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Arquivo : John Cox

A zebraça venezuelana e as lições de basquete e humildade
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Giancarlo Giampietro

Estavam todos no Pan

Estavam todos no Pan

Sério, quem imaginava? Nem o Greivis Vásquez.

A Venezuela protagonizou nesta sexta-feira uma das maiores zebras da história da Copa América — e do basquete mundial. Guardadas as devidas proporções, a vitória, por 79 a 78, sobre o estrelado Canadá tem um quê de Argentina derrubando pela primeira vez uma seleção dos Estados Unidos formada por jogadores da NBA, em 2002, pelo Mundial de Indianápolis. Um resultado de tremendo impacto, mesmo.

Contrariando todas as previsões, a equipe vinotinto vem, então, ao Rio 2016 de peito erguido e ensinando muitas lições aos integrantes da seleção brasileira que na Cidade do México estiveram. Para a diretoria, que descolou uma verba federal milagrosa em tempos de recessão, vale investigar quanto teria custado a campanha venezuelana. Quantas peças de roupa eles teriam lavado? Num degrau mais abaixo, chegamos aos jogadores, mas também os técnicos, não? Afinal, perderam todos.

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Aqui faço referência a mais uma declaração de Rubén Magnano que, pode cravar, não pegou bem com o seu elenco: “Os jogadores devem avaliar então em que estágio se encontram hoje. Essa derrota não vai modificar a minha maneira de ver o basquete. Os ganhos que tive ao longo da minha carreira me dão a força necessária para apostar no que penso. Eu não acredito em fazer as coisas de maneira automática. Gosto que os jogadores tenham a coragem e a bravura para resolver as coisas. Insisto na solidariedade, e o fato de 80% deste time ter jogado junto nos Jogos Pan-Americanos não se refletiu.”

“Em comparação ao Pan, que é a relação mais próxima que consigo fazer, tivemos um aproveitamento bem inferior nos arremessos. Isso tem a ver com o nível do torneio, que não era o mesmo do Pan, e pelo fato de as partidas terem sido muito físicas, como já falei. As decisões tomadas não foram as corretas. Não tivemos sucesso e não repetimos o jogo coletivo do Pan, graças aos nossos erros e às virtudes dos outros”, disse ainda. “Certamente saio com gosto amargo e espero que os jogadores pensem o mesmo.”

Pela segunda vez consecutiva após um vexame na Copa América, o comandante argentino procura se distanciar do que acontece em quadra. Dá a entender que seus atletas atuaram com soberba, relaxamento — ou que não tenham nível técnico para jogar desta forma. Fala em mentalidade individualista, bem diferente daquela que vimos durante a conquista em Toronto. Algo que não se pode negar, de fato. Mas isso aconteceu por desobediência tática? O descontrole é deles? Se Magnano tinha uma mensagem a ser passada e ela não foi aceita/escutada/compreendida, isso é um problema só dos jogadores?

Cory Joseph, aquele que assumiu o posto de Vasquez. Esmagado por venezuelanos

Cory Joseph, aquele que assumiu o posto de Vasquez. Esmagado por venezuelanos

E aqui temos, novamente, a questão do Pan, aquele que, de acordo com a tese geral, não vale nadica de nada. Para Magnano, percebam, valia e valeu, sim. O técnico também imaginava que aquele basquete vitorioso pudesse ser replicado. Por alguma razão, não deu certo. O nível da competição aumentou, como ele diz, mas aqui interfiro: a Copa América foi muito mais dura do que os Jogos de Toronto, sim, mas não do ponto de vista técnico. Pelo menos não para o Brasil, conforme o já exposto aqui.

Do contrário, como explicar a Venezuela alcançando a final? Afinal, a seleção dirigida por outro argentino, Nestor Garcia, teve exatamente o mesmo número de jogadores que atuaram no Pan em comparação com os brasileiros: 10 de 12. Apenas o ala-pivô Windi Graterol e o reservão Ceso García foram adicionados. Por mais que adore Graterol, não dá vou dizer que ele, sozinho, elevou uma equipe que nem mesmo brigou por medalhas no primeiro torneio à condição de superpotência no segundo.

Também não vamos agora olhar em retrospecto e salivar pelo elenco venezuelano. O fato de terem derrubado o Canadá na semifinal, depois de vitórias sobre Porto Rico e República Dominicana na fase classificatória e de jogos duros contra Argentina e México, pode indicar que mereciam mais respeito prévio. Afinal, conhecemos há tempos esses caras de muitas competições internacionais, por clubes ou seleção: há gente de muito talento por lá, como sabemos desde aquela marcante derrota pela semifinal do Pré-Olímpico de 1992. Só não dá para dizer que os atuais jogadores seja tão superiores assim aos que Magnano convocou para o torneio. Nada que chegue perto de justificar tamanha discrepância nos resultados.

Garcia consegue o improvável. Quanto custa o projeto?

Garcia consegue o improvável. Quanto custa o projeto?

O que Nestor Garcia conseguiu foi organizar a equipe e dar a ela um senso de coletivo e combatividade — e nisso podemos todos concordar com Magnano: comparada ao Pan, a Copa América foi mai difícil do ponto de vista de intensidade e desejo, algo que faltou à seleção brasileira. Essa evolução vinotinto veio, naturalmente, num processo gradual. Na Copa América de 2013, em casa, terminaram na quinta colocação e só não foram à semifinal devido a uma derrota dramática para Porto Rico pela segunda fase, por 86 a 85. Um pontinho que os tirou da semifinal. No ano seguinte, foram campeões do Sul-Americano. Antes que você engasgue com a competição, atente que Laprovíttola, Richotti, Safar, Delia, Augusto, Rafael Luz, Meindl, Felício, Hettsheimeir e Raulzinho estiveram em ação por lá. Agora, na Cidade do México, deram a grande rasteira.

A façanha aconteceu mesmo que não contassem com sua principal estrela, Greivis Vásquez. Depois de anos e anos de serviço, tendo inclusive jogado o Sul-Americano, o armador recusou a seleção desta vez. Ironicamente, o ex-jogador do Raptors viu o time fazer seu melhor basquete justamente contra Cory Joseph, aquele que foi contratado para a sua vaga em Toronto, e Andrew Wiggins, com o qual a franquia canadense sonha desesperadamente para o futuro.

Como conseguiram isso? Primeiro que, tal como Magnano fez no Brasil, Garcia colocou os venezuelanos para defender como nunca antes visto na história desse continente, diria o outro. Na semifinal, adiantou sua marcação para contestar de qualquer maneira o arremesso de fora canadense. Com um time extremamente atlético e veloz, o rival ainda se mostrava mortal com sua artilharia exterior, listando sete jogadores com aproveitamento superior a 40%, com dois deles acima de 50%. Valendo vaga olímpica, foram limitados a 5-17 (29%). Isso porque Kelly Olynyk matou 3 em 4, num jogo excepcional.

Do outro lado, a estratégia ofensiva era claramente gastar a posse de bola. Nem que, para isso, tivessem de investir muito em jogadas individuais a partir do perímetro. Fosse com seus armadores malacos (Heissler Guillent, 28, talvez tenha feito a partida de sua vida, com 19 pontos em 22 minutos, matando quatro chutes de fora) ou com o peladeiro John Cox, o primo do Kobe nascido em Caracas (14 pontos em 15 arremessos, com seis cestas de quadra, algo nada eficiente), muito importante por sua habilidade no drible, fazendo o tempo passar. O ataque foi todo controlado. Em 40 minutos de um jogo extremamente nervoso, cometeram apenas dez desperdícios de posse de bola.

E aqui há o outro lado também: o Canadá sentiu a pressão. Na verdade, dois tipos de pressão. Primeiro que era o jogo mais importante, o único que valia em suas ambiciosas projeções, e eles estiveram abalados por este fardo. Quando esteve solta em quadra durante a competição, a molecada atropelou seus eventuais algozes (82 a 62!) e os mexicanos anfitriões. Segundo que houve a própria pressão venezuelana. Foi o time de Garcia que tirou os oponentes de uma zona de conforto, que os desestabilizou. E, aí, mérito para os atletas e para seu treinador. Garcia foi um caso à parte durante o torneio e, em especial, na decisão. Correu todo esbaforido na lateral de quadra, com seu conjunto esportivo geralmente desarranjado. Vejam isto:

Não acho que o técnico precise jogar junto com seus atletas, fazendo esse show todo. Sinceramente, embora o vine acima seja hilário, com direito a censura nada higiênica por parte do árbitro, prefiro uma figura mais discreta, que confie nas instruções que tenha passado ao seu elenco na preparação do jogo e que possa observar simplesmente o que se passa em quadra, anotando os ajustes necessários. Cada um na sua.  Garcia conseguiu, do seu jeito, fazer sua mensagem ser entregue. Por aqui, quando decide jogar para a torcida, Magnano usa outro expediente: queimar o filme de seus em praça pública.

Em diversos sentidos, a Venezuela virou exemplo, de postura, empenho e, principalmente, basquete e humildade. Algo que, admito não esperava escrever tão cedo e que Grevis Vásquez, ao contrário de Manu Ginóbili, flagrado no ginásio, nem pôde ver de perto.


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