Flamengo coroa ciclo vitorioso com a Copa Intercontinental
Giancarlo Giampietro
Os rubro-negros só têm o que comemorar: neste domingo, o Flamengo venceu o Maccabi Tel Aviv por 90 a 77 no Rio de Janeiro e conquistou uma Copa Intercontinental histórica, coroando um ciclo vitorioso impressionante, como há muito não se via no basquete brasileiro. O Fla se junta ao Sírio como o único campeão do mundo (Fiba) do país.
Com intensidade defensiva impressionante, empurrada por uma torcida extremamente barulhenta e entusiasmada, e um ataque muito mais eficiente e controlado, atacando o garrafão do campeão europeu com propriedade, o time rubro-negro fez uma grande partida, ganhando o título mais importante de sua galeria, que, nos últimos anos, já havia sido abastecida com dois troféus do NBB e um da Liga das Américas.
Depois das declarações do ala Marquinhos ao final da primeira partida, numa derrota por 69 a 66, criticando a atuação dos reforços internacionais da equipe, o time brasileiro não deu qualquer indício de turbulência em quadra, com grandes atuações de outros dois estrangeiros, mas que já estavam em seu núcleo na temporada passada: Nícolas Laprovíttola (24 pontos e 5 assistências) e Jerome Meyinsse (22 pontos e 6 rebotes).
O armador argentino foi instrumental neste confronto. Ele atacou a defesa israelense lá dentro, algo que realmente fez falta no primeiro confronto. O adversário pode povoar sua zona pintada, mas isso que não quer dizer que você precisa aceitar essa defesa e buscar uma só alternativa (que seria o chute de fora). Laprovíttola envolveu com inteligência os pivôs adversários em jogadas básicas de pick-and-roll e teve muito sucesso a partir daí.
A principal vítima foi Alex Tyus. Embora o americano seja muito mais ágil e atlético que Aleks Maric, ele demonstrou uma dificuldade surpreendente para ler o que se passava ao seu redor quando envolvido diretamente na ação ofensiva. Não sabia se marcava o baixinho ou o grandalhão quando a troca era forçada. Essa hesitação proporcionou muitos espaços para o argentino criar e agredir.
Quebrada a primeira linha defensiva, o pivô Meyinsse pôde entrar no jogo, sendo reintegrado ao ataque flamenguista com suas enterradas vigorosas e um jogo de pés paciente e bonito de se ver: 8-10 nos arremessos de quadra, dominante. As infiltrações de Laprovíttola também proporcionou melhor movimentação de bola e tiros de longa distância equilibrados no primeiro tempo. Nos 20 minutos iniciais, o aproveitamento no perímetro foi bastante inflacionado (com seis conversões em 12 tentativas), bem superior ao da etapa inicial na noite de sexta-feira (pífio 1-14), levando o técnico Guy Goodes à loucura.
(E aqui é o momento para fazer mais alguns considerações a respeito do fundamento: não, não é proibido arremessar de três pontos. Sim, por vezes você precisa recorrer a esse chute na tentativa de abrir a defesa. Posto isso, no primeiro jogo, o Fla se perdeu nestes chutes de maneira precipitada principalmente no primeiro tempo, quando conseguiu jogar em transição e não tinha nada de bloqueio, trincheira ou muralha maccabista no garrafão – esse panorama decantado aconteceu muito mais depois do intervalo. Tivessem atacado com mais consciência naquela ocasião, teriam se colocado em posição muito mais favorável. Não é questão de exigir um jogo perfeito por parte de uma equipe. Você está sujeito a erros de fundamento aqui e ali e a oscilações, uma vez que não joga contra o vento: existe um oponente preparado para te complicar. Mas há coisas que você pode evitar, ainda mais no caso de um time experiente desses. E, aqui, é alarmante que tenhamos de falar de Marcelinho Machado, que voltou a forçar bolas absurdas em flutuação na linha de três.)
Mas o mais importante, mesmo, foi o empenho defensivo flamenguista, protegendo o garrafão de maneira impressionante, com muita atenção e rapidez na cobertura. O time de José Neto já havia marcado muito bem no Jogo 1, com uma contestação exterior exemplar. Neste domingo, apanharam um pouco, é verdade, dos armadores americanos do Maccabi, com MarQuez Haynes fazendo companhia muito mais efetiva ao lado do sensacional Jeremy Pargo.
Em termos de habilidade com a bola, explosão física e poder de decisão, o mais próximo de Pargo que as defesas dos clubes do NBB estão acostumadas a enfrentar seria o veterano Larry Taylor. Mas num nível bem abaixo, né? Individualmente, Laprovíttola, Gegê ou Benite não teriam chance contra ele. O trabalho precisaria ser coletivo, mesmo. E o Fla teve sucesso nisso.
Aí você confere a linha estatística e vê 28 pontos, 7 assistências e 6 rebotes para o americano. Então que sucesso foi esse?
Acontece que 18 dos 28 pontos do armador saíram em bolas de três pontos, ao passo que suas infiltrações foram bem controladas. O baixinho estava endiabrado nos arremessos de fora Teve liberdade em alguns chutes na volta do intervalo, com seu marcador recuando a partir do corta-luz. Mas em alguns chutes o americano simplesmente ''apelou'', todo cheio de confiança, sem se importar com a pressão dos torcedores rubro-negros. No terceiro período, ele anotou sozinho 16 pontos dos 25 de seu time. Em nenhum momento da temporada passada, pelo CSKA, o jogador se mostrou tão à vontade assim.
Três tópicos relevantes ajudam a entender esse momento, para além da capacidade e bom humor de Pargo: a) o Fla quase se deixou levar pelo ímpeto de querer duelar com o americano nos arremessos de três, se perdendo em quatro ou cinco minutos em quadra; b) Haynes assessorou muito bem seu compatriota nessa missão, aliviando um pouco suas responsabilidades, como condutor de bola; c) Marcelinho Machado estava em quadra sem conseguir marcar nenhum deles – com a entrada Gegê e Benite, a defesa melhorou muito, ganhando em agilidade.
Vitor, muito aguerrido e bem mais concentrado do que o normal, foi fundamental no quarto período para frear e desgastar Pargo. Grudou no camisa 4 e deixou as coisas bem mais difíceis para a estrela do Maccabi. Com Pargo praticamente descartado, o time europeu se perdeu ofensivamente. Foi a vez de os israelenses queimarem ataques com arremessos de três equivocados, repetindo as 31 tentativas do Flamengo do primeiro jogo, convertendo 10. Agora se formos descontar os números de seu cestinha, eles ficaram em 4-20, 20%.
O elenco do Maccabi tem bons valores, mas já fica muito clara a dependência em torno do jogo de PArgo. É um time bastante enfraquecido se comparado com o de quatro meses atrás (o desfalque de Sofoklis Schortsanitis pesa muito, com o perdão do trocadilho). A saída de David Blatt também é brutal para suas pretensões na Euroliga, com o técnico Guy Goodes se perdendo em suas rotações e no manejo do placar, tendo três pontos de lambuja ao seu favor.
Mas o Flamengo não tem nada com isso. Fez sua parte em quadra, soube usar a energia da arquibancada de modo positivo – algo que nem sempre é fácil num jogo tensod esses – e conquistou o seu maior troféu. Valeu a festa toda no final, com a galera invadindo a quadra, mas em incidentes. O tipo de descontrole que não faz mal a ninguém.
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Sobre o regulamento da Copa Intercontinental: para futuras edições, ou a organização descola uma brecha de calendário que permita três jogos, ou que fique numa partida única só. Essa coisa de saldo de pontos em dois confrontos é inclassificável. Por exemplo: com 3min08s no cronômetro, o Flamengo vencia por 81 a 70 após dois lances livres de Laprovíttola. Mas, na verdade, não eram 11 pontos de vantagem, já que o Maccabi precisava tirar a diferença pelo menos para 3 para forçar a prorrogação. Isso não pertence ao basquete, como diria o outro.
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Depois de um double-double no primeiro jogo, Derrick Caracter, a contratação pontual e polêmica do time, teve participação muito mais contida neste domingo, com apenas dez minutos de ação. Somou quatro pontos e 2 rebotes. O pivô americano tem agora mais três partidas em sua carreira rubro-negra, com o giro de amistosos em seu país.
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Atualização: E será que Marquinhos fez seu último jogo pelo Fla? Segundo os companheiros Fábio Aleixo e Pedro Ivo Almeida, o ala tem negociações avançadas com o Washington Wizards, que vai abrir seu training camp já nesta terça-feira. Se for para fechar o negócio mesmo com o time da capital, deve acontecer rapidamente. Em entrevista após a final neste domingo, o brasileiro disse que sua oferta é do New Orleans Pelicans, clube que defendeu em sua primeira passagem pela NBA. Mas uma fonte próxima ao clube assegura que só foi feita uma sondagem a respeito do atleta, e uma sondagem preliminar.
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Muito bacana a reação de Walter Herrmann, subindo em um dos aros da Arena HSBC para aplaudir, de pé, seus torcedores e companheiros. Taí um cara que merece qualquer confete. O argentino já está longe do auge, mas é um atleta de muito caráter e fundamentos ainda muito sólidos, que vai contribuir bastante para o Fla em sua luta pelo tricampeonato nacional.