Vinte Um

Seleção se recupera ao bater a Espanha. Nem céu, nem inferno

Giancarlo Giampietro

Huertas foi para a galera, após tapinha salvador de Marquinhos

Huertas foi para a galera, após tapinha salvador de Marquinhos

Dois jogos, duas partidas dramáticas. A seleção brasileira vai nos assegurando que aquele script de que o Grupo B do torneio olímpico seria teste para cardíaaaaaaaco, Galvão. Depois do bumba-meu-boi que foi a estreia e a derrota contra a Lituânia, agora foi necessário um tapinha de Marquinhos para chegar ao primeiro triunfo, contra a Espanha. Por aí vamos até a quinta e última rodada, galera. Não tem jeito.

Mas… Espere um pouco, só. Estamos falando de Lituânia e Espanha, certo? Um aproveitamento de 50% nessas duas partidas, tendo a chance de sair com duas vitórias e duas derrotas, parece bastante razoável. Se for para a pagar aquele primeiro tempo desastroso de domingo, temos um time extremamente competitivo, que limitou os dois finalistas do último EuroBasket a parciais de, pela ordem: 12, 12, 13, 18, 14 e 20 pontos. Nada mal: a defesa está funcionando, de um modo geral.

O que não quer dizer que está tudo perfeito. Assim como a derrota para a Lituânia não era o fim do mundo, a vitória dramática sobre a Espanha, decidida realmente por múltiplos detalhes na penúltima posse de bola, não significa que o Brasil está prontinho da Silva para ir ao pódio. Tem muito chão pela frente. Magnano disse que o time estava ferido, mas não morto após o primeiro tempo estarrecedor da estreia. E certamente vai dar um jeito de passar a mensagem ao seu grupo de que ninguém ali é medalhista olímpico ainda por ter batido uma Espanha muito mais vulnerável que poderíamos supor. Uma chave dura dessas não permite extremismos, montanha russa.

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Levando isso em conta, algumas coisas para ruminarmos antes da terceira rodada, contra a Croácia, na quinta-feira:

– A questão Hettsheimeir: se as redes sociais servem como termômetro, dá para notar uma insatisfação com o desempenho de Rafael Hettsheimeir até o momento. Compreensível: é muito pouco provável que o próprio pivô esteja contente com o que (não) vem produzindo. já que, em duas partidas e 17 minutos de ação, ele conseguiu acertar apenas um arremesso de quadra em quatro tentativas, mal teve chance de disparar de longa distância – apenas uma bola de três que saiu de suas mãos. Também só pegou um rebote e cometeu seis faltas. É um rendimento fraco, que fica ainda mais alarmante quando vemos que, somados os duelos com Lituânia e Espanha, a seleção teve um saldo de -20 pontos quando ele esteve em quadra, com direito a -12 contra os Espanhóis.

É preciso entender o que está por trás desses números temerosos, porém. Hettsheimeir se desenvolveu em um jogador de características únicas desde que saiu do Zaragoza, da Espanha. Adicionou o arremesso de fora ao seu repertório, mas isso não faz dele necessariamente o ala-pivô aberto ideal, tão em voga hoje. No ataque, se tiver espaço para ativar sua mecânica, é certo que ele pode cumprir esse papel. O problema está do outro lado, na defesa. Não dá para colocar o pivô de Bauru para perseguir caras como Nikola Mirotic e Victor Claver no perímetro, ou mesmo um cara menos leve como Paulius Jankunas. Hettsheimeir não tem mobilidade lateral, nem cacoete para isso – e não só isso: a questão da falta de rapidez para completar as rotações também, se a bola girar bastante. Devido ao seu porte físico, ele teria mais chances de encarar pivôs mais pesados próximos da cesta. Acontece que, para esse papel, Magnano conta com Nenê e, como vemos, Felício, aparentemente oficializado como o reserva imediato de Maybyner Hilário.

A amostra é pequena, mas acho que já deu para perceber que Rafael não pode jogar com esses dois, devido a essa questão defensiva. Seu parceiro ideal seria Augusto Lima, que pode perseguir atletas mais ágeis na marcação e atacar a tábua ofensiva com voracidade. Não custa lembrar que a dupla funcionou muito bem na conquista do ouro pan-americano no ano passado. Ok, era apenas o Pan. Ainda assim, do ponto de vista de tática e química, a combinação funcionou. As habilidades dos dois casam muito bem, obrigado. Rafael até mesmo espaçava a quadra para o pick-and-roll com Augusto mergulhando fundo no garrafão. Enfim, feito o registro, se Magnano está convicto, mesmo, de que Nenê ou Felício precisam ficar em quadra por boa parte do tempo, aí os minutos de Hettsheimeir devem ficar bem limitados, mesmo, ainda mais depois da boa participação de Guilherme Giovannoni nesta terça.

Produtivo demais no NBB, questionado por muitos, o veterano ainda pode ser útil ao time nacional em situações específicas, devido ao seu arremesso exterior – que é mais testado que o de Rafael em jogos de alto nível pela seleção. Só precisaria se observar também quem é o oponente da vez. Com atletas mais leves como Mirotic e Claver do outro lado, ele não teria problema para jogar, mesmo. Não por acaso, seu saldo de pontos contra os espanhóis foi de +12, inversamente proporcional ao de Hettsheimeir.

Giovannoni pode ganhar espaço nessa

Giovannoni pode ganhar espaço nessa

– Um pouco de tudo: Nenê saiu de quadra com 6 pontos, 4 rebotes e apenas uma cesta de quadra em cinco tentativas em 21 minutos. O brasileiro que ainda se dignifique a criticar o são-carlense naquela linha oscar-schmidtiana de apátrida, desertor poderia se apegar a esta linha estatística paupérrima e esculhambá-lo. Não estaria mais equivocado. O pivô pode não ter a mesma explosão física de seu auge, mas ainda consegue fazer a diferença em um jogo de basquete com suas múltiplas facetas. Contra os espanhóis, ele terminou também com cinco assistências registradas, incluindo um lance incrível em que cruzou a quadra toda e deu um passe para enterrada de Marquinhos que seria complicado até mesmo para Huertas e Raul, freando em meio ao tráfego, sem perder a graça em seu movimento. É um cara especial, gente, que influencia uma partida de modo que nem sempre

Mas ele merece mais aplausos por mais um esforço defensivo que deve pegar muito bem com Magnano. Depois de algumas trombadas e hematomas pelo choque com Jonas Valanciunas pela estreia, o pivô se via obrigado a lidar com uma lenda viva como Pau Gasol. Pois o craque espanhol não foi nada eficiente nesta segunda rodada, mesmo que tenha chegado a um double-double de 13 pontos e 10 rebotes em 32 minutos. Quando Gasol não alcança a marca nem de 13 pontos, e a seleção espanhola ao mesmo tempo converteu apenas 5-19 arremessos de três, você tem uma vitória tática. Da sua parte, o pivô acertou apenas 4 de 11 tentativas de quadra e foi empurrado para fora do garrafão por Nenê, sem precisar de ajuda. Quando Felício era o responsável, algumas dobras providenciais foram realizadas para . Dessa vez, para completar, seu tiro de média distância não funcionou também.

Deve ser por isso que Magnano tem exigido demais de seu pivô titular.

Nenê, com o modo armador ligado

Nenê, com o modo armador ligado

– Augusto Lima é uma fera: quase que o primeiro double-double brasileiro no #Rio2016 veio com o famoso Gutão (9 pontos e 10 rebotes). Ou nem tão famoso assim. O pivô do Zalgiris Kaunas, cedido por empréstimo pelo Real Madrid, teve seus momentos de fama – digo em relação ao público menos ligado no basquete europeu, claro – no ano passado, durante a campanha brilhante rumo ao ouro do Pan de Toronto. Quando ele foi contratado pelo Real Madrid, isso também chama a atenção por razões óbvias merengues.

Agora, numa Olimpíada, acho que está claro para todo mundo que estamos falando de um grandalhão de elite. Não importa que o Real, com um elenco abarrotado, totalmente gastão e esnobe, não o tenha aproveitado tanto assim e que agora o empreste, preferindo contratar os americanos Othello Hunter e Anthony Randolph. Não importa que ele não esteja na NBA, que não tenha sido Draftado. Já temos três anos de evidências que sustentam que o carioca é um jogador de ponta para o basquete Fiba, no mínimo. Por isso, tendo um cara desses disponível e também o valioso Cristiano Felício na lista de espera, não era o caso de se assustar com o desfalque de última hora de Anderson Varejão. Você poderia até se sensibilizar pelo veterano, mas não era motivo para pânico. Até porque, em muitos sentidos, Augusto foi moldado à sua maneira, como um pivô extremamente veloz e ágil, além de atlético e raçudo. Não existe bola perdida para o cara. Contra os espanhóis, velhos conhecidos, apanhou quatro ofensivos em pouco menos de 28 anos. Na meia quadra, se mexe muito bem lateralmente e deve ganhar minutos seguros ao lado de Nenê e, ao que parece, Felício, para marcar jogadores mais velozes no perímetro. Mesmo que ele não ofereça arremesso ao time, se mexe tanto pelo ataque, que acaba ajudando a destravar as coisas. Já que Nenê hoje também age ainda melhor com a partir da cabeça do garrafão, a combinação com o jovem pivô fica melhor ainda.

Augusto, enérgico

Augusto, enérgico

– Foi de três? De qualquer forma, a seleção brasileira ainda não se acertou quando o assunto é o chute de longa distância. Nessas duas partidas, acertou apenas seis tiros de fora, com aproveitamento péssimo de 20,7%. Qualquer scout ou treinador vai tomar nota disso, e podem esperar mais e mais defesas por zona contra os donos da casa no futuro, tal como a Espanha fez nesta terça, com muito sucesso, no segundo período e no quarto. Vem daí a inclusão de Hettsheimeir e Giovannoni na lista final. O time, porém, não pode depender dos dois pivôs para tentar escancarar as defesas. A turma do perímetro precisa entrar em ação. Leandrinho errou todas as suas sete bolas até aqui. Alex também está zerado em três. Marquinhos matou apenas uma em seis. Benite, uma em duas. Raulzinho tem duas em cinco. Huertas acertou a sua, mas não é grande chutador. Com a pressão dos arremessos de três, a vida de Huertas e Raulzinho e seus parceiros grandalhões ficaria mais fácil para o pick-and-roll e outras tramas. Se há algum ponto positivo aqui, é o fato de que a seleção só tentou 29 arremessos em duas partidas, em vez de forçar a barra. Hoje em dia, isso é bem pouco.

– Gracias, professor: o técnico Sergio Scariolo que se prepare. Seu título mundial pela Espanha já tem dez anos de história, e, ao topar voltar ao comando da equipe, sabia que estaria sujeito a críticas. E elas vão chegar. Na derrota para a Croácia, insistiu com Victor Claver no perímetro mesmo que o cara tenha sido um completo desastre exercendo essa função em sua breve passagem pela NBA. Quando retornou ao Lokomotiv Kuban, da Rússia, nesta temporada, voltou a cativar os scouts jogando basicamente como um ala-pivô flexível, usando sua velocidade e leveza para atacar o aro. Contra os Brasileiros, esse equívoco foi corrigido, com o camisa 10 jogando da forma como mais gosta.

Dessa vez, o que merece questionamento são os minutos dedicados a Ricky Rubio. Se ele tem quatro armadores de qualidade excepcional em seu elenco, é para usá-los com liberdade e autonomia. Taí o José Calderón amargando a reserva, e paciência. Analisando a a derrota brasileira contra a Lituânia, estava evidente que uma das principais deficiências da equipe de Magnano seria a defesa no pick-and-roll, com Mantas Kalnietis fazendo estragos. Rubio pode ser excelente em diversos quesitos (passe e defesa, principalmente), mas todo mundo sabe que ele não representa ameaça nenhuma com a bola em mãos. Você pode pagar para ver seu arremesso o quanto quiser. Em 16 minutos, teve saldo negativo de 6 pontos. Ele tentou apenas três arremessos e converteu um e mais um lance livre, para somar 3 pontos. Não deu nenhuma assistência, porque o Brasil não se importava em lhe dar espaço e tirar a linha de passe. Marcelinho Huertas, então, ficou todo solto para ser uma força criativa para a seleção, com 11 pontos, 7 assistências e nenhum turnover, em 30 minutos.

Se tivesse mantido Sergio Rodríguez mais tempo, quiçá o desfecho fosse outro. O Señor Barba é muito mais agressivo que o titular da posição e causou problemas no segundo tempo, para ajudar na reação espanhola. Bateu para dentro, chacoalhou a defesa brasileira e somou 10 pontos e 5 assistências em 22 minutos, com 50% nos arremessos.  Também não é coincidência que tenha terminado com o melhor saldo entre os espanhóis, com +9 – ninguém nem chegou perto disso… Claver foi o segundo com +3.

Scariolo tem um elenco muito talentoso em mãos. Mas parece não ter o controle sobre essas peças. Uma dúvida que me intriga: por que o técnico simplesmente não usa o quinteto Rodríguez-Llull-Fernández-Mirotic-Reyes? Esses caras jogaram um tempão pelo Real Madrid, e essa base foi uma das mais vitoriosas do continente. Nos minutos que for descansar Scariolo, o técnico deveria simplesmente tentar transformar a seleção numa filial do Real, empregando seu ritmo de jogo mais acelerado. Não vem acontecendo.

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