O sonho filipino (quase) acabou
Giancarlo Giampietro
Você abre o Twitter, e a Fiba já te brinda com o cardápio do dia. Um menu salivante, de modo que é impossível escolher o melhor jogo do dia. Mas, de entrada, você já sabe exatamente o que quer: Filipinas x Porto Rico! Diversão! E drama! Como podemos notar:
Nada contra México x Austrália, um jogo bastante intrigante ao seu jeito, algo que não deve acontecer num torneio internacional desde os anos 70, se é que não tenha sido inédito. Mas como desperdiçar a chance de ver José Juan Barea partir contra seus irmãos distantes, seus clones perdidos desta nação asiática.
Em tempo: já cabe a referência geopolíticonômica (e esse free-style, hein? Acha que é só a turma da Marina que sabe falar difícil? Basqueteiro também inventa das duas). Mas, bem, aqui estamos falando de dois países de colonização hispânica, cujos territórios são arquipélagos, que estão no raio de algumas milhas náuticas de duas superpotências globais (EUA e China) e que, por fim, são apaixonados por basquete.
Com o Sérgio Hernández colocou no Twitter: são dois dos cinco países em que o ato de jogar uma bola numa cesta é o esporte número um. (Aí perguntaram pro técnico qual seriam os outros três. Ele foi de China e Lituânia. ''Em breve te passo o outro… Acho que a Letônia'', disse o Oveja, com humor talvez involuntário.)
Os filipinos têm comprovado durante todo o torneio essa paixão, com uma das torcidas mais entusiasmastes do torneio, perdendo apenas para os finlandeses, que estão em outro patamar no momento – nem torcida de vôlei Banco do Brasil atinge. Contra os porto-riquenhos, os asiáticos mandaram na arquibancada.
Daqui do sofá confortabilíssimo de casa, a adrenalina também corria solta. Começar o dia com Barea contra um exército de tampinhas é o outro extremo de ver um Turquia x Ucrânia, como aconteceu na terça. É um tapa na cara.
A seleção filipina começou o jogo como gosta. Acelerando tudo. Seus baixinhos ficam o tempo todo juntos em quadr, já que não há alternativas. Para entender: na escalação deles, são apenas três caras acima de 2,00 m – e um deles não sabe jogar (Japeth Aguilar, superatlético, mas ruim demais). Acima de 1,90 m, são mais três, embora o 1,98 m atribuído a Gabe Norwood (jogador interessante, subutilizado) e Marc Pingris seja deveras generoso. De qualquer forma, temos, oficialmente, seis atletas de 1,87m para baixo. Esta foto diz tudo:
O do meio, vocês sabem, é uma das estrelas da Copa do Mundo. Andray Blatche, o pivô mais filipino da competição, direto de Syracuse, Nova York. Blatche, odiado em Washington, bastante produtivo em Brooklyn nas últimas duas temporadas da NBA, foi naturalizado neste ano. Diz que tem pai filipino, e ninguém acredita. Nem a família dele.
Blatche tentou 52 arremessos nas três primeiras partidas do Mundial. Na última, contra a Argentina, se pendurou em faltas e abaixou sua média. Era para ele ter passado da casa dos 60 chutes tranquilamente. Ficando mais tempo no banco, contudo, ele viu que seus companheiros sabem jogar. Os baixinhos fizeram frente aos argentinos e quase aprontaram uma tremenda zebra.
E aí a gente percebe como o esporte pode ser bonito, edificante. O grandalhão veio transformado para a quadra nesta quarta, confiando nos seus, hã, compatriotas, distribuindo a bola feito John Stockton. Inspirador, tocante, uma coisa linda. Snif.
Com o maestro Blatche, as Filipinas abriram 14 pontos de vantagem no início do segundo quarto, partindo de um placar empatado em 13 a 13 na primeira parcial. Estavam no seu melhor momento: bombardeando de três pontos, atacando com velocidade, movimentando a bola, buscando bons chutes.
Aos poucos, porém, Porto Rico (desfalcado de Arroyo) soube o que fazer em quadra. O técnico Paco Olmos mexeu bem em seu time, sem hesitar em por Renaldo Balkman no banco. O time começou a alternar sua defesa, muitas vezes pressionando a saída filipina. Desaceleraram os oponentes e passaram a rodar na defesa com muito mais empenho e precisão, cortando os arremessos de fora (permitiram apenas 6/28, 21%), coisa que a Argentina havia sido incapaz de fazer.
Acontece que o elenco porto-riquenho é muito mais veloz, no geral. Bastou uma boa coordenação – e que eles aceitassem essas ordens –, para que fizessem excelente defesa até o final da partida e conseguido a virada já ao final do terceiro período. No bom e velho jogo de gato-e-rato, também fizeram os asiáticos pagarem pela baixa estatura, coletando uma série de rebotes ofensivos (12 no total, com destaque para o a ala Alex Franlkin e o jovem pivô Jorge Díaz). Esses rebotes ofensivos também eram outra forma de anular o contra-ataque.
Com 30 pontos – 11deles em lances livres –, José Juan Barea também fez um partidaço para enfim liderar sua equipe em um jogo digno neste Mundial. Aliás, fica o registro sobre como tudo é realmente relativo nesta vida: perto dos filipinos, Barea nem parecia tão diminuto assim (5 rebotes pra ele, incluindo um ofensivo!).
No quarto final, os dois times trocaram golpes, mas os caribenhos estavam muito mais inteiros em quadra – física, tática e psicologicamente. Andray Blatche pagou o preço por sua forma física questionável. Terminou o jogo com os números fantásticos de sempre (26 pontos e 14 rebotes), mas estava completamente esgotado, tomando decisões ruins no ataque, chegando a seis turnovers. Crédito também para o limitado, porém aguerrido Ramón Clemente, pivô reserva que desgastou o adversário durante o jogo de tanto brigar pela bola.
Porto Rico venceu por 77 a 73, ganhando sobrevida no torneio. Para se classificarem neste equilibradíssimo Grupo B, precisam primeiro torcer para uma vitória da Grécia sobre a Croácia. Depois, na última rodada, têm de vencer os balcânicos.
As Filipinas estão eliminadas, com quatro derrotas, mas não deixam de ser a sensação do torneio. Sem Blatche eles teriam alguma chance? Provavelmente não, ainda que tenham encarado a Argentina muito bem, obrigado. Com um elenco de pouca experiência internacional, sem envergadura ou estatura, mas muita velocidade, habilidade nos arremessos e uma filosofia de jogo definida, levaram os croatas para a prorrogação e exigiram ao máximo de times latino-americanos muito mais tarimbados. Contra Senegal, eles ainda têm a chance de conquistar uma honrada e merecida vitória. Como Julio Lamas disse: é um dos times mais estranhos que já vimos. E estranho é diferente. Diferenças são boas, bem-vindas.
Mais Filipinas! Se for contra Porto Rico, melhor.