Festival de chutes de longa distância marca início das semifinais do Paulista
Giancarlo Giampietro
Não é a maior base de dados. Apenas uma pequena amostra, ou um tira-gosto por assim dizer. Mas, depois de ver alguns dos últimos jogos dos mata-matas do Campeonato Paulista, fica difícil de fugir do assunto, sobre aquilo que o professor Paulo Murilo costuma se referir como a ''hemorragia de três pontos'' do basquete nacional.
Acho que já até virou anacrônico dizer que é anacrônico o modo como preferido como se busca a cesta em quadras nacionais, chutando sem parar de fora, sem o menor pudor ou peso na consciência.
Acompanhem comigo o raciocínio e, me ajude, por que talvez não faça muito sentido: se os arremessos de três pontos valem mais do que o de dois, seria talvez por que ele é mais difícil? Se ele é mais difícil, talvez isso por acaso queira dizer que você tem menos probabilidade de convertê-lo? Se você tem menos probabilidade de convertê-lo, você voltaria todo o seu plano de jogo, ou uma parcela considerável de sua ofensiva para esse tipo de lance?
Sim, senhor.
Pelo menos é o que andamos vendo: nas duas primeiras partidas da semifinal, Jogos 1 entre Bauru e São José e entre Pinheiros e Paulistano, os quatro clubes arriscaram um total de 104 chutes de longa distância (média de 52 por partida). Foram 55 no clássico da capital e 49 no duelo interiorano.
É muita coisa.
Quer saber o quão exagerado este número é?
Nesta semana tivemos nove jogos da Euroliga. Os 18 clubes participantes somaram 292 bolas de três pontos. A média foi de 36,5 por jogo.
Aí alguém pode dizer que os confrontos da Euroliga são muito chatos, todos excessivamente táticos, maçantes. Então toca clicar na tabela de jogos da NBA e usar a calculadora pelo menos para os amistosos de pré-temporada realizados nesta quinta-feira.
Pois bem, os oito clubes arriscaram juntos 150 tiros de fora, média de 37,5 por jogo. A gente sabe da maior, né? Os jogos da liga norte-americana têm maior duração: 48 minutos por confronto, diante dos 40 regulares da Fiba. Numa média, então, de chutes por minuto, esses quatro duelos tiveram 0,78 por minuto, contra 1,3 arremesso por minuto do Paulista. Outro detalhe: estamos falando aqui de confrontos de pré-temporada, que por vezes descambam em peladas oficiais, sem rigidez dos técnicos nas rotações e jogadas, com muitos atletas jogando para tentar descolar as últimas vaguinhas nos elencos da temporada regular.
Dos jogos que consultei da Euroliga e da NBA, apenas três tiveram esse padrão tresloucado que tanto adoramos em relação a bolinhas de três pontos: Milwaukee Bucks 100 x 90 Charlotte Bobcats, com 52 disparos de longe (reforçando: em 48 minutos, oito a mais do que nos jogos do Paulista); Maccabi Tel Aviv 90 x 61 Elan Chalon, com 51 (no qual a equipe perdedora se responsabilizou por 29 chutes) e, exagerando, Real Madrid 83 x 75 Fenerbahce, com 41 bolas, oito a menos que Bauru e São José.
No caso dessas três partidas destacadas, apenas no duelo entre Maccabi e Elan Chalon o número de chutes de três ultrapassou grosseiramente os 50% quando comparados ao total de dois pontos: 65%. Na vitória do Real, caiu para 50,6%. Na pelada que foi Bobcats x Bucks, o número ficou em 39%. Nas duas semis do paulista, foram 66,4% (103 tiros de fora contra 155 na área interna).
Precisa dizer mais?
Talvez só o seguinte: tentar a cesta de três pontos não é um crime. Trata-se de uma arma que, se bem usada, pode punir a defesa adversária. Na NBA, por exemplo, o chamado ''corner three'' virou uma ferramenta básica para qualquer ataque – é o ponto de menor distância do perímetro para o aro e, além de tudo, age de um modo estratégico para dificultar as ajudas da defesa oponente quando um Tony Parker da vida quebra a primeira linha e parte para o garrafão. Isto é, é um fundamento que está aí para ser usado. Mas usá-lo como a principal finalidade em si? Parece loucura.
* * *
Equipe que disparou por conta própria 38 bolas de longa distância no quinto jogo da série contra Franca, o São José possui apenas um jogador entre os dez melhores chutadores de três do Estadual: o armador Fúlvio, que é o décimo, com 42,68% na mira. Chico, Álvaro Calvo e Dedé estão entre os 20 primeiros – mas o último não vem jogando, afastado por lesão. De resto, mais ninguém entre os 44 principais gatilhos do campeonato.