E coube a Shilton o lance do bicampeonato do Flamengo
Giancarlo Giampietro
Shilton terminou a final do NBB 6 zerado, sem nenhum pontinho que seja. Errou os dois arremessos que arriscou. De resto, cometeu mais faltas do que pegou rebotes (4 contra 3, respectivamente). E ainda cometeu dois desperdícios de posse de bola em apenas 14 minutos em quadra.
Afe!!! Digamos que não é a melhor linha estatística.
E, ainda assim, o pivô pode ter dado o terceiro título ao Flamengo, para você ver como funcionam as coisas.
Restavam menos de 40 segundos quando Marcelinho saltou para chutar de três pontos (claro) e talvez se consagrar. Os rubro-negros tinham dois pontos de vantagem contra o Paulistano. Era a chance de matar o jogo, garantir o caneco. Deu aro. Enquanto a bola respingava no aro, imagine a apreensão dos torcedores. O time visitante teria a chance de buscar o empate ou até mesmo uma virada, naquela que seria talvez a última posse de bola da partida.
Mas Shilton limpou a barra do ala-armador. Capturou seu único rebote ofensivo. O lance do jogo. A bola voltou, então, para as mãos de Machado, e aí, sim, o cara pôde selar a fatura ao balançar o barbante nos lances livres – foram deles os último quatro pontos, terminando com 16, sendo mais uma vez o cestinha em quadra, ao lado de Meyinsse.
Ao final do jogo, para o SporTV, o veterano afirmou que, para ser campeão pelo Fla, importava a “raça e a entrega”. Depois disse que a técnica até importava, mas deu a entender que isso ficaria em um segundo plano. Não sei bem se concordo, mas, aqui, pegamos a fala empolgada do camisa 4 como o gancho ideal.
Se for para falar de entrega, alma, dedicação, essas coisas, Shilton vale como símbolo. Talvez o símbolo ideal nessa linha – Olivinha tem mais recursos e não pode ser enquadrado nessa categoria.
É um cara para lá de discreto em quadra, não consegue se acertar com a linha de lance livre, não vai ameaçar ninguém no jogo de mano-a-mano com a bola, mas entra na lista daqueles personagens de que todo time precisa.
Dificilmente vai aparecer nos melhores momentos, ou ser chamado de bestial em quadra. Mas ele faz das suas monstuosidades em quadra, no famigerado e sempre subestimado serviço sujo que permite que os astros levem o brilho. Forte para burro, agressivo, limpa a quadra com corta-luzes que machucam e ocupa seu espaço. É difícil de ser removido no garrafão e, além de tudo, tem ótimo tempo de bola para os rebotes.
Shilton não cansa de brigar, e aqui não vamos nos cansar de destacar aqueles que se alimentam das rebarbas, e dão sustentabilidade ao jogo. Para os que estão mais acostumados com a NBA, é só pensar no que Shane Battier fez pelo bicampeonato do Miami Heat. Pode até soar repetitivo. Será que já é batido escrever sobre essas coisas? Espero. Só fica o registro que não é só de Marquinhos ou Marcelinhos (LeBrons e Wades) que vive uma equipe vencedora.
Curioso que, ao lado de Marcus Vinícius Vieira de Souza, houve um dia em que Shilton era enfileirado na lista de prospectos de alas, no início da década passada. Bateu na cuca a lembrança de uma de tantas colunas sensacionais do Melk, na Folha – o melhor texto sobre basquete já publicado no Brasil. Com 1,98 m de altura (ou, vá lá, os 2,00 m apontados pelo Flamengo), mobilidade e capacidade atlética, faria sentido. Pensem em Marcus Vinícius Toledo, ex-Mogi, agora do Pinheiros. Poderia realmente ter sido um caminho, mas as lesões e o basquete brasileiro em si não o permitiram seguir essa linha.
O que não o impediu de se tornar um jogador relevante, ainda que pouquíssimo badalado. José Neto, porém, o acompanhou de perto em Joinville e gostou do que viu, a ponto de levá-lo na bagagem quando pegou a estrada para o Rio de Janeiro, acompanhando o explosivo Kojo Mensah. O ganês já se mandou para a Venezuela, mas o pivô ficou.
Agora é bicampeão brasileiro.
Zerado na final, é verdade, mas com – e graças a?– um rebote ofensivo.