Vinte Um

Lucas Bebê dá as caras na D-League. Como foi a experiência?

Giancarlo Giampietro

lucas-bebe-mad-ants-d-league

Depois de passar nove dias com o Fort Wayne Mad Ants, nos confins da D-League, Lucas Bebê foi chamado de volta pelo Toronto Raptors nesta quinta-feira. O problema é que o brasileiro retorna ao Canadá com um problema muscular na perna direita, sofrido em duelo com o Bakersfield Jam em seu último compromisso durante a semana. Segundo sua assessoria, o pivô deve passar por um exame detalhado ainda nesta sexta, para saber qual a gravidade da contusão (ou lesão, dependendo do que a ressonância mostrar).

Certamente não era a notícia que o gerente geral Masai Ujiri queria ouvir, esperando apenas que não seja nada muito grave. De qualquer forma, a primeira passabem do brasileiro pela liga de desenvolvimento da NBA foi muito mais produtiva do que as duas de seu compatriota, Bruno Caboclo, que, depois de uma estreia produtiva, mal viu a cor da bola por lá, dando trabalho fora de quadra.

>> Não sai do Facebook? Curta a página do 21 lá
>> Bombardeio no Twitter? Também tou nessa

Oficialmente, foram quatro jogos para Bebê, com médias de 8,3 pontos, 10,0 rebotes, 2,0 tocos, em 20,1 minutos, com 42,9% no aproveitamento dos arremessos de quadra e 50% nos lances livres. O mais correto, no entanto, é falar em apenas três partidas, uma vez que foi na quarta que ele sentiu uma fisgada na coxa, com apenas dois minutos de ação. Se formos excluir essa, aí as médias sobem para 11,0 pontos, 13,0 rebotes, 2,6 tocos, em 25,6 minutos. Um belo rendimento, ainda que tenha sido pouco eficiente no sistema ofensivo.

Antes de soltar fogos pela vizinhança, porém, é bom lembrar que os números da D-League tendem a ser extremamente inflados, devido ao ritmo acelerado das partidas. A coisa pode descambar para uma pelada facilmente, com uma chuva de arremessos. Se chovem bolas para a cesta, rebote não vai faltar, vai? É preciso dar um desconto a qualquer análise superficial estatística aqui, pois foi exatamente este tipo de basquete que predominou durante as três aparições de Lucas por lá, mesmo que ele não tenha enfrentado os malucos do Reno Bighorns. Para quem não sabe, a liga disponibiliza o VT de todos os seus jogos no YouTube, na íntegra, além de transmiti-los ao vivo.

Em Toronto, pouquíssimos minutos

Em Toronto, pouquíssimos minutos

É isto: depois de um looooooooooongo inverno, podemos avaliar como anda o pivô, que só havia feito seis partidas pelos Raptors na temporada, entrando invariavelmente com os duelos decididos, em clima de garbage time – um cenário que, francamente, anula qualquer possibilidade de avaliação mais séria sobre um jogador. Antes de avançar com o pivô, é importante ressaltar alguns pontos, para que fique bem claro o que representa sua experiência com as Formigas Malucas:

1) O Toronto não está penalizando um jogador ao enviá-lo para a D-League. Faz parte do plano de desenvolvimento.

2) A queda de rendimento do time canadense neste ano só dificulta as coisas. Acabaram as sacoladas, diminuíram as chances de aproveitamento. Em um momento difícil, o técnico Dwane Casey não vai, mesmo, chamar os calouros brasileiros. No entendimento da comissão técnica, não estão nada preparados para enfrentar uma situação dessas. Então a D-League acaba sendo a melhor via para eles mostrarem serviço. Uma pena que Bruno a tenha desperdiçado, por ora.

3) Na D-League, basicamente todo atleta cedido pela NBA encontra um ambiente meio que, ou totalmente hostil. A posição deles é invejada, é o sonho de todos os jogadores que estão ali, abrindo mão de melhores propostas da Europa para ganhar muito pouco – os salários variam de US$ 13 mil a US$ 25,5 mil… por temporada. Confiam que, estando literalmente mais próximos da grande liga, terão mais facilidade de convencer scouts e dirigentes a contratá-los.

4) No caso do Fort Wayne Mad Ants, a complicação ainda é maior: estamos falando do único clube da liga que não tem afiliação exclusiva, abrindo suas portas para 13 equipes da NBA. Isso bagunça o coreto. E outra: o clube não deve satisfações a nenhuma outra entidade. Toca seu projeto, e obrigado. No caso, entram em quadra para vencer e vencer – como se jogassem uma W(in)-League, ao contrário da maioria de seus concorrentes. Então, ok: se vocês querem mandar a molecada, não há problema. Mas ele serão usados nos nossos termos. É o que discurso que vem de lá.

Precisa decorar os quatro tópicos acima antes de se empolgar ou chiar diante do que a duplinha faz nas viagens entre Fort Wayne, no estado de Indiana, e Toronto.  Não obstante, também termos de levar em conta outros dois fatores para diferenciar Bebê e Caboclo, para que não se compare a produção de quadra dos dois brasileiros. (Quer dizer, nem tem muito o que comparar, já que o ala de 19 anos nem bem jogou. Mas isso vale para uma eventual terceira chamada.)

Lucas pode ser um novato na NBA, mas já é profissional há um bom tempo, e encarando competição de alto nível na liga espanhola – o campeonato nacional mais forte da Europa. Também é três anos mais velho. Além disso, sendo um pivô de 2,13 m de altura, o carioca não é dos tipos mais fáceis que se encontra por aí, né? Alto, ágil, comprido. Um biótipo que se encaixa em qualquer elenco, ainda mais num time como o Mad Ants que tem carência no jogo interno. No perímetro, Caboclo enfrenta concorrência mais volumosa e, também, apetitosa.

Aliás, nada melhor do que falar sobre apetite. O ponto mais positivo que percebi nas atuações de Bebê foi sua disposição em quadra. Não teve bico, nem nada. Quando acionado pelo técnico Connor Henry, o pivô mostrou muita energia em quadra. Não chega a ser uma novidade para quem o acompanha desde os tempos de Liga ACB, mas é bom conferir que ele segue correndo a quadra tanto na transição defensiva como na ofensiva, pedindo sempre a bola, ou brigando por ela:

Quando estava no banco, manteve uma atitude positiva cumprimentando um por um de seus novos companheiros na apresentação, em lances livres errados, levantando-se para aplaudir cestas de três etc. Na sua estreia, contra o Delaware 87ers, filial do Philadelphia 76ers (waka-waka-waka), chegou até mesmo a invadir a quadra após uma falta dura do pivô Drew Gordon em cima do ala CJ Fair. Queria tirar satisfações, falando bastante. Foi retirado na manha pelo assistente Jaren Jackson, aquele ex-Spurs.

Os sprints são importantíssimos para um pivô em ação na D-League. Pois, para seguir nas metáforas alimentícias, a turma do perímetro tende a ser um pouco fominha. Ainda mais quando você tem o imortal Jordan Crawford – sim, ele, mesmo, de volta da China – como seu companheiro. Os grandalhões podem ter dificuldade para receber a bola – então é melhor acelerar mesmo no contra-ataque com a esperança de que alguma boa alma enxergue seu empenho e o recompense. No caso de um pirulão de 2,13 m, mais 50 centímetros de afro, descendo a ladeira? Difícil não notar. Diversos pontos do brasileiro saíram nesse tipo de jogada:


Só assim, mesmo. No jogo em que se machucou, contei sete posses de bola para o Mad Ants. Sabe em quantas ele recebeu ao menos um mísero passe? Somente em duas, sendo que, na segunda, foi apenas na reposição lateral, estando o armador da vez bem marcado. Curiosamente, na primeira vez em que foi devidamente envolvido no ataque, ele mostrou uma de suas habilidades mais subestimadas: o passe a partir do poste alto. Está certo que o defensor deu uma boa viajada, mas aí vai uma assistência para Trey McKinney-Jones, que esteve no Brasil com o Miami Heat, durante a pré-temporada:

Até porque, fora o saco sem fundo que é Crawford e alguns outros atletas ansiosos para o arremesso, como Xavier Thames e Fair, em situações de meia quadra há todo o desentrosamento de Lucas com os demais atletas. O cara mal tem tempo de treinar, chegando da metrópole canadense e já precisa jogar, com muita responsabilidade: impressionar seus chefes de verdade e, ao mesmo tempo, justificar o carimbo de NBA diante de gente cheia de desconfiança no vestiário. Por isso, por vezes, apenas vagava de um lado para o outro, indo e voltando. Em algumas ocasiões, nem bem havia chegado ao garrafão, e um tiro de três já havia sido tentado.

Nesse contexto, contei apenas uma bola – uma! – em que o pivô foi municiado no ataque de costas para a cesta. E não deu para saber o que ele faria nessa ocasião, já que sofreu a falta de imediato. Ou seja: não dá para saber se os treinos com os técnicos do Raptors resultaram em evolução no seu arsenal ofensivo. Sem jogadas desenhadas especificamente para ele, o carioca usou os rebotes ofensivos e algumas poucas combinações bem-sucedidas de pick-and-roll para encestar. A jogada pode parecer simples, mas requer química e um armador disposto e/ou capaz de enxergar a quadra – não foi o caso de Gary Talton, infelizmente; posso ter dado azar, mas peguei três jogos bem fracos do cara.

Ainda assim, sua capacidade no corte para a cesta sem a bola segue valiosa. Em duas passadas, Bebê consegue chegar ao aro. Isso chama a atenção da defesa. Se não vier o passe, pode acabar abrindo a quadra para um chute de três, chamando a ajuda lá dentro. Se a defesa se desequilibrar, ele ainda tem grandes chances de coletar o rebote ofensivo, devido a sua envergadura e agilidade e também a sua capacidade de saltar seguidas vezes.

Esses atributos são obviamente o carro-chefe do brasileiro. Habilidades naturais que precisam ser mais e mais refinadas em Toronto. Em compensação, o atleta ainda segue com dificuldade para absorver o contato físico no garrafão ou debaixo da tabela. Os duelos com o Iowa Energy mostraram isso, com Jarnell Stokes, do Memphis Grizzlies, e o já rodado Willie Reed levando a melhor no corpo a corpo com o brasileiro – em duas partidas, os dois somaram 80 pontos e 66 rebotes abusando de todos que encontravam pela frente. Do outro lado, a fragilidade também atrapalhou na hora de finalizar em meio ao tráfego, com contato (como vemos acima). Isso também ajuda a explicar aproveitamento bem baixo nos chutes de quadra, especialmente para alguém da sua estatura. Na NBA, as coisas ficam ainda mais difíceis.

Devido a essa desvantagem em termos de força, é meio que imperativo que Lucas se posicione bem no garrafão na hora de marcar individualmente ou de lutar pelos rebotes. Se não tem a base muito forte para aguentar o tranco de gente mais parruda, deve fazer a defesa pela frente, para cortar a linha de passe, aproveitando-se até mesmo de sua envergadura. O problema é que, justamente por ser longo toda a vida, o pivô acredita que pode bloquear todo e qualquer arremesso num raio de cinco ou mais metros. Por isso, tende a caçar os jogadores que estejam com a bola. Mesmo que chegue no tempo certo, se falhar em atingir a bola, vai deixar um rival livre logo atrás.

Agora, é aqui que lembramos que Bebê mal jogou neste ano. Então não dá para saber exatamente o quanto essas recorrentes questões seriam (ou estão sendo) corrigidas e desapareceriam com mais tempo de quadra, com mais rodagem. Pois é inevitável que ele entre em quadra sedento pela bola, propenso a cometer um ou outro deslize tático. Nesse sentido, atrapalha bastante o fato de o Raptors não ter o seu próprio time na D-League, podendo conduzir esse processo de modo muito mais cuidadoso e acelerado.

Da sua parte, de todo modo, o pivô precisa se manter concentrado, com objetivos a longo prazo, evitando as distrações que o mundo em torno da NBA pode oferecer. O mesmo vale para Caboclo. Chegando aos 23 anos, Lucas ainda é um jogador jovem, mas que já deixou de ser o caçula da turma há tempos e ainda tem muito o que trabalhar para virar um jogador de ponta. O potencial é indiscutível e está aí para ser realizado, para que os números vultuosos não precisem de asterisco nenhum no futuro.