Como não? Brasil reencontra Argentina; veja o retrospecto
Giancarlo Giampietro
Sí, sí. É isso, mesmo. Deu Brasil x Argentina novamente.
Para que o clássico sul-americano se repetisse logo de cara nos mata-matas da Copa do Mundo de basquete, era necessária pelo menos uma combinação de três resultados no Grupo B: que as Filipinas lavassem a alma com pelo menos uma vitória sobre a outra zebra do torneio, Senegal; que a Croácia afastasse os rumores sobre autocombustão (mais uma!?) e vencesse Porto Rico; e que a Grécia provasse sua consistência redescoberta para derrotar nossos vizinhos do Sul, para que eles terminassem em terceiro. Check, check, check. Confere, e cá estamos em mais um jogo decisivo entre os dois rivais.
Em competições intercontinentais, o confronto acontece pelo terceiro evento consecutivo. Sem brincadeira: rolou no Mundial passado, em 2010, e também nas Olimpíadas de Londres 2012. Vocês me deem licença, então, para resgatar e editar um texto de dois anos atrás, recuperando o retrospecto – já nem mais tão recente assim – entre as duas gerações que vão se reencontrar no domingo (17h, horário de Brasília). Uma experiência dolorosa para muita gente, eu sei. Mas esse histórico, que vem de 2002 para cá, é um componente emocional inegável, que tem de ser enfrentado nas próximas 40 e poucas horas.
Desde o torneio de Indianápolis, 12 anos atrás, muitas figuras fundamentais se despediram das quadras. Deu tempo de Marcelinho Machado, por exemplo, anunciar em duas ocasiões que não jogaria mais pela seleção brasileira, para reconsiderar prontamente. Do outro lado, Walter Herrmann também alternou bastante: foi, voltou, foi, voltou. De constantes, mesmo, temos Luis Scola e seu vasto arsenal ofensivo, que continua superprodutivo e eficiente (21,6 pontos por jogo no atual campeonato, mais 8,8 rebotes, 2,2 assistências e 52% nos arremessos).
A diferença é que dessa vez são os argentinos que entram com desfalques. Manu Ginóbili e Carlos Delfino fazem uma falta danada no perímetro: não só como pontuadores, mas também como criadores e defensores. Já o Brasil surge com força máxima. A primeira vez em muito, muito tempo, com todos os seus atletas apresentados, fisicamente bem (ao menos segundo as aparências e os relatos oficiais). Esse é um fator que deve passar obrigatoriamente mais confiança para os rapazes de Rubén Magnano – algo que compense de alguma forma o desequilíbrio emocional gerado por tantas derrotas no decorrer da última década (pensando apenas em grandes competições, ok? Sul-Americano, isto é, excluído). Vamos lá, passo a passo:
– Os argentinos conseguiram sua primeira grande vitória em clássico pelo Mundial de 2002, em Indianápolis, onde seriam vice-campeões. A seleção ainda era treinada por Hélio Rubens, havia dois irmãos Varejão no garrafão, Tiago Splitter estreava com 17 anos, Nenê já estava fora (havia acabado de ser draftado pelo Nuggets), e a armação era dividida por Helinho e Demétrius, hoje assistente de Rubén Magnano. Que, na época, trabalhava para seu país natal. O primeiro tempo terminou empatado em 29, mas os caras abriram boa vantagem no terceiro quarto e triunfaram por 78 a 67.
– Eles repetiram a dose no Pré-Olímpico de 2003. Um ano depois, se consagrariam como campeões olímpicos em Atenas. Em San Juan, Porto Rico, ajudaram a empurrar ladeira abaixo a seleção braileira, agora com Lula Ferreira no comando e bastante renovada. Os ainda garotos brasileiros sofreriam mais três reveses – até para o México de Nájera! – e seriam eliminados. Aquele foi um jogo feio, arrastado e equilibrado do início ao fim, com 35 (!!!) desperdícios de posse de bola.
– Avançamos no tempo consideravelmente agora, ignorando a esvaziada Copa América de 2005, e chegamos a Las Vegas, 2007. Só jogatina e ressaca: o Brasil sem Anderson Varejão, mas com Splitter já bem crescido na Europa e Nenê retornando após quatro anos, e a Argentina sem: 1) Ginóbili, 2) Nocioni, 3) Oberto e 4) Herrmann. Foram duas derrotas para os campeões olímpicos: uma pela segunda fase e a outra, valendo vaga nos Jogos de Pequim, pelas semifinais. Este blogueiro aqui estava lá, ganhou muitos pontos na escala de animosidade com boa parte do atual grupo, em uma cobertura de ambiente tumultuado, extremamente tenso. Luis Scola jogou uma barbaridade, Delfino acertava tudo de fora, Kammerichs tinha o bigodão mais legal do basquete, e foram duas pauladas bem doloridas que custaram a demissão de Lula. What happens in Vegas, stays in Vegas, baby!
– Agora estamos em 2009, com o tiozão Moncho Monsalve no comando, bem piradão, e voltamos a San Juan, pela Copa América, para enfim derrotar uma Argentina que tenha escalado o tal do Scola. Foi pela primeira fase, não tinha vaga em jogo, nem nada. Das principais peças, eles tinham apenas o ala-pivô número 4 e Prigioni, enquanto o Brasil jogou com Varejão, Splitter, Huertas, Leandrinho, Alex e, sim, Duda. Injusto? O trauma era tão grande, que não importava.
– Em 2010, Mundial de Istambul, ainda ouvindo instruções em espanhol, mas com um sotaque argentino: Magnano foi contratado para o lugar de Moncho. A seleção apresenta uma defesa combativa de um modo nunca visto nesta geração, quase derrota os Estados Unidos, mas é eliminada pelos caras nas oitavas de final. Foram 37 pontos de Scola, santamãe, com um quarto período, infelizmente, inesquecível. Para completar, Delfino e Jasen (lembra dele!?) mataram juntos 21 pontos de longa distância. Nocaute.
– Que tal lavar, um pouco, da alma, então, derrotando os arquirrivais logo na casa deles, em Mar del Plata-2011? Foi o que fez a seleção de um Marcelinho Huertas dominante na armação e de um Hettsheimeir surpreendente, não importando que os grandes ícones da Geração Dourada estivessem reunidos por ali. Foi um triunfo que encaminhou a equipe nacional para a primeira vaga olímpica desde Atlanta-1996. Já classificados, os dois times se enfrentaram, então, na final: de moicano, e ressaca das brabas, a trupe tupiniquim perdeu por cinco pontos.
– Em Londres 2012, depois de a Espanha supostamente manipular a tabela, o Brasil terminou em segundo em seu Grupo A. E quem estava em terceiro no B? Sim, a Argentina, numa repetição do atual cenário. As duas equipes contavam com seus grandes nomes, e isso pesou a favor do time que já tinha duas medalhas olímpicas (o ouro de Atenas e um Bronze em Pequim). Os argentinos abriram vantagem de até 15 pontos, viram os brasileiros reagirem, mas ganharam no final. Um drama particular daquele jogo? Os lances livres…
Passando por tantas derrotas assim, não dá para dizer, mais uma vez, que o jogo deste domingo sirva de tira-teima, né? Apenas valeria se nos limitássemos aos confrontos deste ano, em que já se enfrentaram em dois amistosos, com uma vitória para cada lado, cada um vencendo em casa. Mas eram apenas amistosos, bem no início da fase de preparação. No primeiro, no Rio, o Brasil venceu bem, explorando seus pivôs, mas Luis Scola não estava do outro lado. No segundo, em Buenos Aires, um bombardeio de três pontos desarmou a defesa de Magnano. Dois jogos que provavelmente não dizem nada.
Agora, com tanta história envolvendo os rivais, é impossível relevar o retrospecto geral. Os brasileiros vão precisar de toda a maturidade que puderem acessar para encarar esses diversos tropeços, erguerem a cabeça e partirem para mais um clássico para se acrescentar neste relato. Em 2016, vai ter mais?