Vinte Um

Convocado, Humberto curte 1ª temporada efetiva: “Puxei o jogo”

Giancarlo Giampietro

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Uma das coisas mais legais no esporte em geral é acompanhar a evolução de um atleta, ainda mais quando essa observação vem desde cedo. Agora imaginem como todo esse processo não funciona na cabeça do próprio jogador? De ver que anos e anos de preparação começam a dar resultado.

Pensando no basquete brasileiro, o Pinheiros, com sua prospecção de talentos e propensão para o lançamento, é um dos clubes do país mais propícios para se seguir, para ver o quão interessante é esse amadurecimento esportivo, acompanhando quase sempre pelo crescimento também fora das quadras. Lucas Dias, nesse sentido, foi uma das sensações deste NBB, confirmando seu potencial como um cestinha de mão cheia, que chegou para ficar.

Mas na ótima campanha que o clube da capital paulista fez, jogando de igual para igual com o finalista Bauru pelas quartas de final, ficou clara também a evolução de outro produto de sua profícua base, o ala-armador Humberto, de 21 anos. Um jogador que, assim como Lucas, seu companheiro (já) de longa data, vem sendo cotado como um dos grandes prospectos do país e que, especialmente pelo que fez na reta final de temporada, cruzou aquela cinzenta faixa entre a condição de ''projeto'' para ''realidade'' das quadras nacionais, rendendo uma pré-convocação para a seleção brasileira, de olho no Sul-Americano da Venezuela, a partir do dia 27.

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''Confiança é tudo. Passei a acreditar mais no meu jogo, no chute e na infiltração, e vi que posso ajudar meus companheiros em alguns momentos de pressão. Estar em quadra ajuda muito para chegar a esse ponto. Poder ficar com a bola na mão. Eu estava preparado para ajudar'', afirma ao VinteUm o paulistano, que impressiona pela maturidade, para além do 1,95m de altura e de sua agilidade, com um conjunto de atributos físicos que vai chamar a atenção de qualquer scout.

Esse processo de afirmação está longe de ser uma ciência exata ou simples. Humberto já treinava com a equipe adulta há tempos, mas estava quase sempre à margem na rotação, sendo utilizado de modo esporádico por nomes de peso como Cláudio Mortari ou Marcel de Souza. Ficava dividindo seu tempo seja com o time sub-19 ou com o da LDB, passando muito tempo em quadra, é verdade, mas não exatamente no nível que ambicionava. Até que a redução de investimento desta temporada forçou essa transição para valer, agora sob o comando do técnico César Guidetti. Chegara a hora, mesmo que, na sua concepção, a efetivação pudesse muito bem ter acontecido antes.

''Penso que a gente poderia ter sido lançado antes, e isso é uma coisa que nunca escondi de ninguém. Tinha essa insatisfação por não estar jogando e só estar treinando. Acho que isso é algo bom que tenho, de querer jogar, mostrar meu basquete'', diz o atleta, sem passar nada de arrogância em sua declaração.

Humberto ainda jogou pela LDB desta temporada, sendo campeão ao lado do chapa Lucas

Humberto ainda jogou pela LDB desta temporada, sendo campeão ao lado do chapa Lucas

Anormal seria alguém conformado com a reserva. A diferença é o modo como se encara a situação: se sua insatisfação vai se transformar em fardo, ou se vai motivá-lo ainda mais para provar qual o seu lugar.''Teve o lado bom. Serve para ver outras coisas. O atleta profissional, por exemplo, tem uma rotina específica, e demora um pouco para você se habituar a ela, com jogos, viagens, puxar ferro, os treinos. Na base, não se trabalha forte assim. Esses dois ou três anos serviram para me acostumar com isso. Hoje, se me tirarem essa rotina de basquete, eu sentiria muita falta'', diz o ala-armador, que  jogou mais de 770 minutos em seu terceiro NBB, cinco vezes mais do que havia recebido em 2013-14. Respondeu, claro, com as melhores marcas de sua carreira em pontos (8,4), rebotes (2,9) e assistências (1,9). Foi indicado ao prêmio de melhor sexto homem da competição, disputando com Marcelinho Machado e Jimmy Oliveira, do Mogi.

''Tem sido bom. Não diria 'muito bom', porque acho que poderia estar muito melhor, claro. Está sendo de razoável para bom, e tem muito o que melhorar, muito mesmo, com o pé no chão. Mas foi importante para ver o que precisa ser feito e saber que agora estão nos vendo, que estamos indo para o jogo. O outro lado é saber dosar, de reconhecer se está preparado, ou não. Acho que mentalmente estou, mas dentro do jogo tenho de melhorar muitas coisas'', avalia.

A prioridade para Humberto é o arremesso.  Para um jogador de perímetro, enfrentando internacionalmente defesas cada vez mais fechadas, congestionando o garrafão no lado em que está a bola, é vital que o chute funcione. Em sua primeira temporada efetiva como profissional, já cresceu bastante em todos os quesitos. Nos tiros de longa distância, saiu de 21,1% para 33,3%. Nos lances livres, de 62,5% para 73,8%. Mais perto da cesta, foi de 33,3% para 44,3%. Mas cabe mais, claro. ''Sem dúvida, tenho treinado bastante. Acho que são uns 500 chutes por dia, 250 de manhã e de tarde. Procurei mudar um pouco minha mecânica de arremesso'', diz.

Mais trabalho no chute

Mais trabalho no chute

Sabe quem serviu de exemplo? CJ McCollum, vejam só, o emergente ala-armador do Portland Trail Blazers, time que não está toda hora assim na TV. Sinal de que o jovem paulistano anda investindo seu tempo no League Pass da NBA, certo? ''Comecei a ver alguns arremessos, comparando com o meu. Vendo ele, reparei que estava pulando pouco para arremessar, saindo pouco do chão, e nunca tinha pensado se isso influenciava.  Agora estou saltando um pouco mais e acho que isso dá mais força nas pernas. Antigamente acho que estava colocando muita força no braço. No Jogo das Estrelas, o Marcelinho (Machado, o maior chutador brasileiro de sua geração) comentou comigo isso também, de colocar força na perna.''A entrevista com Humberto foi gravada em meio ao confronto com Bauru, pelas quartas do campeonato nacional. O Pinheiros havia acabado de perder o primeiro jogo, em casa, em um duelo equilibrado. O ala-armador falava com confiança, acreditando ainda numa virada. Já haviam reagido contra o Minas pelas oitavas de final, aliás, revertendo, de modo impressionante, uma desvantagem de 2 a 0.

Pois bem, como sabemos, não foi possível. Mas eles deram trabalho, sim, e ainda estenderam a série ao Jogo 4, depois de surpreendente triunfo como visitante, justamente com a melhor apresentação de Humberto, quando marcou 27 pontos. Não por coincidência, foi uma jornada inspirada no chute, tendo convertido 10 de 16 tentativas e 5 de 9 de fora. Para alguém de primeiro passo explosivo, a conversão de média para longa distância só vai lhe abrir a quadra e os ângulos para ataque. No confronto com Bauru, teve média de 15,7 pontos em quatro partidas, com 40,5% nos disparos de três.

Outro fator que o ajudou foi a parceria com os americanos Cordero Bennett e Desmond Holloway. O ataque pinheirense encaixou bem quando Guidetti adotou uma formação mais baixa, em que os gringos e o jovem ala-armador dividiram responsabilidades. Os três poderiam conduzir a bola e partir para o ataque também, ''puxando o jogo'', como Humberto gosta de dizer. Um verbo que faz sentido para alguém que pode cortar a quadra toda com velocidade. ''Foi um papel bem diferente do que tive nos outros anos, de poder chamar um pouco mais, de resolver. Procurei fazer isso para a bola não ficar só na mão do Lucas, ou do Holloway. Fazendo isso, acho que se abriu um leque de opções. Ficou mais difícil de marcar, mais imprevisível. Vou buscar isso. Mesmo que não seja para pontuar,mais  que possa criar para os outros.''

O jogo da vida: 27 pontos no playoff contra Bauru

O jogo da vida: 27 pontos no playoff contra Bauru

Nos anos anteriores, Humberto em geral era chamado para situações bem específicas, para marcar, quando o time precisava pressionar algum cestinha no perímetro. Foi bom ver, então, que a maior carga de minutos não tirou seu ímpeto para a contenção. ''Gosto realmente de defender. Acho muito mais legal dar um toco, roubar uma bola, não deixar o cara te cortar. Na própria Liga das Américas (de 2014, quando o Pinheiros foi derrotado pelo Flamengo na final), fui chamado para marcar o Marcelinho. Carrego isso comigo. Não faço nada específico, acho que pode ser uma coisa mais pessoal, mesmo, de olhar para um cara e pensar que ele não vai passar por mim.''

A exibição contra o Flamengo, por sinal, teria repercussão futura. Não foi por acaso que, no ano passado, o clube rubro-negro tenha tentado levar o jogador para o Rio, antes de fechar com Rafael Luz e Ronald Ramon. Num sistema defensivo que José Neto costuma aplicar, de preferência agressivo, com muita pressão na bola, ele se encaixaria muito bem. Se a contratação tivesse sido validada, talvez ele pudesse estar disputando a final neste momento? Se não vai estar em Marília, ou no Rio, também não quer dizer que vá assistir tudo de casa. Afinal, neste domingo ele terá de se apresentar em São Paulo para iniciar a preparação rumo ao Sul-Americano, convocado por Magnano, numa lista que agrada, mesclando veteranos como Fúlvio, Jefferson William, JP Batista, Olivinha e Rafael Mineiro com jovens apostas.

Será sua primeira passagem pela seleção como profissional. Na base, em meio a passagens pelo Banespa, São Paulo e Círculo Militar, disputou duas competições oficiais da Fiba: a Copa América Sub-16 de 2011, em Cancún, e o Mundial Sub-19 de 2013, em Praga. No ano passado, também participou da Universíade, sobre a qual se recorda de seu duelo, como marcador, com o ala Wayne Selden Jr., da Universidade de Kansas, que representou a seleção americana. Agora o desafio é encarar encarar forte concorrência para ficar no grupo final, ao lado de Henrique Coelho, Davi Rossetto, Deryk, Fúlvio, Gui Deodato, Jimmy Oliveira e Leo Meindl. Georginho, seu companheiro de Pinheiros, também se junta ao grupo.

Passar no corte final e jogar na última semana de junho e a inicial de julho traria uma ambiguidade aos planos de Humberto. Seria um prolongamento desta temporada, a antecipação da próxima, ou meramente uma intertemporada? Para alguém de 21 anos, acho que não interessa. ''O que quero, primeiramente, é continuar crescendo. Quero ter uma temporada melhor, independentemente de onde esteja. Algumas coisas já vêm mudando, dentro e fora da quadra. Ser reconhecido pelo que faz é legal, te motiva mais. Mas mantenho os pés no chão, e aí o crescimento vem naturalmente. Claro que NBA é um sonho de cada jogador, Europa também, mas sou um cara de reconhecer muito meu limite. Acho que estou num momento de fazer um bom trabalho no Brasil, fazer boas temporadas aqui para depois pensar lá fora. Tem de me firmar aqui no Brasil para depois poder ter alguma chance fora.''

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