Vinte Um

Na turnê do Flamengo, potencial de Felício atrai a NBA

Giancarlo Giampietro

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O Flamengo apanhou do Memphis Grizzlies, mas, em geral, conseguiu competir durante sua viagem pelos Estados Unidos. Enquanto teve pernas, o time carioca jogou de igual para igual com adversários muito mais fortes, ainda que em início, mesmo, de temporada. De qualquer forma, serviu como boa medição para o talento que está em quadra vestido de rubro-negro. Caras como Marquinhos e o veterano Walter Herrmann vão jogar em qualquer lugar, contra qualquer um.

Do ponto de vista dos clubes da NBA e deste blogueiro, porém, o mais interessante foi observar como um prospecto como Cristiano Felício segurou a bronca em jogos contra Phoenix Suns, Orlando Magic e Memphis Grizzlies, ratificando seu potencial. Aos 22 anos, o jovem pivô ainda tem muito o que desenvolver, mas já possui ferramentas físicas e algumas habilidades para se virar entre gente grande – em todos os sentidos.

''Felício mostrou um tanto de habilidade e potencial nesses jogos: ele se virou, na maior parte do tempo, contra caras de NBA'', afirmou um scout da liga norte-americana ao blog, cujo nome e time ele pediu para não serem identificados. Posso apenas dizer que se trata de um clube de ponta, acostumado a jogar os playoffs, e que estive em contato com esse olheiro durante toda a estadia flamenguista no quintal do Tio Sam. ''Sua força, sua habilidade nos rebotes e seu tamanho são interessantes.''

Foi surpreendente até: se formos considerar os três amistosos, talvez Felício tenha sido o atleta mais consistente do Fla. Quem esperava por isso? Talvez nem mesmo sua comissão técnica, que achou por bem investir na contratação do americano Derrick Caracter antes da Copa Intercontinental, crendo ter carências na sua rotação de garrafão. No final, aconteceu o que muitos esperavam: Caracter foi um fiasco. Reflexo de uma contratação feita de longe, às escuras e às pressas. Resta saber apenas a bolada que o veterano ganhou por um jogo sólido contra o Maccabi Tel Aviv e quatro partidas totalmente inócuas: em 21 minutos nos Estados Unidos, ele zerou em pontos e pegou apenas um rebote.

Felício, por outro lado, foi bastante produtivo:

Flamengo, Felício, Estatísticas, amistosos, NBANenhum duplo-duplo. Nenhuma vez acima dos dez pontos? Sim, nada disso. Mas em nenhuma ocasião ele jogou mais que a metade da partida tabém. Os minutos foram reduzidos – média de 19 por jornada. No restante, acumulou 7,6 pontos, 6,7 rebotes, 2,3 roubos de bola, 60% nos arremessos e 2,3 turnovers. Se a gente fosse fazer uma projeção por 36 minutos de atuação, se mantivesse esse rendimento, subiria para 14,5 pontos, 12,6 rebotes, 4,4 roubos e 4,4 turnovers.

Agora os asteriscos: isso não quer dizer, de modo algum, que o pivô brasileiro teria números como esse na liga americana. Afinal, ele enfrentou rivais em ritmo de preparação, e, além disso, nem sempre ele duelou com aqueles que os times têm de melhor (contra o Memphis, por exemplo, ele duelou por bastante tempo com Kosta Koufos, um bom pivô, mas nenhum Marc Gasol). Outra: ele nem mesmo conseguiria ficar 36 minutos em quadra, pois, de acordo com esse mesmo cálculo, chegaria a 7,5 faltas. O que não pode, né?

A brincadeira com os números, no final, só serve para sublinhar o quanto o garoto aprontou por lá. Mais que as estatísticas, o que contou mais no seu caso foi a naturalidade ao encarar um desafio desses, meses depois de ser ignorado no Draft, algo que hoje parece ter sido um erro. A julgar pelo que o atleta entregou nos últimos dias, somado ao bom Eurocamp que havia cumprido em junho, uma escolha de segunda rodada teria sido bem gasta. ''Ele ainda não é um produto acabado, mas tem potencial para jogar na NBA um pouco mais adiante'', afirma o olheiro, que concorda com a tese. ''Há o que crescer ofensivamente, mas no bom sentido: você percebe que ele tem para onde crescer.''

A LDB já não é mais para Felício

Os amistosos deixam evidentes esses pontos que precisam ser trabalhados de modo prioritário, até para que ele possa ganhar mais tempo de quadra. Primeiro, as faltas, mesmo: de tão ágil para alguém de seu tamanho, também com mãos velozes – reparem no número elevado de roubadas –, o jogador se precipitou em muitos lances ao tentar dar o bote para cima de alas e armadores, provocando contato desnecessário.

Contra o Memphis, nesta última sexta, houve um lance exemplar no segundo tempo nesse sentido: Quincy Pondexter iria sair com a bola no fundo de quadra e, depois de um ataque frustrado, o pivô saiu para o combate ali, mesmo. Embora tenha bloqueado a saída pela direita do ala do Grizzlies, com excepcional movimentação lateral, acabou esticando o bração e cometeu a infração óbvia e desnecessária.

Muitas das faltas marcadas contra o pivô brasileiro também aconteceram no ataque, com bloqueios em movimento, o que ajuda a entender seu número elevado de desperdícios de posse – uma vez que tem uma habilidade subestimada para o passe, tanto de frente como de costas para a cesta, esperando pacientemente a aproximação de um Marquinhos na zona morta para um tiro de três, cruzando a bola da lateral do garrafão para a outra quina, no perímetro, para um chute livre… Ele pode ser envolvido no ataque de diversas maneiras.

Para esse dado também vale um asterisco do asterisco, e nessa, estou com o Zé Boquinha: se não for o caso de um corta-luz completamente atabalhoado, apressado, destrambelhado, a arbitragem deveria maneirar nesse tipo de marcação. Independentemente do jogador e da competição envolvidos. Pois estamos falando daquele tipo de falta que, no basquete, se equivale ao puxão na grande área do futebol: você nunca sabe o que o homem do apito quer ver e marcar.

Esses são pontos que podem ser trabalhados com tranquilidade. Detalhes, que podem ser elucidados já com um bom estudo de vídeo. Outro item que consta na lista e que pede maior carga horária em quadra são os treinos para desenvolver seus movimentos individuais no ataque. De frente para a cesta, Felício, por ora, só se aventura nos tiros de média distância. É praticamente impossível vê-lo colocar a bola no chão e partir para uma bandeja. Perto da cesta, seus pontos acontecem basicamente em cortes de pick-and-roll sem a bola e em rebotes ofensivos. Com a velocidade e as mãos que têm, dá para fazer muito mais.

Num time de ponta como o Flamengo, que vai entrar em todo campeonato com um só objetivo de título, talvez não se encontre o cenário mais adequado para o refinamento dos atletas mais jovens, para que eles ganhem cancha. A LDB está aí para isso, é verdade. Para um talento como Felício, contudo, já não rola – chega a ser até covardia colocá-lo nesse tipo de competição. Ele precisa de mais, muito mais depois do que fez nos Estados Unidos. No retorno para a casa, os rubro-negros estão empolgados, com muitas histórias para contar e experiências para assimilar. Entre tantos assuntos, não dá para fugir do potencial de Felício. Em seu canto, espera-se que o pivô e aqueles que estão ao se redor também tenham se dado conta disso. A NBA já reparou, sim.