzlies. O clube também tinha o intuito de limpar seu salário de US$ 3,1 milhões da folha de 2015-2016, para poder renovar com Omer Asik sem problemas.

A primeira campanha de Rivers em N'awlins foi um fiasco retumbante. Pode usar qualquer termo homérico aqui, que não há problema: índice de eficiência de apenas 5,9 (quando a média da liga é 15,0), além de paupérrimos 9,6 pontos, 3,2 assistências e 37,2% nos arremessos . Isso numa projeção por 36 minutos – no geral, em 61 partidas, recebeu apenas 23,2 minutos. Em 2013, o time contratou, então, Jrue Holiday e Tyreke Evans. Os dois se juntavam a Eric Gordon. Sabe aquele papo de que na NBA as coisas mudam rapidamente? Pois é.

Ainda assim, o rapaz trabalhou pesado durante as férias. Ganhou massa muscular, estudou muito suas fitas, aprimorou fundamentos e liderou o time de verão do Pelicans com 18,2 pontos em média. Estava pronto para competir com os reforços renomados. Mas não rolou. Seus números melhoraram de um modo geral, mas não o suficiente para afastar a fama de fracasso. No terceiro ano, mesmo com as lesões de Redick, já havia perdido tempo de quadra até para Jimmer Fredette (ironicamente, mais um jogador hiperbadalado que foi quase expulso da liga). O que levou um integrante da família Rivers a protestar em público. No caso, Jeremiah, seu irmão caçula: ''O Pelicans continua a jogar com Fredette no lugar do meu irmão, mesmo que meu irmão seja melhor que ele em todas as categorias. Ah, e o Austin joga na defesa''. Não surtiu efeito a reclamação, e Austin seria despachado pouco depois.

Quando retornou a Nova Orleans já como jogador do Clippers, sabia que não haveria ceriônia: ''Não vai ter um tributo em vídeo para mim, isso é certo. Sinto que não fui capaz de jogar da forma que gosto lá. Tive alguns bons jogos ainda, fui um jogador sólido de NBA, mas sentia que poderia fazer muito mais'', se auto avaliou. Mas não é que os números corroborassem sua opinião.

Uma roubada, ou quase
A linha estatística de Rivers em 41 jogos pelo Clippers, depois da troca: 7,1 pontos, 1,7 assistência (0,9 turnover), 2,0 rebotes, 42,7% nos arremessos, 30,9% de três pontos e 1,3 lance livre batido, em 19,3 minutos.  Por 36 minutos, 13,2 pontos, 3,1 assistências, 3,8 rebotes. De novo: embora representasse uma evolução em relação ao que andava fazendo pelo seu primeiro time, ainda tendo em mente que ele estava chegando no meio do campeonato, sem poder treinar tanto, não é nada que vá abalar o coração de muita gente, acho.

Não dá para dizer que era necessariamente isso que o Doc tinha em mente quando o contratou. A ideia era que Austin fosse uma figura agressiva saindo do banco de reservas, um setor calamitoso quando se fala da equipe angelina nesta temporada. Era para ele descer a ladeira, nas palavras do pai, atacando em transição, oferecendo uma outra opção no ataque, além de Jamal Crawford. Para contratá-lo, aliás, o técnico inclusive dispensou um veterano como Jordan Farmar.

Técnico e jogador, pai e filho

Técnico e jogador, pai e filho

''Se eu não estiver jogando bem, ele simplesmente vai me deixar sentado. Estou sentado no banco, não tem muito que dizer. Ele quer vencer. Meu pai é o tipo de cara que, quando eu tinha cinco anos, se jogássemos dama, ele nunca iria me deixar ganahr. Não vai fazer nenhum favor para mim aqui. Tenho de fazer por merecer qualquer coisa que queira no time'', afirmou o ala-armador.

O lance é que Doc não tinha muito o que fazer. Ou ia de Austin, ou ia de Chris Paul jogando por todos os 48 minutos. Não havia opções, alternativas, ainda mais quando Nate Robinson se apresentou ao clube contundido. Da sua parte, o treinador defendia o filho quando considerava as críticas injustas. ''É o banco inteiro que está mal, na verdade, mas só falam de Austin'', disse. ''Acho que falo mais com Chris, Blake e DJ, não? Não sei, talvez eu esteja apenas sendo um pai ruim. No final, ele é só mais um dos jogadores que não me escutam'', completou, com a ironia devida.

(Outra declaração divertida do técnico a respeito foi após um duelo com o Minnesota Timberwolves, de… Kevin Garnett. O pimpolho e o veterano se trombaram em quadra na saída para um pedido de tempo. KG o acertou com o cotovelo, Rivers foi para cima, e os dois receberam falta técnica. ''Pessoalmente, acho que Austin deveria ter dado um soco nele'', afirmou.)

Antes tarde
A despeito do mau início como suplente de CP3, o garoto não perdeu a confiança, porém. Aliás, esse é um traço indelével da personalidade de Austin: sua confiança e sua dedicação aos treinos. ''Ele por vezes é muito do basquete, muito bitolado, e a razão para seus altos e baixos é essa. É como se el fosse o Tom Thibodeau dos jogadores. Conversava com ele quando estava fora, e ele só queria saber de falar sobre seu jogo, outros jogos, e eu perguntava se ele havia feito algo de diferente. Ele respondia que não queria fazer nada de diferente, que só queria viver de basquete'', lembra Doc. ''Essas mudanças para ele são um ponto de aprendizado importante.''

Em Los Angeles, havia o desconforto claro que jogar pelo pai proporcionaria, e todas as perguntas subsequentes. Além disso, era um time de ponta, com pretensão de título. Por outro lado, havia uma ou outra vantagem: o tempo de quadra disponível já mencionados aqui e o fato de não precisar ser o salvador da pátria, nem nada perto disso. Havia gente renomada o suficiente ali para arcar com consequências mais graves. Além do mais, quando dividisse a quadra com Paul e/ou Griffin, tinha menos pressão para organizar o jogo e mais liberdade para atacar. ''É empolgante porque agora estou no ponto em que não preciso ficar pensando demais em tudo o que fazer. Só vou lá e jogo. Digo a eles que não estava mais acostumado a jogar tão livre assim desde Duke, ou desde o colegial, e as pessoas sabem o que fiz nessa época'', diz. ''Meu pai só quis aqui por ter pensado que poderia ajudar. Estar numa equipe com atletas desse calibre só vai me beneficiar.''

Aí que Rivers fala sobre suas predileções, aquelas que o Coach K afirmava que poderiam ser, de alguma forma, um fator limitador para o jovem. ''Fui um cestinha a minha vida toda. É por isso que entrei na liga. Não fui uma escolha de loteria por ter feito uma grande defesa em Duke. Fui selecionado porque faço cestas. É para isso que estou aqui'', deu o recado.

Nas últimas semanas, para surpresa geral – menos a dele –, o discurso assertivo do ala-armador enfim encontrou respaldo em quadra. Depois de anotar apenas seis pontos, no total, nas duas primeiras partidas contra o Spurs, no Staples Center, anotou 11 no Jogo 3, boa parte deles no sempre desagradável garbage time. No quarto confronto, porém, fez 14 pontos importantíssimos para devolver a derrota sofrida em casa. ''Ele foi uma arma no ataque que nós não esperávamos e deu uma enorme força para eles'', admitiu Manu Ginóbili. ''Acho que ele foi o cara que realmente mudou o jogo para nós'', disse Griffin. Chris Paul deu a bola do jogo para o suplente. ''Por um momento, talvez por meio segundo, me tornei um pai ali'', disse Doc, ao Yahoo Sports, enfim emocionado. ''É algo que sei que posso fazer'', assegurou Austin.

O papel relevante no Jogo 4 foi o suficiente para compensar as jornadas inexpressivas nos três duelos seguintes, nos quais não recebeu nem 35 minutos de ação, com cinco pontos e duas cestas em 13 tentativas. Foi quando, ao mesmo tempo em que comemorava um triunfo histórico sobre o Spurs de volta a Los Angeles, teve de lidar com a expectativa de eventualmente abrir a série contra o Rockets como titular, enquanto um dos melhores armadores da liga se recuperava de um estiramento. Uma tremenda de uma fria. Mas foi aí que ele provavelmente engatou a melhor sequência de sua carreira.

De maneira chocante, o Clippers venceu o primeiro jogo em Houston com um triple-double de Griffin e 17 pontos em 28 minutos para o jovem Rivers, que matou meio que inexplicáveis 4 de seis arremessos de fora. É como se ele tivesse sido possuído por JJ Redick, convertendo, então, seis dos próximos 12 arremessos de três pontos, ajudando o time a abrir uma vantagem de 3 a 1. O Jogo 3 foi algo especial, com 25 pontos em 23 minutos e espantoso aproveitamento de 10-13 nos chutes de quadra. A torcida aí já gritava seu nome. Incrível virada, incrível persistência. O próprio Redick avaliou a situação da seguinte maneira ao avaliar a confiança de seus companheiro, diante de tantas dificuldades. ''Não sei como colocar isso sem usar um palavrão, mas você tem de ser um filho da p…''.

Opa, peraí. Aí nem o pai, nem o filho vão gostar.

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No dia 26 de junho de 2014, data do Draft passado da liga, perto  já se especulava uma troca do Clippers por Austin. Doc refutava: ''Não acredito muito nessa história de pais treinarem seus filhos. Não acho que isso seja uma boa coisa'', afirmou. Austin continuou: ''Não quero arruinar nosso relacionamento. Não acho que isso vá acontecer um dia, para ser honesto''.

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Austin Rivers vai virar um agente livre ao final da temporada. Sua opção de um quarto ano contratual não foi solicitada pelo New Orleans Pelicans. Por ter adquirido o atleta enquanto seu vínculo de novato ainda estava vigente, porém, o Clippers não poderá pagar mais que os US$ 3,1 milhões inicialmente previstos em sua projeção salarial. Trata-se de um desses buracos bizarros do acordo trabalhsita da liga. Será que ele vai receber algo a mais que isso no mercado, depois de exibições mais promissoras nos playoffs? Um detalhe: no momento, o jogador não tem agente, depois de ter rompido com David Falk, cara que conduziu os negócios de Michael Jordan no auge. Será que esse tipo de rendimento é sustentável?