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Arquivo : Sergio Rodriguez

Euroligado: muito aperto, Real x Barça e a queda do invicto
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Giancarlo Giampietro

Rudy Fernández foi o MVP da rodada. Mais que merecido

Rudy Fernández foi o MVP da rodada. Mais que merecido

É, amigos, haaaaaja coração, expressaria o Galvão.

Foi uma semana de infartar na Euroliga, a 16ª da competição continental, e a sexta em sua segunda fase, o Top 16. A semana mais especial da temporada, sem dúvida. Das oito partidas disputadas, quatro foram decididas por três pontos ou menos no placar, enquanto outras três a vantagem do time vencedor não superou a barreira dos nove pontos, com direito, aqui, a um triunfo do Olypiakos sobre o CSKA Moscou, por 85 a 76, encerrando a invencilidade. A única sacolada? Foi justamente no superclássico espanhol, com o Real Madrid atropelando o Barcelona por 97 a 73, em casa. Alguns pitacos, então:

– Começando pelo duelo Real x Barça, o terceiro desta temporada 2014-2015. Cada um dos arquirrivais havia vencido uma vez, e os merengues levaram esse primeiro tira-teima com autoridade. Rudy Fernández jogou uma barbaridade. O ala primeiro deu o tom de uma defesa pressionada que desestabilizou o jogo exterior de um oponente que já não contava com Juan Carlos Navarro e Brad Oleson. O abafa permitiu que sua equipe jogasse em transição, do modo como adora fazer. Quando o Real encaixa seu contra-ataque, já deu para perceber que a atual configuração do Barcelona simplesmente vai comer poeira. Os catalães simplesmente não conseguem acompanhá-los – em contrapartida, numa partida mais truncada, de meia quadra, tendem a levar a melhor graças ao poderio de Ante Tomic. Rudy marcou demais e brilhou também no ataque, somando 22 pontos, 9 rebotes, 5 assistências e 3 roubos de bola em apenas 28 minutos. Os dois Sergios, Rodríguez e Llull, acompanharam o ritmo e acumularam 34 pontos e 10 assistências, dando um trabalho danado a Marcelinho Huertas, que se despediu de quadra com oito pontos e seis turnovers em 23 minutos. A única nota positiva para o Barça foi o desempenho do jovem Mario Hezonja, com 22 pontos em 28 minutos, matando cinco bolas de três pontos. O garoto de 19 anos, da Croácia, está com a confiança lá em cima. Veja alguns dos melhores momentos da partida que transmiti ao lado de Mauricio Bonato pelo Sports+:

– O desfecho mais polêmico valeu para Galatasaray 94 x 97 Maccabi Tel Aviv, definido na prorrogação. A equipe turca não se conforma com um toco do pivô Alex Tyus, do Maccabi, para cima do armador Erden Arslan, a seis segundos do final do tempo extra. Para eles, se tratou de uma bola claramente na descendente. A arbitragem validou o bloqueio. Em release divulgado na sequência, o Galatasaray escreve com todas as palavras: “A vitória nos foi roubada injustamente”. Confira o lance o vídeo abaixo – é um lance muito difícil, mesmo em slow… Ainda acho que a arbitragem acertou em sua marcação, todavia. Detalhe: com quatro segundos restantes no quarto período, o ala-pivô sérvio Zoran Erceg desperdiçou um lance livre que já poderia ter dado o triunfo ao clube turco, que teve uma grande reação na parcial. Outra: mesmo que a bola de Arslan tivesse caído, o Maccabi ainda teria a posse de bola e Jeremy Pargo poderia ter feito, da mesma forma, sua cesta heróica. Por fim: o técnico Ergin Ataman, que tanto protestou em quadra e durante a coletiva, não recebe salário há sete meses (se-te!!!!!!!) e estuda rescindir seu contrato, cansado de promessas não cumpridas. Já destacamos aqui que o Gala perdeu três jogadores ao final da primeira fase por conta de problemas de pagamento. Antes de atacar a organização da competição por um lance no máximo duvidoso, poderiam cuidar de suas próprias dívidas, né?

– Limitado a apenas dois pontos em derrota para o Anadolu Efes, Vassilis Spanoulis reagiu ao seu melhor estilo ao marcar 19 no importantíssimo triunfo do Olympiakos sobre o CSKA, que encerra sua sequência vitoriosa na Euroliga em 15. Os dois times agora estão empatados na liderança do Grupo F – terminar na liderança pode ser algo essencial, dependendo, claro, da classificação do Barcelona, que hoje está justamente em quarto do outro lado da chave e cruzaria com o líder aqui. Mas a expectativa é que o clube espanhol reencontre o rumo no segundo turno do Top 16 e consiga, pelo menos, ultrapassar o Panathinaikos na tabela e, quiça, o Maccabi, que está empatado com o Real na ponta (5-1). Em casa, os gregos perderam o primeiro quarto por 17 a 11, mas conseguiram assumir o controle do placar já no segundo período (vencido por 32 a 20). A estratégia foi não dar espaço algum para Milos Teodosic nas jogadas de pick-and-roll, cortando o mal pela raiz: os ágeis pivôs como Dunston e Hunter dobravam para cima do armador, sem tirando o arremesso e a linha de passe, num empenho irrepreensível. Do outro lado, também procuraram explorar as deficiências defensivas do sérvio sempre que possível – fez falta, então, para os russos o americano Aaron Jackson. Não há mais invictos agora na Euroliga.

– Na derrota custosa para o Zalgiris Kaunas, por 70 a 68, em casa, o Estrela Vermelha errou todos os 19 arremessos que tentou de três pontos. Todos, mesmo, inclusive o último, com o armador Marcus Williams buscando a consagração na última bola. Os caras já haviam desperdiçado 18 chutes de longa distância e ainda assim foram para a bola matadora. Peserverança: a gente se vê por aqui. O americano, aliás, errou cinco disparos, deixando seu aproveitamento na temporada cair para 30,1%. Tá ok! Seu compatriota Charles Jenkins desperdiçou outras quatro. Ao menos, tantos erros proporcionaram 17 rebotes ofensivos no geral para o time e mais um double-double de Boban Marjanovic, o último dos dinossauros, que marcou 17 e 10 em 27 minutos. O engraçado é que os visitantes lituanos acertaram apenas 3 bolas de três na partida. Mas só em 14 tentativas. James Anderson fez 22 pontos para eles.

– Se não há mais invictos, também temos agora ao menos uma vitória para cada participante do Top 16. O lanterninha Unicaja Málaga foi o que mais demorou para comemorar, batendo o Nizhny Novgorod por 85 a 76. O armador Jayson Granger, um jogador que cresceu demais nos últimos dois anos, fez 29 pontos em 25 minutos, acertando 9 de 13 arremessos de quadra e 9 de 10 lances livres. Pouco eficiente o uruguaio, né?

Devido ao adiantado da hora, a sessão vai ter um texto mais econômico hoje, ok?


Euroligado: um quarto inesquecível para Huertas
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Giancarlo Giampietro

Diamantidis, considerado um dos melhores defensores do basquete europeu na história, não conseguiu parar Huertas

Diamantidis, considerado um dos melhores defensores do basquete europeu na história, não conseguiu parar Huertas

Dentre todos os brasileiros que estão em atividade no exterior, o pivô Augusto Lima é aquele que vive a melhor temporada, no geral. Já contamos essa história. Mas aquele que vive a melhor fase é Marcelinho Huertas, conforme notado há algumas semanas também. Nesse excelente momento individual por que passa o armador,  os dez minutos mais vultuosos aconteceram nesta sexta-feira, no terceiro período da vitória providencial do Barcelona sobre o Panathinaikos, por 80 a 76. Foram, talvez, sem exagero, os dez melhores minutos de sua carreira – algo que só ele pode confirmar, claro.

Anotem essa: no confronto transmitido pelo Sports+, com Rafael Spinelli e Ricardo Bulgarelli, o paulistano matou seis bolas de longa distância depois do intervalo, sendo cinco delas de modo consecutivo. A sequência só foi interrompida por um pedido de tempo de Dusko Ivanovic, técnico do time grego e seu comandante por duas temporadas no Baskonia (hoje Laboral Kutxa). O sérvio pode ter tentado “marcar” o ex-pupilo, uma vez que sua defesa não conseguia pará-lo de modo algum, mas não deu certo.

Os dois primeiros arremessos caíram para dar ao Barça a liderança no início do terceiro quarto (45 a 40), depois de fal-e-cesta em cima de Esteban Batista. O americano DeMarcus Nelson converteu uma bandeja em infiltração para descontar. O ataque do Barça teve, então, bela movimentação de bola – destaque aqui para o pivô Ante Tomic, excelente passador a partir de marcações duplas – para encontrar o brasileiro novamente no perímetro. Livre, deu cesta. Na posse de bola seguinte, para desespero de Ivanovic, lá estava Huertas novamente sozinho para encaçapar a quarta, abrindo vantagem de nove pontos. Aí veio o pedido de tempo. O ala Vlantimir Giankovitz acertou um gancho. No ataque seguinte… Nova bomba de três para Huertas,  a quinta em menos de três minutos. Ao final da parcial, no último ataque catalão, ele contou com um pouco de sorte num chute de muito longe, a partir do drible, para fazer a sexta cesta de longe. Saíram, deste modo, 18 de seus 22 pontos.

(O Panathinaikos ainda apertou o jogo e vendeu cara a derrota, ficando a um ponto do empate no finalzinho, mas o time da casa sobreviveu, para somar sua primeira vitória na fase de Top 16.)

Na temporada, Huertas estava com um aproveitamento de 45,1% nos arremessos de fora. Já era o melhor rendimento de sua carreira na Euroliga, superando os 44,2% de 2010-11, pelo Baskonia, justamente sob a orientação de Ivanovic – e bem mais produtivo que os 33,8% do campeonato passado ou que os 35,6% da carreira, por exemplo. Depois da formidável jornada, no entanto, elevou este número para 51,3%. Nos últimos cinco jogos, são 66,6% (12/18).

Quando o armador está com uma pontaria dessas, seu jogo simplesmente vira um pesadelo para a concorrência, já que eles não podem se descuidar de suas infiltrações. Não apenas por sua capacidade para matar aqueles chutes lindos em flutuação, como também pela destreza nos passes, para deixar Tomic e os pivôs do Barça em ótima posição para finalização, ou para encontrar arremessadores como Navarro e Oleson abertos na zona morta. Rubén Magnano deve estar empolgado.

PS: neste domingo, numa partida que a Liga ACB já define como “apoteótica”, o Barça derrotou o Unicaja Málaga por 114 a 110, com mais 19 pontos e 8 assistências de Huertas, em 27 minutos. O jogo foi definido na prorrogação apenas, na Catalunha.)

O jogo da rodada: Anadolu Efes 74 x 70 Unicaja Málaga
Foi daquelas vitórias que deixa o time vencedor em êxtase, ao passo que os perdedores entram em luta contra a depressão. Vindo de uma sequência de cinco reveses pela competição – embora lidere a Liga ACB de forma surpreendente –, a equipe malagueña, com sua proposta de jogo acelerado, venceu o primeiro tempo em Istambul por 15 pontos de vantagem (49 a 34). Mas marcou apenas 21 pontos depois do intervalo, com um desempenho ofensivo tenebroso.

A diferença foi construída com base em bom desempenho dos pivôs Will Thomas e Vladimir Golubovic na linha de frente, assessorados pelo armador Jayson Granger, todos reservas na rotação volumosa de Joan Plaza. No terceiro período, contudo, não houve quem conseguisse superar uma defesa muito bem armada por Dusan Ivkovic, que forçou uma série de chutes desequilibrados de seus oponentes, levando apenas oito pontos em dez minutos. Com múltiplas conversões de três do outro lado, a jovem equipe turca empatou o placar em 57 a 57.

Por mais substituições que fizesse, Plaza não conseguiu encontrar uma resposta, e o Anadolu chegou a abrir 67 a 59 no placar, numa parcial impressionante de 33 a 10 desde o final do primeiro tempo. Foi só com o veterano islandês Jon Stefansson, após um pedido de tempo, que o treinador espanhol ganhou algum suporte em quadra, voltando a equilibrar as coisas para os dois minutos finais, ficando três pontos atrás (69 a 66). O armador naturalizado croata Dontaye Draper, no entanto, foi decisivo nas últimas posses de bola com uma bandeja e um chute de fora para definir o primeiro triunfo do time de Dusan Ivkovic (aquele que não gosta de americanos meia-boca, diga-se) no Top 16.

Dario Saric não teve dos jogos mais empolgados no ataque (5 pontos e 2 assistências em 29 minutos, com 2/4 nos arremessos), mas o jovem ala Cedi Osman voltou a produzir bem, com 12 pontos em 16min54s, matando 5/10.

O que os cartolas pensam
Na segunda parte de sua enquete com os gerentes gerais dos times que disputam o Top 16, a Euroliga se concentrou nos jogadores – algo sempre mais interessante (neste link e neste também). Vamos a alguns dados:

euroleague-survey-mvp-2015-teodosic

– Marcelinho Huertas foi apontado como o quarto melhor armador do campeonato, com 8,3% dos votos, atrás de Milos Teodosic (CSKA, 41,6%), Sérgio Rodríguez (Real Madrid, 25%) e Vassilis Spanoulis (Olympiakos, 16,6%). Páreo duro, mesmo. Na hora de responder sobre quem seria o melhor passador, Huertas voltou a aparecer em quarto, ao lado do francês Thomas Heurtel, do Anadolu, com o mesmo percentual, atrás de Rodríguez (29,1%), Teodosic (25%) e Dimitris Diamantidis (Panathinaikos, 20,3%).

– Teodosic recebeu 33,3% dos votos na hora de palpitar sobre o eventual MVP dessta temporada, superando Boban Marjanovic (20,8%) e Tomic (12,5%). Andrew Goudelock, do Fenerbahçe, Nando De Colo e Sonny Weems, ambos do CSKA, Rudy Fernández, do Real, James Anderson, do Zalgiris, e Spanoulis também foram citados.

– Goudelock foi apontado com o melhor americano da competição, com 33,3%, acima de Weems, Anderson e Keith Langford, do já eliminado UNICS Kazan.

– Os alas-pivôs Stephane Lasme, do Anadolu, e Kyle Hines, do CSKA, foram apontados com os melhores defensores, com 16,6%. Hines ganhou a votação de jogador mais durão, mais chato de se lidar, com 16,1%.

– Agora, se eles tivessem o direito de assinar com qualquer jogador da Euroliga, sem nenhuma restrição, o alvo seria Spanoulis, com 33,3%, seguido por Tomic (12,5%), Bogdan-Bogdan, Weems e De Colo (8,3%).

Lembra dele? Felipe Reyes (Real Madrid)

Reyes, em seu gancho tradicional: fundamento, QI e determinação

Reyes, em seu gancho tradicional: fundamento, QI e determinação

O eterno coadjuvante. Reyes, 34, sempre foi mencionado na segunda linha de todos os textos sobre a era dourada espanhola, depois de Pau Gasol, Navarro, Calderón e até de Garbajosa. Pois o país já praticamente trocou de gerações, e o veterano  ala-pivô do Real se aprofundou na sua condição de coadjuvante. Em termos de esforço, consistência e fundamentos, porém, estamos falando de um craque, realizando uma Euroliga sensacional (sua 11ª!). Em vitória por 93 a 78 sobre o Galatasaray, na quinta, ele marcou 22 pontos e pegou 11 rebotes em apenas 22 minutos, acertando 9 de 13 arremessos, atingindo índice de eficiência de 29, para dividir o prêmio de MVP da jornada com o americano Brian Randle, do Maccabi Tel Aviv. Estraçalhou, num ritmo ainda mais forte do o que vem imprimindo na temporada (médias de 11,3 pontos e 6,1 rebotes em 17 minutos).

Em números

Goudelock fez o que quis no segundo tempo contra o Nizhny: tiros de três, bolas em flutuação, bandejas lindas. O mini Mamba faz estragos na Euroliga e já é considerado pelos cartolas o melhor americano e o melhor shooting guard da competição, além do segundo melhor arremessador, atrás de Jaycee Carroll, do Real

Goudelock fez o que quis no segundo tempo contra o Nizhny: tiros de três, bolas em flutuação, bandejas lindas. O mini Mamba faz estragos na Euroliga e já é considerado pelos cartolas o melhor americano e o melhor shooting guard da competição, além do segundo melhor arremessador, atrás de Jaycee Carroll, do Real

23 – O total de pontos anotados por Goudelock em apenas 24 minutos, na vitória do Fenerbahçe sobre o Nizhny Novgorod, por 78 a 60, guiando uma arrancada do clube turco no segundo tempo. O que vale ressaltar aqui: a flexibilidade que Zeljko Obradovic tem em seu elenco. Sua defesa melhorou muito após o intervalo, quando ele abriu mão de jogar com seus pivôs mais pesados (Savas, Erden e Zoric), emparelhando Jan Vesely, Emir Preldzic e Nemanja Bjelica. Que trio, não? Versáteis, ágeis, espichados, podendo trocar na marcação sem problemas, tapando o garrafão.

12 – O CSKA chegou a 12 triunfos consecutivos, sustentando sua invencibilidade, ao bater o Laboral Kutxa por 99 a 90 – partida que transmiti pelo Sports+. O clube russo claramente jogou para o gasto, ciente de sua superioridade em relação ao time espanhol, aquele que mais trocou peças durante a competição. Juntos, Teodosic e De Colo contribuíram com 35 pontos e 13 assistências, com 10/21 dos arremessos.

1 – Apeas um time do Grupo E conseguiu duas vitórias nas duas primeiras rodadas do Top16: o Real. De resto, temos seis times empatados com 1-1 e o Estrela Vermelha na lantetrna, com 0-2. No Grupo F, Olympiakos, CSKA e Anadolu estão com 2-0, com o time grego liderando a chave com base no saldo de pontos (+32).

Tuitando


Dois finalistas, duas jornadas diferentes na Europa, um título marcante
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Giancarlo Giampietro

O show do Real Madrid

O show do Real Madrid

O que dá mais confiança? Um atropelo contra seu arquirrival ou uma vitória de virada com cesta nos últimos segundos? Difícil dizer, ainda mais para quem acompanhou os dois belos jogos desta sexta-feira pela semifinal da Euroliga, mas o certo é que Real Madrid e Maccabi Tel Aviv vão para a decisão de peito estufado, em busca de uma conquista marcante.

Aí você fala: “Ô, cara, e que título não seria marcante? Seu bobo alegre”.

Tudo bem, tudo bem, pode falar.

Mas é que realmente há razões muitas razões para ambos os finalistas celebrarem, para tornar o troféu a ser entregue no domingo mais especial do que o normal.

O Real, por exemplo. A equipe jogou o basquete mais bonito, vistoso e, ao mesmo tempo, eficiente de toda a temporada. E pode incluir aqui NBA, ACB, NBB e qualquer sigla de sua preferência. Os caras cumprem uma temporada histórica, cheia de brilho, que merece todos os troféus possíveis para completá-la. Se for para interromper um jejum que já dura 18 anos, tanto melhor – a última vez que conquistaram o continente foi em 1995, e pensar que a turma do futebol merengue reclama que a Champions não sai desde 2002…

Nesta sexta, no segundo jogo do dia, os madridistas aplicaram mais uma clínica gratuita e impiedosa, vencendo seu confronto por inacreditáveis 100 a 62. Já seria um placar absurdo contra qualquer oponente, o maior em semifinais da Euroliga. Mas quando você sabe que o Barcelona estava do outro lado, as coisas ganham contornos épicos – também foi o maior em Superclássicos em competições europeias, superando os 21 pontos na temporada 1993-94.

Esse é um termo que tem corrido um sério risco de cair num poço banal. Qualquer coisa hoje é épica, qualquer zé mané pode ser eleito um mito graças a uma pedrinha atirada de modo que ela quique na água sem afundar. Mas se a gente pega um Real que chegou a vencer 31 partidas consecutivas e já ganhou a Supercopa e a Copa do Rei em solo espanhol, com ambas as finais contra o mesmo Barça, e soma nessa conta o atropelo cometido em Milão, tudo fica muito grandioso, mesmo.

O Real, a essa altura, luta muito mais do que pelo título. O time de Pablo Laso luta para estourar a porta da história, entrando com tudo, como Cosmo Kramer costumava entrar no apartamento do Jerry. Com pompa e de modo estrondoso. Não será apenas uma equipe listada em meio a tantos outros campeões. Será um grupo relembrado para sempre, mesmo que não consigam repetir taças e o mesmo rendimento avassalador nas próximas campanhas.

O que não quer dizer que não houvesse um suspense para mais um duelo com o Barça em Milão. Marcelinho Huertas e seus companheiros haviam acabado de bater seu principal oponente no fim de semana passado, interrompendo uma sequência de três triunfos dos merengues.

Foi uma vitória com alguns asteriscos (Felipe Reyes, um líder e ainda um baita jogador, não jogou e Rudy Fernandez foi excluído por duas faltas técnicas e o Real tinha a liderança da liga nacional assegurada), é verdade, mas era algo que com o devido contexto colocava o favoritismo do clube blanco em dúvida. Afinal, o Barcelona já havia feito a melhor campanha do Top 16 da Euroliga e vinha numa arrancada na Liga ACB, com o maior saldo de cestas das últimas dez rodadas. Além disso, eles surraram o Real em quadra – embora o placar final tenha sido de 86 a 75, durante a partida a vantagem chegou aos 20 pontos. Tudo isso fazia a semifinal continental ainda mais e mais e mais interessante.

No primeiro quarto, um empate por 20 a 20 aumentava a tensão. O Real apresentou um ataque travado por uns seis, sete minutos – com um jogo atipicamente individualista, com poucas trocas de passes e precipitações na hora de concluir. Do outro lado, a equipe cometia muitas faltas, dando ao adversário o luxo de bater lances livres já a partir da marca de 6 minutos, enquanto Huertas brilhava em suas conexões com Ante Tomic.

Até que Laso chamou do banco de reservas seu MVP, Sergio Rodríguez, um pouco mais cedo do que o usual. E o panorama da partida se alterou drasticamente. O barbudo botou pressão para cima do armador brasileiro, levou ainda mais vantagem contra Victor Sada, e a intensidade de seu time começou a entrar nos conformes. Reyes e o tunisiano Salah Mejri também deram um bom empurrão na equipe, enquanto Nikola Mirotic atacava de modo exuberante, deixando qualquer pessoa ligada ao Chicago Bulls com água na boca.

O primeiro tempo terminou com uma vantagem já mais confortável, de oito pontos (47 a 35), mas era muito difícil prever o que viria a acontecer na segunda etapa. O Barça não conseguiu marcar mais de 14 pontos nos dois quartos, enquanto o Real acumulou 28 e 27. Um espanco, como diria Maurício Bonato. E as pancadas vinham de todos os lados.

Rodríguez foi mais uma vez fenomenal, 21 pontos em 20min51s, sem falar do aproveitamento de 4-5 (80%) nos chutes de três e as seis assistências, dos sete lances livres cavados e toda encheção que ele causa na defesa. Mirotic terminou com 19 pontos em 24 minutos, matando 6 de 8 arremessos de quadra e também foi presença constante na linha de bonificação. Reyes, Sergio Llull e um contido Rudy Fernández também superaram os 11 pontos. Só o caçula Daniel Diez, que entrou em quadra nos últimos 3min21s não fez cesta. Mais números: 60,5% nos chutes de dois (contra 43,6%), 48,3% de três, num número elevado de tentativas, 29, mas com bolas majoritariamente equilibradas (contra 27,8%) e 17 assistências para meros oito turnovers.

Os atletas do Barcelona perderam a compostura em quadra, ficaram desnorteados. Foi um nocaute literalmente técnico. Ainda tentaram apelar para a catimba e algumas faltas mais duras aqui e ali. Kostas Papanikolau, que lutava pelo tricampeonato, chutou a placa de publicidade e bateu boca com torcedores. Ficou feio.

Então percebem como esse título seria algo maravilhoso para o Real, né?

Tyrice Rice e Alex Tyus, decisivos no quarto período em vitória incrível

Tyrice Rice e Alex Tyus, decisivos no quarto período em vitória incrível

Agora, o Maccabi também te seus argumentos. Em Israel, estão acostumados a reinar de modo absoluto, mas ultimamente alguns concorrentes impertinentes vêm dando trabalho. No ano passado, o Maccabi Haifa, liderado por Gael Mekel – hoje reserva do Mavs –, ousou destroná-los na liga nacional. Nesta temporada, o time azul e amarelo ocupa a liderança, mas constantemente pressionado. É algo que incomoda, muito. Mas muito mesmo. Quase como uma nuvem de pernilongos carniceiros.

Em meio a esse desconforto, o clube chegou a perder quatro partidas seguidas – entre liga israelense e Euroliga –, e houve, acredite, quem especulasse ou pedisse a demissão de David Blatt. Algo inconcebível. Para ver como ficam mal-acostumados com o sucesso.

Pois bem. Sofrendo um pouco, o Maccabi conseguiu se desvencilhar de Bayern de Munique e Lokomotiv Kuban, e avançou aos mata-matas com a terceira colocação de seu grupo no Top 16, atrás de CSKA e Real. Nas quartas, derrubaram o Olimpia Milano para assumirem a condição de estraga-prazeres oficial do torneio continental, tirando os anfitriões do Final Four da competição, numa série encerrada em 3-1, mas com jogos duríssimos.

Mesmo os jornalistas locais mais camaradas admitem que este elenco de Blatt é o mais fraco do time de Tel Aviv a chegar ao Final Four nos últimos anos. De qualquer forma, depois de algumas semanas de turbulência, conseguiram se colocar entre os quatro melhores, encerrando um intervalo de dois anos.

Contra o CSKA, eu os colocava como azarões. E por três quartos o time moscovita fez valer esse palpite, chegando a abrir 15 pontos no placar. Na parcial final, no entanto, o armador Tyrese Rice, mais uma dessas formiguinhas atômicas – quase xará e sósia de Ty Lawson –, resolveu barbarizar. O baixinho se esbaldou contra Milos Teodosic, invadindo o garrafão russo quando bem entendia. De pouquinho em pouquinho, seja com suas bandejas ou com os rebotes ofensivos de Alex Tyus – livre, uma vez que os pivôs tinham de sair para tentar bloquear Rice, e a rotação defensiva de Ettore Messina não estava afiada o bastante para reagir rapidamente.

Aliás, um parêntese: após o fiasco de Zeljko Obradovic com seu milionário e caótico Fenerbahçe, dessa vez foi a vez de outra lenda viva do basquete europeu patinar. Um tanto impaciente durante a temporada, soltando os cachorros a toda hora, especulado como possível alvo do Utah Jazz, Messina claramente não soube potencializar todo o talento que tinha ao seu dispor. E, neste quarto período, deixou as coisas saírem totalmente de controle.

Demorou a pedir tempo, fez poucos ajustes e não encontrou um meio de frear Rice. Está certo que o armador Aaron Jackson, um defensor muito mais indicado que Teodosic, foi retirado lesionado nos minutos decisivos. Mas não há muitas desculpas além dessa para justificar o colapso do CSKA. Até que o mesmo Rice fez a cesta da vitória a 5s5 do fim, aproveitando-se de um desperdício de posse de bola infantil dos oponentes, com Victor Khryapa entregando o ouro bandido (aliás, valeu, Czar! A reputação agradece…). O clube russo ainda conseguiu deixar Sonny Weems (fora de sintonia no ataque, talvez cansado por perseguir Rick Hickman na defesa, anulando mais um dos destaques da fase final apontado por um certo bobão) livre na linha de três para um último chute, em vão.

O Maccabi perdeu o jogo praticamente todo e, completamente desacredito, aqui está na decisão. Então não há como eles não acreditarem que o título é possível, mesmo que o Real Madrid tenha feito uma apresentação soberba logo na sequência.

Confiança é uma coisa complicada, da qual não se pode duvidar. Pode equilibrar as coisas entre uma máquina de fazer cestas e um patinho feio nada pelas beiradas.

Se for para dar um palpite, fico mesmo com o Real. Só não digam aos rapazes de David Blatt que seria mais justo que a taça fosse para os espanhóis. Aos trancos e barrancos, também se constrói uma história marcante.


Em quem ficar de olho no F4 da Euroliga: o MVP Rodríguez
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Giancarlo Giampietro

Sergio Rodríguez, Real Madrid, Espanha, barba

Para quem ainda não está farto de tanta emoção, com o que se vem passando nos playoffs completamente alucinantes da NBA e com tantas surpresas no NBB, então é hora de abrir os braços para uma carga extra de drama – e basquete refinado – neste fim de semana. Mais especificamente na sexta-feira e domingo, com o Final Four da Euroliga.

A gente pode falar de Barcelona e Real Madrid, que fazem mais um clássico de matar, ou das constantes potências CSKA e Maccabi, que história não falta. Na verdade, vamos tratar desses clubes, sim, entre hoje e amanhã. Mas, antes, prefiro gastar um tempo com os protagonistas em quadra.

Sim, os melhores jogadores do mundo, inclusive os europeus, estão do outro lado do Atlântico. Parker, Nowitzki, irmãos Gasol, Pekovic, Gortat e tantos mais. Mas não quer dizer que o segundo maior torneio de clubes do mundo fique só com as sobras. Há diversos atletas que assinariam contratos na NBA sem a menor dificuldade, sendo peças relevantes, mas que, por circunstâncias diversas – entre as quais se destaca invariavelmente a adoração de fanáticas torcidas e alguns milhões de euros na conta –, seguem jogando perto de casa.

Navarro e sua breve parceria com Pau Gasol em Memphis. Frustração

Navarro e sua breve parceria com Pau Gasol em Memphis. Frustração

Peguem, por exemplo, Juan Carlos Navarro. Desnecessário falar sobre o currículo, a reputação e o talento de La Bomba. Em sua única temporada nos Estados Unidos, ele não chegou a ser maltratado como Vassilis Sponoulis foi por Jeff Van Gundy em Houston, mas sofreu demais em um ano perdido do Memphis (60 derrotas!), no hiato entre os times de Hubbie Brown e Lionel Hollins. Ainda viu seu grande amigo Pau Gasol ser trocado. Um ano depois, correu de volta para Barcelona, aonde é rei, talvez chocado com a barbárie.

Este é um caso emblemático. Mas há diversos nessa linha: Erazem Lorbek, cortejado pelo Spurs ano após ano, mas que segue no Barça; Dimitris Diamantidis, o mito alviverde do Panathinaikos; Nikola Mirotic, o segundo grande sonho de qualquer torcedor do Bulls que se preze (o primeiro, claro, sendo um Derrick Rose 100%); sem contar os diversos americanos ignorados pelos Drafts da vida, mas que construíram e lapidaram toda uma carreira no velho mundo (Keith Langford, Daniel Hackett, Joey Dorsey, Ricky Hickman, Tremmell Darden, Aaron Jackson, Bryan Dunston etc. Etc. Etc).

Não dá para cravar que todos eles seriam bem-sucedidos num ambiente muito mais exigente do ponto de vista atlético, em que suas façanhas europeias talvez sejam ignoradas, tendo eles que batalhar novamente a partir do zero por respeito e o decorrente tempo de quadra. Dependeria muito da franquia, da diretoria e, claro, do técnico – sem contar a adaptação muitas vezes complicada, como Tiago Splitter e Mirza Teletovic podem testemunhar.

Há que prefira, então, evitar o risco, ficando numa zona de conforto, já bem remunerado. Mas também há aqueles que são simplesmente subestimados, mesmo, não vendo a hora de receber uma boa proposta, mas sem necessariamente estarem dispostos a assinar pelo salário mínimo da NBA, como fez Pablo Prigioni em seu primeiro ano de Knicks, já na reta final da carreira.

Pensando apenas nos quatro semifinalistas, vamos listar abaixo alguns craques que merecem ser observados com atenção, mas sem a menor preocupação se dariam certo ou não na NBA. Bons o suficiente para serem apreciados pelos que já fazem agora. Essa é uma lista que já deveria ter sido escrita antes, para relembrar o belíssimo campeonato que fez Andrés Nocioni, a versatilidade da dupla Emir Preldzic e Nemanja Bjelica, do Fenerbahce, o próprio Dunston, vigoroso pivô do Olympiakos, eleito o melhor defensor da temporada, o jovem italiano Alessandro Gentile, revelação do Olimpia Milano e candidato ao Draft deste ano, e muito mais.

Antes de chegar aos caras, um lembrete para contextualizar: para os que estão (bem) mais acostumados com a NBA, lembrem que o basquete Fiba é jogado em 40 minutos, e não 48. Logo, o tempo de quadra de uma partida da liga norte-americana é 20% maior, de modo que as estatísticas em geral são mais infladas por lá, fazendo alguns dos números abaixo parecerem tímidos. Além disso, a abordagem ofensiva das equipes de ponta da Europa tende a ser diferente, com mais jogadores assumindo responsabilidades, dividindo a bola, mesmo as que têm grandes cestinhas, que poderiam muito bem carregar um time nas costas.

E, ok, aqui entra o momento da propaganda: o evento será transmitido com exclusividade pelo Sports+, canal 28/128 da SKY, com este blogueiro lelé na equipe de equipe, ao lado do ultrafanático e informado Ricardo Bulgarelli e os narradores Maurício Bonato, Rafael Spinelli e Marcelo do Ó, que, cada um ao seu modo, ajudam a dar emoção ao jogo.

Vamos lá, enfim, a alguns destaques do F4, sem necessariamente ser os melhores do campeonato, mas apenas uma lista que dá na telha. Free style, mano, com pílulas publicadas nos próximos dias:

Sérgio Rodríguez, armador do Real Madrid.
Médias de 13,5 ppj, 5 apg, 1,2 bola recuperada, 50,7% de 2 pts, 48,8% de 3 pts, em 22 minutos

Já não vem de agora, mas o barbudo está jogando tão bem que não há como não escrever mais e mais sobre seu basquete. Uma vez conhecido como um clone espanhol de Jason “White Chocolate” Williams, hoje bem mais parecido com um integrante perdido do Los Hermanos, Rodríguez atingiu o ponto perfeito de seu potencial: os lances seguem vistosos, com uma eficiência avassaladora.

Pegue, por exemplo, o ranking dos dez atletas mais produtivos da temporada. Entre gigantes e gigantes – propensos a pegar mais rebotes, a tentar arremessos de maior probabilidade de acerto e, portanto, em situação vantajosa para qualquer calculadora –, o espanhol é o único armador a constar, e numa mais que honrosa segunda colocação.O único abaixo dos 2,00m de altura. Foi premiado, então, nesta quinta-feira, como o MVP da temporada. Justíssimo.

E neste caso nem é preciso recorrer a números. Quando sai do banco, Rodríguez entra no jogo para dar ainda mais velocidade e intensidade ao supertime do Real, se é que isso é possível, fazendo dupla, ou não, com seu xará Llull. Na defesa, ele põe muita pressão nas linhas de passe. No ataque, é sensacional no contragolpe, mas também traz muita lucidez em situações de meia quadra, ficando ainda mais perigoso ao elevar seu aproveitamento de 29,5% para sensacional 48,8% na linha de três pontos.

Aliás, vale sempre a ressalva, porque ainda é muito comum que jogadores e torcedores reclamem, abram o berreiro sobre o status de ser, ou não, titular. Rodríguez, o melhor da temporada, só é ‘reserva’ por questão de equilíbrio nas rotações do Real Madrid, do mesmo jeito que Manu toca a vida na NBA.

Por falar em NBA, o espanhol obviamente está cheio de propostas/sondagens. Mas não se cansa de dizer que está feliz da vida no Real, aonde encontrou estabilidade, conseguindo botar a cabeça em ordem, abrindo caminho para fazer seu talento prosperar. Coisa que não foi possível sob a direção de Nate McMillan em Portland e algo que quase aconteceu com Mike D’Antoni em Nova York.

Ah, em caso de alguma dúvida: não, sua barba não o incomoda em quadra, e, não, ele não tem planos de tirá-la tão cedo.


E o melhor time de basquete do mundo hoje é…
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Giancarlo Giampietro

O Indiana Pacers defende que é uma maestria. Mas, não, não estamos falando da rapaziada de Frank Vogel. E não adianta se deslocar para a Costa Oeste americana, por mais que o San Antonio Spurs de Gregg Popovich siga funcionando muito bem, obrigado.

Para ver o melhor time de basquete do mundo hoje, saindo de Indianápolis, o jeito é levantar voo, deixar a Flórida para trás, cruzar o Oceano Atlântico e, atenção tripulação, se preparar para o pouso na capital espanhola.

Real Madrid 2013-2014, um esquadrão com resultados impressionantes

Real Madrid 2013-2014, um esquadrão com resultados impressionantes

O Real Madrid está jogando demais nesta temporada.

Ok, você pode até argumentar que eles não ganhariam nunca uma série melhor-de-cinco-ou-sete do Miami Heat de LeBron James ou mesmo do Pacers. Provavelmente não venceriam, mesmo.

Mas que hoje, se formos abstrair o nível de competição, sem querer comparar Euroliga, Liga ACB ou NBA, numa realidade paralela em que só exista o basquete geral, puro – com o perdão da viagem, e sem o uso de lisérgicos –, o Real é a equipe que está praticando o melhor jogo no planeta.

Foi essa a impressão que tive ao sair da cabine de transmissão do Sports+ há três semanas, após uma de suas exibições pela Euroliga: um atropelo para cima do Zalgiris Kaunas, em Madri (95 a 67).

Só não deu para escrever a respeito na hora por falta de tempo. Além do mais, era preciso um pouquinho de prudência também, e avaliar outros times, outros torneios, ponderar um pouco. Agora, pronto.

Dois parágrafos acima, o termo “exibição” não foi gratuito: mais que jogando, o Real hoje está se apresentando ao público. Pode parecer um tanto exagerado, deslumbrado, mas recomendo: se não é assinante do Sports+ (que transmite a Euroliga com exclusividade*), ou do Bandsports (Liga ACB, o campeonato espanhol), vá a qualquer First Row, Roja Directa online da vida e reserve uma horinha ou mais de seu tempo para ver.

É um time extremamente veloz, de jogo solto, uma característica acentuada desde que Pablo Laso assumiu o clube depois de uma passagem um tanto frustrante do bambambã Ettore Messina. Não tem um brutamontes no time. Felipe Reyes, o eterno reboteiro, que adora o jogo de contato físico, talvez seja quem mais chegue perto desta definição, mas, para os que o conhecem de outros carnavais, sabe que seria exagerado julgá-lo desta maneira. E o gigante grego Ioannis Bourousis pode até parecer um quebra-ossos, mas tem jogo mais refinado, voltado para o perímetro, com bom arremesso.

Aliás, bons chutadores não faltam no elenco. Seu aproveitamento na Liga dos Campeões do basquete hoje é de 42,3% de longa distância, com três atletas convertendo 50% ou mais de seus disparos: o jovem ala Daniel Diez, o próprio Borousis, Dontaye Draper e o ridículo Nikola Mirotic, com 64% (!? – falemos mais sobre Mirotic depois).

(Quem fica mordido com isso é o Sergio Llull. O talentoso armador espanhol, cobiçado e cortejado há anos pelo Houston Rockets, é o segundo que mais chuta entre os madridistas, por mais que converta apenas 28,6% de suas tentativas. É um caso sério, aliás. Em suas primeiras seis temporadas no campeonato, teve aproveitamento de 34,9%, é verdade. Mas esse já seria um rendimento muito baixo para a Europa. E ele não para de chutar, algo que irrita ainda mais quando vemos o quão explosiva é sua passada rumo ao garrafão. Agora levante a mão quem já ouviu história parecida em algum canto do NBB?)

Voltando: sobre a velocidade do Real. Não é que eles saiam correndo a quadra feito malucos com as calças pegando fogo. De acordo com o  site gigabasket.org, eles usam em média 75,5 posses de bola por partida – a terceira marca mais acelerada da competição, coladinho no próprio Zalgiris e no Budivelnik Kiev e não muito distante do pelotão que se estende até o oitavo lugar. A média de toda a liga, para se ter uma ideia, é de 72,8.

Sergio Rodríguez está jogando o fino com seu visual Los Hermanos

Sergio Rodríguez está jogando o fino com seu visual Los Hermanos

De qualquer forma, quando você assiste a um jogo deles, tem a impressão de que  estão por todos os lados, dominando a quadra em sua totalidade. A bola e os atletas não param. A troca de passes e posições é incessante, de um lado para o outro, do garrafão para o perímetro externo, da linha de fora para a zona pintada.

No final, temos o time que mais deu assistências na até aqui (189, contra 177 do segundo colocado, o Lokomotiv Kuban, 152 do terceiro, o Olympiacos, ou 148 do décimo, o Fenerbahçe, para se ter uma ideia). Eles também lideram o ranking de assistência a cada turnover, o da mira de três pontos, estão em segundo em aproveitamento de dois pontos, são quarto em rebotes e enterradas e oitavo em total de lances livres cobrados.

Está bom?

Não, porque tem mais: a agilidade e intensidade do time também contam para um excepcional rendimento defensivo – é aquele que também mais acumulou tocos e roubos de bola, com uma postura bastante agressiva, que coloca muita pressão em cima da bola, para facilitar seus contra-ataques.

Com toda essa exuberância estatística, o clube merengue lidera o Grupo B com nove vitórias em nove rodadas. Ao lado do Olympiacos, que está na dianteira do Grupo C, são os únicos invictos da Euroliga, com a melhor campanha.

Aqui cabe outra intervenção, então: epa, grupos? Sim, grupos: os 24 clubes estão divididos em quatro chaves na primeira fase. Mas isso não torna injusto confrontar campanhas diferentes, ainda mais se apegando a tantos números? Sim, sim. O Fenerbahçe, por exemplo, encabeça o Grupo A, com sete vitórias e duas derrotas, mas vá olhar seus adversários. O time do legendário Zeljo Obradovic está lidando com superpotências como Barcelona e CSKA Moscou, dois dos maiores orçamentos do continente e candidatos perenes ao título. O Real, por outro lado, tem no Anadolu Efes seu principal adversário. Não dá para comparar, mesmo.

Bourousis, o brutamontes, ou quase, do Real

Bourousis, o brutamontes, ou quase, do Real

Mas aí vai uma réplica, então: não é que o time de Laso está apenas vencendo sem parar. Eles, na verdade, estão trucidando a concorrência. Em nove jornadas, somaram 212 pontos de saldo – média de 23,5 por jogo. Seu ataque é feroz: 803 pontos acumulados, 89,2 por partida.

É um domínio sem precedência numa competição dessas e que ganha ressonância na Liga ACB. Em casa, o Real Madrid tem dez vitórias em dez rodadas – enquanto o Barça já perdeu três vezes. Além disso suas médias de pontos são de 89,4 somados por jogo, para um saldo 22,8 a cada triunfo. É impressionante.

Como construir algo desse nível, com essa intensidade? Bem, Laso tem em mãos um elenco em que aquele papo todo de que “aqui não há titulares, somos todos um time, unha e carne” se sustenta. Sua rotação é extensa, com 11 jogadores ganhando tempo consistente. Os minutos são divididos entre os 25min52s de Rudy Fernández aos 11min52s do armador Dontaye Draper – o caçula Diez, o 12º jogador, recebe 6min02s em média e vai aproveitando as surras que o time aplica para ir para a quadra.

Os jogadores abraçaram a causa. Não há relatos de gente reclamando, chorando por mais minutos, arremessos, ainda que muitos deles sejam mais do que capacitados para carregar qualquer equipe. Aqui, o papel de cada um está bem definido. Pegue, por exemplo, o modo como o treinador utiliza seus armadores. O americano Draper joga bem a ponto de ser naturalizado para defender a Croácia em competições de seleção – veja bem o país… Não estamos falando de qualquer Azerbaijão ou Catar. No Real, ele começa praticamente todos os terceiros períodos, sem ganhar um minuto sequer na primeira metade de jogo, dividida entre Llull (geralmente no primeiro quarto) e Sergio Rodríguez (no segundo).

Llull e o Real Madrid estão motivados a deixar o Olympiacos para trás

Llull e o Real Madrid estão motivados a deixar o Olympiacos para trás

Esse tipo de entrosamento e planejamento está longe de ser algo de fácil ou simples execução – basta observar a dificuldade que Xavier Pascual, no Barcelona, e o próprio Messina, no CSKA Moscou, vêm tendo neste início de temporada para administrar elencos igualmente volumosos e talvez mais caros.

No caso do Real, além do sucesso em quadra – que jogador vai ousar reclamar em meio a uma campanha dessas? –, há outro fator que ajuda o controle de Laso sobre o grupo: a frustração pela derrota na decisão da temporada passada para o Olympiacos. A equipe abriu 17 pontos de vantagem no primeiro quarto, mas tomou uma virada desconcertante, deixando escapar um troféu que não erguem desde 1995. A frustração virou determinação.

Para os merengues, chegou a  hora. De serem os melhores – ao menos da Europa.

*  *  *

Na segunda fase da Euroliga, os 16 clubes restantes estarão divididos em dois grupos, e o Real vai ter adversários mais fortes pela frente para ser testado. A essa altura, contudo, desnecessário dizer que a preocupação é toda desses próximos rivais. Chegou a hora de falar um pouco sobre alguns dos Galácticos do basquete:

– Quem vai querer lidar com um Nikola Mirotic hoje em dia? O MVP de outubro da Euroliga está impossível: 62,8% nos chutes de dois, 64% de três e 86,8% nos lances livres. Tipo arma letal. Tem médias de 15,0 pontos, 5,3 rebotes 1,2 roubo de bola, 1,0 toco e1,2 assistência em 24 minutos. Com esse tipo de dominância, seu próximo passo parece realmente a NBA. É essa a expectativa do Chicago Bulls, que o draftou em 2011. Num momento tão duro para a torcida órfã de Derrick Rose, o rendimento do ala-pivô deve servir de alento. Dinheiro não seria um problema: caso decida ir para os Estados Unidos, uma vez que seu salário, pelo tempo de espera, já não precisaria mais seguir os limites impostos na escala tradicional dos novatos.

Sergio Rodríguez é, hoje, o melhor armador do mundo fora da NBA. Maduro, mas sem perder a criatividade, sai do banco para comandar a segunda unidade de Laso, desequilibrando as partidas combinando talento e agressividade, dos dois lados da quadra. Soma 11,7 pontos, 5,3 assistências, 1,7 roubo de bola em pouco mais de 20 minutos de média, com 55,3% nas bolas de dois pontos e 47,4% nas de 3. Afe.

– Num time com tanta gente boa, Rudy Fernández é aquele que se comporta como o astro, digamos – o topete está sempre muito bem alinhado. Fica muito claro em sua postura marrenta em quadra e na adoração da torcida.  Embora sua personalidade irrite um pouco, não há como negar que seu jogo é bastante vistoso e basicamente exemplifica o estilo da equipe: leve, atlético, com facilidade para se deslocar com e sem a bola. Médias de 13 pontos, 4,4 assistências e 3,3 rebotes, matando 59,5% dos chutes de dois e 93,3% dos lances livres.

Sergio Llull não está na sua melhor fase no ataque, mas é o melhor defensor da equipe no perímetro. Quando usado ao lado do xará Rodríguez, faz da vida dos armadores adversários um inferno, pressionando demais o drible.

Tremmell Darden chegou ao clube no meio da temporada pessada, sem poder jogar a Euroliga – vindo do Zalgiris Kaunas. O americano formado pela Niagara University caiu como uma luva no quinteto inicial, cumprindo muito bem um papel de “glue guy”, com vigor físico, energia e agilidade para complementar Fernández nas alas.

– O tunisiano Salah Mejri e o norte-americano Marcus Slaughter dão gás e asas à rotação de pivôs de Laso, complementando muito bem o jogo terrestre e raçudo de Felipe Reyes.

Jaycee Carroll seria um ótimo concorrente para disputar um torneio de três pontos em qualquer lugar do mundo. Sai do banco ao lado de Rodríguez e seria uma resposta do Real aos Ben Gordons do mundo. Quando está quente, saia de baixo.

*PS: Ok, abram espaço para o merchan: acompanho o time de transmissão do canal com os chapas Maurício Bonato, Rafael Spinelli, Marcelo do Ó e Ricardo Bulgarelli. É o canal 28/228 (HD) da Sky, com transmissões basicamente todas quintas e sextas-feiras e reprises espalhados pela programação. Lá você também segue muitos jogos da NBA, como o Indiana Pacers x Miami Heat da semana passada.


Real Madrid resiste a Huertas e elimina o Barcelona com atuação decisiva de Rodríguez
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Giancarlo Giampietro

O Real comemora

No basquete, deu Real para cima do Barcelona em um torneio continental

Armador bom faz diferença. Marcelinho Huertas tentou o que pôde nesta sexta, depois de o Real Madrid anular Juan Carlos Navarro no perímetro. Mas Sergio Rodríguez, quem diria, foi ainda melhor, sendo decisivo para liderar a vitória merengue no clássico, avançando à final da Euroliga de basquete, com um triunfo por 74 a 67.

A primeira lembrança que tenho de Rodríguez era de seu início pelo Estudiantes, com passes fantásticos, muita criatividade, mas uma produção bem inconsistente. Na época, e acho que ele mesmo assumia isso como referência para seu jogo, sendo comparado a Jason Williams, o “White Chocolate”. Vocês se lembram do Williams, né? Ele teve dois anos de darling pelo Sacramento Kings de Chris Webber até que a NBA se cansou um pouco de seus lances mirabolantes, mas pouco substanciais.

No início de carreira, o espanhol era carequinha, de cara limpa. Quando foi para aos Estados Unidos, levou na bagagem esse estilo mais espetacular, ainda que pouco eficiente. Acabou caindo numa fria ao ser draftado pelo Portland Trail Blazers na NBA.  Aos 20 anos, pensando mais nos clipes das “melhores jogadas”, penou nas mãos de um conservador como Nate McMillan, que tinha em Steve Blake seu jogador predileto para dividir a quadra com Brandon Roy. Em três temporadas, não jogou mais que 16 minutos em média e foi trocado para o Sacramento Kings em 2009. Sete meses depois, seria trocado novamente, apenas como peça/salário complementar, para fazer funcionar a meganegociação que tirou Tracy McGrady de Houston. Ao final do contrato de novato, voltou para casa.

Pois esse Sergio Rodríguez que vemos hoje pelo Real está transformado, e não só pela imensa barba que faz até mesmo James Harden ficar com inveja. Um sujeito completamente amadurecido em quadra, dominando o a bola com esmero e arrojo ao mesmo tempo. Controlando o ritmo da partida, acelerando sempre que pôde para tentar atacar a defesa do Barcelona antes que ela se estabelecesse, ele foi o grande nome do clássico espanhol, mesmo tendo ficado apenas 22 minutos em quadra – vai entender.

Mas foi tempo suficiente para distribuir nove assistências. O espanhol conseguiu bater com facilidade a primeira linha defensiva do Barça, algo que se provou mortal. Uma vez que se aproxima do garrafão, o armador se torna uma arma muito perigosa, com uma visão de jogo incrível e um arremesso em flutuação que agora tem de ser marcado (12 pontos no total). O pivô Marcus Slaughter que gostou, recebendo um monte de encomendas debaixo da cesta.

Rodríguez não cometeu sequer um turnover, enfrentando a defesa mais encardida da temporada. Aqui cabe uma ressalva, contudo: sem Pete Mickeal para fortalecer o perímetro, com Nathan Jawai, seu jogador mais físico e que ocupa um baita espaço no garrafão, jogando no sacrifício, a retaguarda do Barça não estava em melhor forma, ficando muito dispersa. Tanto Rodríguez como seu xará Llull aproveitaram muito bem essas brechas para atacar.

A atuação memorável do reserva do Real também se estende ao outro lado da quadra. Ele e Llull colocaram muita pressão em cima da armação do arquirrival. Foi desse jeito que o time conseguiu se livrar de uma desvantagem de até oito pontos no início do quarto período para terminar com +7.

Foi um grave erro de cálculo de Xavi Pascual, técnico do Barça. Justo ele, o mais calculista. Lidando com jogadores tão ágeis como esses, ele acabou deixando o veteran(íssim)o Sarunas Jasikevicius um pouco a mais do que devia em quadra. Quando retornou com Huertas, a menos de cinco minutos do fim, o Real já havia retomado o controle da partida. E sobrava pouco tempo para seu time se rearranjar em quadra e tentar uma nova investida.

Num jogo de detalhes como esse, o esmero de Rodríguez com a bola fez toda a diferença.

*  *  *

Marcelinho Huertas terminou o confronto com 19 pontos, 6 rebotes e 2 assistências, 7/15 nos arremessos, em 30 minutos. Não é a linha estatística mais normal de sua carreira, mas o brasileiro fez uma boa partida e foi instrumental em uma reação do Barça no terceiro período para o quarto. Chegou a marcar oito pontos consecutivos, deixando seu time no comando do placar. Até que foi sacado de quadra para descansar. Um dos poucos jogadores capazes de criar por conta própria no time do Barça, vindo do perímetro, Huertas teve de assumir uma carga maior em busca da cesta diante das dificuldades que Navarro encontrava. La bomba anotou apenas 9 pontos em 32 minutos, errando seis de nove arremessos.

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O Real Madrid enfrenta o Olympikaos na decisão. Justamente o adversário de seu último título continental, lá longe, em 1995.

* O Canal Sports+, da Sky, transmite no domingo os últimos dois jogos do Final Four da Euroliga. Divido os comentários com Ricardo Bulgarelli. A naração fica por conta dos companheiros Maurício Bonato, Ricardo Bulgarelli e Marcelo do Ó, como foi durante toda a temporada.