Jason Kidd ‘derruba’ refrigerante em quadra e encara pressão
Giancarlo Giampietro
Acontece, claro. Mas é melhor evitar, né?
Num dos treinos de pré-temporada do Brooklyn Nets, o bósnio Mirza Teletovic e o marciano Andray Blatche se estranharam. Trocaram empurrões, mas o nível de tensão não chegou a ir além disso. Veio a turma do deixa-disso, e a equipe voltou a praticar rapidamente. ''É normal. Acontece todo ano, dez vezes no ano, ou algo assim. É realmente algo competitivo, com os caras trombando e se batendo lá embaixo. O time fica sujeito a ter algumas dessas (confusões'', afirmou Deron Williams.
Bem, com um elenco abarrotado de jogadores talentosos – e ambiciosos –, competição por pontos, minutos é o que não vai faltar, mesmo, para o time do bilionário Mikhail Prokhorov. Quem tem de administrar tudo isso, envolver tantas peças talentosas em torno de um só objetivo, numa mesma família e blablabla é Jason Kidd.
Fosse o armador Kidd, com sua visão de jogo em cinco dimensões e o respeito que emanava em quadra, não haveria problema nenhum. Mas agora estamos falando do técnico Kidd. Outra história. Aconteceu que o Nets, tentando cumprir a corajosa meta estabelecida por Prokhorov, de conquistar um título em cinco anos, resolveu apostar numa figura indiscutível do basquete, mas inegavelmente um calouro em sua nova profissão.
Dá para lembrar de algumas trocas de farpa célebres entre boleiros brasileiros. Quem não se recorda da célebre frase de Romário sobre a janelinha? ''Mal chegou no busão e já quer sentar'', endereçada ao assistente promovido a treinador do Fluminense, Alexandre Gama? Teve também o bate-boca entre Emerson Leão e o agente de jogadores Wagner Ribeiro, com o meia-atacante Lucas no meio. ''O Lucas é uma Ferrari, que está sendo mal conduzida pelo piloto, que não sabe nem sequer trocar a marcha do carro e muito menos dirigi-la'', disse o empresário.
São duas frases que não saem da cabeça na hora de avaliar a contratação do jogador como técnico de um timaço que precisa vencer agora ou agora, nem mesmo três meses depois de sua aposentadoria. Ninguém vai questionar o cérebro de Kidd para o basquete. Mas comandar um elenco pede muito mais que isso. Uma coisa é pensar em quadra, por instinto, quando as coisas vão acontecendo. Outra é planejar o que vai acontecer nas partidas. É necessário ter um conceito de jogo e saber como aplicá-lo desde o início, sem se descuidar com todos os fatores que resultam em química dentro e fora de quadra.
Por enquanto, com 4 vitórias e 11 derrotas, Kidd já se vê em uma enrascada. A ponto de, nesta quarta-feira, ter forjado um incidente ridículo, para dizer o mínimo. Com pouco mais de 8 segundos no cronômetro, sem poder pedir tempo, ele, digamos, sugere que o jovem armador Tyshawn Taylor o acerte (''HIT ME'') na linha lateral de quadra, antes de Jodie Meeks bater dois lances livres para definir a vitória do Lakers. Sua intenção? Não só fazer Meeks repensar toda a sua vida antes de fazer as cobranças, como para ganhar tempo e desenhar uma eventual última jogada para o empate ou a virada. E aí que vira trapalhada: enquanto John Welch, seu coordenador ofensivo, risca a prancheta, Steve Blake e Xavier Henry estão ali, no meio da rodinha brooklyniana, vendo tudo, prontos para espalhar as novidades para seus companheiros. É uma das cenas mais estapafúrdias da história da liga:
Mostra a que ponto o técnico já se sente pressionado.
Claro que, na patética Divisão do Atlântico, dá tempo de sobra para ele e seus atletas se recuperarem. Mas não há dúvida de que, em 28 de novembro de 2013, estão muito aquém da expectativa. A noviça torcida da franquia, na vizinhança nova-iorquina, já começou a vaiá-los. ''Acho que todo mundo aqui está cheio de vergonha'', disse Kevin Garnett. ''Você definitivamente não quer que isso aconteça em casa.''
Para entender o tamanho da vergonha, números. Em termos de quantidade de pontos por jogo, o Nets tem a sexta pior defesa e o nono pior ataque. Se por fazer essas contas considerando o ritmo de jogo de cada equipe, pensando em pontos por 100 posses de bola, os rankings só caem: a equipe teria a defesa menos eficiente e o oitavo ataque mais anêmico. Resultado disso tudo? Mesmo com a contratação de Garnett e Paul Pierce, a franquia também é a última colocada em número de espectadores por jogo.
Claro que isso tudo não é cul-pa de Kidd. Seu time vem sendo um daqueles mais atingidos pela maré de azar quanto a lesões, neste início de temporada. Brook Lopez, seu melhor jogador (sim, isso mesmo), já perdeu seis partidas. O temperamental e quebradiço Deron Williams ficou fora de cinco. Andrei Kirilenko, alguém fundamental para a coesão defensiva, só disputou quatro jogos, ou míseros 53 minutos. Pierce e Garnett perderam um cada e estão com os minutos limitados – uma decisão correta, pensando nos playoffs. Isso, claro, se eles chegarem lá. Algo sobre o qual Prokhorov nem pode pensar. Ainda que ele não tenha se pronunciado oficialmente sobre o assunto, o ESPN.com afirma que, por enquanto, ele dá total cobertura para o aprendizado de Kidd.
Também pudera. Depois da fanfarra que fez ao anunciar a surpreendente contratação de seu novo técnico, o magnata russo assegurou que era tudo ideia sua. E, bem ao seu modo de fazer graças a toda hora, gastando uma série de piadas como qualquer um dos homens mais ricos do mundo pode fazer, disse que seu novo técnico lhe lembrava o personagem de Tom Cruise no filme ''Top Gun'', hit de bilheterias – e locadoras – nos anos 80. Uma referência bizarra.
''Quero refrescar sua memória. Tom Cruise interpreta o Maverick, e ele é um piloto top, um verdadeiro líder. No final, ele tomou a decisão de se tornar um instrutor porque ser um líder era o que ele mais valorizava. Então, Jason Kidd é a nossa Top Gun. Ele vai fazer seu melhor, estou certo, para usar todas as suas qualidades para nos elevar como uma equipe'', disse o russo.
E aí? Todo mundo convencido, né?
Esse é um sujeito que conseguiu dar um jeito para acumular mais de duas dezenas de bilhões de dólares de fortuna – até agora sem se abalar por falácias de mercado futuro ou nenhuma companhia que termine com ''X''. Como questionar o feeling de uma figura dessas? Chega a ser até opressor.
Mas o problema com Prokhorov, muitas vezes, é a sua vocação para o show, mesmo. Ele pode falar o quanto quer um título de NBA, mas se tornar o dono de uma franquia esportiva nos Estados Unidos tem muito mais a ver com glamour e as luzes. E daí vem uma citação pop demodé e tresloucada dessas. Depois ele garante: ''Para mim, internamente, só há um lugar aceitável: o número um.''
Por isso ele não se importa em bancar uma folha salarial de US$ 101,2 milhões. É, disparada, a maior do campeonato, conseguindo uma façanha praticamente impensável há um ou dois anos: faz da quantia gasta pelo vizinho de Manhattan, o Knicks, algo até razoável (US$ 86,8 milhões). Além do dinheiro gasto com os salários, a franquia ainda vai pagar mais de US$ 80 milhões em taxas por exceder arrebentar o teto da liga. ''Acho que eles ainda estão contando o dinheiro no escritório'', brincou o russo. ''Mas, falando francamente, espero apenas que o cheque não volte.''
Beira o injusto depositar esse cheque e a esperança de estar no topo na conta de alguém que, antes de o campeonato começar, se assumia como uma ''esponja'', em fase de aprendizado. ''Estou tentando absorver toda a informação que puder de Doc, Pat Riley, Phil, de todos, para anotar isso e compartilhar com o estafe. Algumas dessas coisas vão pegar, outras vão ser jogadas fora. Algumas podem reaparecer, tudo em busca de uma identidade para o time agora. Mas, no fim, sou eu que vou tomar minhas próprias decisões e encontrar meu próprio caminho'', disse Kidd.
Para chegar lá, Kidd tem muito mais com o que se preocupar do que eventuais conflitos internos em treinos. A briga hoje é muito mais séria.