Vinte Um

Você acha que seu time chuta muito de 3? Ainda não viu o Reno Bighorns

Giancarlo Giampietro

Aresneault Jr. tem apenas 28 anos. E conduz um experimento daqueles

Aresneault Jr. tem apenas 28 anos. E conduz um experimento daqueles

Quem aí se lembra do garoto Jack Taylor, aquele armador de 1,78 m de altura que chegou a marcar 138 pontos numa partida do basquete universitário americano em 2012? Foi um, dãr, recorde da NCAA em vitória estratosférica de sua equipe, o Grinnell Pioneers, sobre Faith Baptist Bible, por 179 a 104, pela terceira divisão da entidade. Não importava o nível da partida: os números eram bizarros a ponto de ganhar manchetes no mundo todo.

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Foi nesse momento que todo o povo de fora dos confins e das fronteiras da pequenina cidade de Grinnell, de cerca de 9 mil habitantes, na faixa Oeste do Estado de Iowa, teve contato com o di-fe-ren-te. O basquete tresloucado, desses números absurdos, praticado pela universidade  particular do município, comandado por David Arseneault, de 61 anos, o patrono desse sistema. Sim, porque se trata de um sistema, de uma filosofia de jogo, até mesmo com livro publicado a respeito, ''The Running Game''.

Quem prestou atenção nesse movimento todo, com bastante interesse, ao que parece foi o indiano Vivek Ranadivé,  bilionário proprietário do Sacramento Kings. Por quê? Pois a filial da franquia na Liga de Desenvolvimento da NBA, o Reno Bighorns, contratou para esta temporada o filho do homem, David Arseneault Jr., de apenas 28 anos, para dirigir seu time. Obviamente que o negócio não foi fechado com o intuito de fazer um jogo conservador.

''Achei que poderia ser uma piada, para ser sincero'', disse o jovem treinador, ao Reno Gazette-Journal, sobre quando recebeu a ligação. ''O sistema seria o caos organizado. Estamos tentando aperfeiçoar o caos. Vai ser uma correria. Vamos correr e tentar muito de três pontos. O quão extremo podemos ir? Depende. Mas vamos tentar coisas diferentes e partir daí.''

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Arseneault Jr., segundo consta, já era o técnico de fato de Grinnell. Seu cargo era de assistente apenas como nomenclatura, mas era quem dava treinos e lidava com as operações do dia-a-dia. Foi daqueles garotos que não desgrudava do Senior e passava o tempo todo num ginásio de basquete. Mais tarde, jogou de armador na equipe, tentou a sorte no exterior e voltou para casa, até se juntar ao pai no banco de reservas de trajes sociais. Como atleta, não pontuava muito: seu forte era passara a bola, mesmo, com médias de 9,4 assistências na carreira. Em 2007, ele chegou a estabelecer um recorde de 34 assistências num só duelo – mas a marca seria quebrada mais tarde por outro jogador da equipe. Estraga-prazer.

Na temporada passada, os Pioneers marcaram 116 pontos por partida. Eles lideraram toda a NCAA em produção ofensiva por 19 das últimas 21 temporadas. Em volume de tiros de três pontos, foram em 17 temporadas durante esse período. Tudo baseado em uma fórmula.  “Nas últimas duas décadas, o técnico vem colocando em prática seu sistema (“O Sistema''), baseado em sua fórmula (“A Fórmula''), que pede explicitamente  que sua equipe arremesse pelo menos 94 vezes num jogo, 47 das quais deveriam ser em três pontos'', relata o repórter Eamon Brennan, do ESPN.com americano.

Segundo Arseneault Jr., esses princípios foram evoluindo naturalmente. O fato é que a equipe de seu pai estava cansada de apanhar em suas competições, e o técnico saiu em em busca de alternativas para compensar sua suposta falta de talento. Quando consultou os jogadores, eles teriam escolhido um jogo mais acelerado.

armador Ra'shad James é um dos que vai ter de corrrer: 16 pontos de média no início

armador Ra'shad James é um dos que vai ter de corrrer: 16 pontos de média no início

Outra particularidade das táticas boladas pela família: os atletas são substituídos de modo frenético, numa média de um por minuto. Por vezes, o quinteto inteiro é retirado de quadra, para que eles sigam correndo feito malucos, pressionando o adversário com bombas de três pontos e marcação em cima da bola, adiantada, pela quadra toda. É com isso, gente, que o Reno Bighorns está mexendo. E vai ser uma alteração drástica para o clube.

Na temporada, sob a orientação de Joel Abelson, que foi para o New York Knicks, o Bighorns teve o terceiro ataque menos produtivo, com média de 104,8 pontos. Ficaram em antepenúltimo também na quantidade de arremessos de três pontos, com 353 cestas de longa distância no decorrer do campeonato, em 963 tentativas (penúltimo). Para efeito de comparação, o Rio Grande Valley Vipers tentou 2.268 chutes de fora. É a filial do Houston Rockets, totalmente mergulhada em planilhas estatísticas convencidas de que o arremesso de três é um pilar fundamental para um setor ofensivo eficiente.

Essa, hã, preguiça toda já virou passado.

Veja só estes placares:

– 08/11 – Idaho Stampede 158 x 135 Reno Bighorns
– 11/11 – Reno Bighorns 128 x 126 Santa Cruz Warriors
– 14/11 – Reno Bighorns 144 x 152 Iowa Energy
– 16/11 – Reno Bighorns 127 x 116 Grand Rapids Drive

Que tal?

São os quatro compromissos do Reno Bighorns até agora com seu novo técnico.  Quando os expus alguns desses números no Twitter, um dia desses, o companheiro de Saque e Voleio Alexandre Cossenza perguntou se o cronômetro de posse de bola tinha 15 segundos, rindo. O Guilherme Giavoni, que a turma de Sorocaba, conhece bem, reparou: era placar de Jogos das Estrelas. As duas situações bem que poderiam ser verdadeiras. As coisas fariam mais sentido. Mas, não: todos esses jogos foram disputado com os 48 minutos regulares do basquete profissional, com 24 segundos de relógio por ataque, sem prorrogação.

''Demos às pessoas uma chance de ver o que esse sistema pode realmente fazer'', afirmou Arseneault Jr. após a vitória sobre Grand Rapids, na qual sua equipe chegou a ficar atrás no placar por 42 a 19 no segundo período, antes de ir para o intervalo com uma vantagem mínima de 54 a 53. Afe. ''Depois de um começo fraco, o time começou a esquentar e a arremessar.''

Veja como funciona, na íntegra da partida contra a filial do Detroit Pistons:

Vale uma autópsia, não?

As estatísticas mostra o seguinte: o clube afiliado do Kings vem com incrível média de 135,5 pontos em seus dois primeiros jogos oficiais. Acho que nem o Harlem Globe Trotters chegaria a tanto. Se formos levar em conta a pré-temporada (cujo padrão, convenhamos, não muda muito aqui), temos 133,5. Ufa, mais maneirados.

Para comparar, dois times meio que – repetindo ''meeeeio que'' – chegam perto em pontuação após duas rodadas oficiais: o Texas Legends/Dallas Mavericks, com 128,5 pontos, e o Iowa Energy/Memphis Grizzlies, com 127,0. Mas o Iowa nem deveria contar, já que, como vimos acima, enfrentou as Bigornas e teve seus números inflacionados pelo jogo do dia 14 de novembro – nenhum time fez menos que 31 pontos num quarto. Para comparar, em sua segunda partida, o placar foi um triunfo por 102 a 100 sobre o Santa Cruz Warriors. O Bakersfield Jam/Phoenix Suns tem 118,5, em quarto, e o Rio Grande Valley Vipers/Houston Rockets somou 117,0, em quinto.

Jeremy Lin já jogou por Reno. Mas numa equipe mais tradicional

Jeremy Lin já jogou por Reno. Mas numa equipe mais tradicional

Sim, todas as quantias são meio absurdas, pensando nos padrões com os quais estamos acostumados. Mas as contas a da D-League funcionam de uma forma diferente. Ainda assim, mesmo nessa realidade paralela, o Reno promete deixar sua marca em termos de ritmo de jogo. É frenético, mesmo, com 124,6 posses de bola por partida. O Iowa, de novo com o mesmo asterisco, tem 113,6 posses. O Grand Rapids,  111,1. Está cedo, é verdade, vamos monitorar esses números no decorrer da temporada, mas, por todo o contexto apresentado, podemos esperar uma liderança folgada para a equipe, sim, nesse quesito.

Nos dois primeiros jogos da temporada, os caras tentaram 109 arremessos de três pontos no geral, contra 84 do Maine Red Claws/Boston Celtics, e 74 do Vipers. Se mantiver esse ritmo, terão chutado 2.725 bolas de longa distância durante a temporada regular, mais de 500 a mais que os líderes da edição passada. Talvez isso independa do aproveitamento, que foi de 38,5% nas duas primeiras partidas, o sexto.

Numa coisa, porém, não podemos nos perder. Não é que o Bighorns busque apenas o chute de fora. Seu volume ofensivo é caudeloso sob qualquer medida. No total, eles arriscaram 228 arremessos em dois jogos, contra 201 de Iowa e 189 do Erie Bayhawks/Orlando Magic. Na verdade, os tiros do perímetro equivalem a 48% de suas tentativas. Para o Red Claws, o percentual é de 50%.

Entre os atletas, quem está adorando tudo isso é o ala-armador Brady Heslip, canadense formado pela Universidade de Baylor e que já defende a seleção nacional de seu país. Vocês se lembram dele? É um rapaz bastante confiante em sua capacidade de arremesso. Nas duas primeiras rodadas, ele marcou 78 pontos, média de 39. Sozinho, ele tentou 36 arremessos de três, matando 20 (55,6%). Foram 47 chutes para ele no geral. Pura doideira. O ala TJ Warren, calouro do Phoenix Suns e defendendo na D-League o Bakersfield Jam, acumulou 46 chutes, dos quais módicos 13 foram de fora.

Heslip sabe enxergar uma boa chance para arremessar de três pontos

Heslip sabe enxergar uma boa chance para arremessar de três pontos

''É como se fosse o Rio Grande Valley, mas talvez um pouco mais imprudente que eles. Mas não no mau sentido. Eles jogam com velocidade. A única diferença aqui é a defesa. Vamos pressionar o jogo todo e tentar acelerar a equipe. Ninguém jamais jogou desta forma antes. É um experimento'', disse o armador Tajuan Porter, que vem com 'modesta' média de 11 pontos por jogo em 22,5 minutos. Quatro de seus companheiros, além de Heslip, têm mais de 15 pontos de média.

Ame-o ou odeio-o, o Reno Bighorns vai seguir em frente com seu sistema amalucado, que nunca foi testado com profissionais. É um cenário bem diferente daquele que Arseneault Sr. pensava. ''Meu pai nunca pensou que essa fosse virar uma estratégia competitiva. Ele apenas achava que, se era para eles perderem, para que perder de 60 a 40, se dava para perder de 150 a 130? Pelo menos as pessoas teriam algo de positivo para falar a respeito depois de uma derrota, já que alguém havia marcado tantos pontos'', disse o Junior, convicto de que pode ser bem-sucedido sob os olhares e contra a concorrência de tanta gente séria. ''Não vejo motivo para que não. Ao mesmo tempo, estou curioso para saber o quão bem pode correr aqui. Já vi alguns flashes no training camp que indicam que ele pode ser muito, muito sucesso.''

Num basquete brasileiro em que se arremessa de três pontos sem peso algum na consciência, é de se imaginar que a curiosidade para acompanhar esse experimento não poderia ser maior.

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Relembre a 'façanha' dos 138 pontos de Jack Taylor?