Vinte Um

De frente com Andrés Nocioni: muita cultura além do coração

Giancarlo Giampietro

Andrés Nocioni, Real Madrid x Bauru

Uma viso aos navegantes: o Real Madrid está em São Paulo desde quarta-feira, mas não anda muito aberto para conversar com a gente. Por enquanto, basicamente há três porta-vozes que se repetem: o técnico Pablo Laso, o armador Sergio Llull e Andrés Nocioni, nosso velho conhecido. Um ou outro vai falar aqui e ali, e neste sábado os novatos merengues Trey Thompkins e Willy Hernangómez estiveram disponíveis para um rápido bate-papo. Mais nada. Num depoimento pessoal, depois de ter transmitido com o Sports+ duas temporadas seguidas nas quais eles tinham a melhor equipe, posso dizer que esperava mais contato, mais oportunidades de discutir, trocar ideias.  Mas isso não quer dizer que sejam necessariamente esnobes, ou coisa mais grave.  É de se supor que este protocolo foi desenvolvido com o passar das últimas temporadas de retomada do clube no basquete europeu, honrando o peso da camisa, ou do escudo, como eles preferem dizer. É o Real Madrid, de nove títulos continentais na modalidade, e outros dez no futebol. Enfim.

Posto isso, quando eles falam, geralmente dão depoimentos ricos em detalhes que acabam compensando  o silêncio. Peguem Nocioni, o Chapu, por exemplo. Após a derrota de sexta-feira, foi  o único a parar na zona mista para atender a mídia que chegou lá um pouco mais cedo, topando falar com o Bruno Laurence, da TV Globo, com o resto na carona. Mais tarde, Llull e Laso se apresentariam para a coletiva. Antes do treino deste sábado, mais uma janela foi aberta. E quem estava lá de novo? Novamente o campeão olímpico argentino.

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O bom é que, amigos, a conversa rende, e sem cotoveladas, xingamentos ou berros irados. Para uma entrevista coletiva com uns cinco, seis repórteres, com os quais ele provavelmente só estava familiarizado com o sujeito da TV Real Madrid, o veterano de 35 anos falou bastante. Você pode ter certeza que o assessor de imprensa gigantesco do clube espanhol estava imaginando algo como cinco perguntinhas rápidas, respostas protocolares e um ''hasta mañana''. Pois a sessão durou oito minutos. Para quem não está muito acostumado com esse processo, pode parecer pouco, mas se fosse transcrever tudo na íntegra aqui, pode ter certeza que seria mais um calhamaço típico do blog.

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Houve, por exemplo, uma exigente pergunta de um hermano sobre se Chapu imaginava, 19 anos depois  da Copa Intercontinental de 1996, estar de volta ao torneio. Por experiência própria, posso dizer que é o tipo de questionamento que poderia ser facilmente desconversado por alguém com má vontade, preguiça ou que não tenha tão interesse assim pela história, mesmo pela história por ele vivida. Mas, não. Do torneio realizado entre Olimpia Venado Tuerto, de sua Rosario, e Panathinaikos, Nocioni se lembrou de muita coisa. De como, naquela ocasião, era o contrário: ele estava ao lado do time mais fraco, sendo que agora estão com os ''chamados, a priori'' favoritos. Falou de como venceram o primeiro jogo em casa, ''incrível'', com Alejandro Montecchia se destacando ''como sempre'', que fizeram um segundo jogo equilibrado em Atenas, mas perderam, para, depois, serem atropelados na terceira partida. As respostas se prolongavam, sem o menor problema.

É engraçado: foi minha primeira entrevista com Nocioni ao vivo. O Chapu não estava em nenhum d0s torneios americanos que havia ido cobrir, e não foram poucos. Walter Herrmann, Federico Kammerichs, Marcos Mata, Leo Gutiérrez, Carlos Delfino e outros 'ches' estavam fazendo suas vezes. Fiquei impressionado pela combinação de lucidez, cultura e profissionalismo que usava para se expressar. Convenhamos: para quem o vê se matando e arrebentando (física e metaforicamente) a concorrência em quadra, não era a imagem que se supunha. Ou era?

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Aí me cai a ficha: para ser o vencedor que Nocioni se tornou, não basta força de vontade (desmedida, no seu caso) ou talento (muuuuuuuuito subestimado). Tem de saber o que fazer com essas ferramentas. E isso não acontece ao acaso. Quer dizer, há gente tão talentosa que acaba superando qualquer barreira com facilidade. No caso desse argentino ouro em Atenas 2004, bronze em Pequim 2008, semifinalista em Londres 2012 e classificado novamente para o Rio 2016, sem contar os quatro títulos recentes pelo Real Madrid em 2014-2015, e tantos outros do passado, pesa também a sua cultura basquetebolística. Nocioni não é só coração, mas também um  cérebro.

O que me ocorreu também foi um velho perfil do ex-volante Chicão, do São Paulo e da seleção brasileira, de autoria de José Maria de Aquino, para Placar. Se procurar com paciência no ''Google Books'', deve dar para encontrar. Mas foi desses textos que fez a minha cabeça e valeu talvez mais do que um ano inteiro de faculdade. Nele, o repórter relata a ansiedade (pretensa, claro) de se encontrar com o brucutu meio-campista, desde a chegada ao prédio em que morava, à espera por sua saída no vestiário. Aos poucos, Aquino vai desconstruindo o mito de violência e rudeza em torno do jogador. No final,  está claro que se tratava de alguém com o coração enorme e também bastante pragmático. A reportagem, porém, terminava com uma espécie de aviso: ''Mas que se diga que eu nunca joguei contra ele''. Pois é. Evoco essa tirada sensacional para dizer que nunca disputei um rebote com Chapu. Fiquemos assim.

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11-Andrade-101-369x525Bom, nesses oito minutos de perguntas e respostas, duas vieram desta fonte aqui. A primeira foi sobre o desafio de se marcar um time que pode jogar com seus dois pivôs abertos, com Jefferson William e Rafael Hettsheimeir — e algo que Rafael Mineiro também poderia fazer, se estivesse mais entrosado. O strecht four, gente, é uma das posições da moda na NBA, mas é algo que foi importado da Europa, com enorme influência de Dirk Nowitzki. O movimento, porém, suplanta o craque alemão. Jorge Garbajosa, Dejan Tomasevic, Kostas Tsartsaris são alguns dos nomes de grandalhões que faziam muito bem o jogo de high-low que me vêm à cabeça, mas vai ter muito mais por aí. Praticamente toda seleção europeia tem um desses hoje (pensem em Nemanja Bjelica, Nikola Mirotic, Boris Diaw, Andrea Bargnani, Ersan Ilyasova etc.). Com um adendo: o fato de eles abrirem para o chute não quer dizer que tenham obrigatoriamente de limitar sua abordagem ofensiva à zona de longa distância.

O Bauru toma emprestada essa ideia e a leva ao extremo quando posiciona seus dois pivôs titulares no perímetro. O legendário argentino disse que é muito difícil lidar com algo assim. ''É algo totalmente distinto. Sinceramente, não temos muita experiência com equipes assim na Europa. Não há nenhuma equipe que jogue desta maneira'', afirmou. ''Temos de fazer alguns ajustes, pois ontem tínhamos a partida bastante controlada até que eles começaram a abrir os dois grandalhões para o tiro exterior, e aí o jogo saiu das nossas mãos. Rafa esteve em um nível altíssimo, com uma porcentagem incrível, mas que sabemos que não é nada de outro mundo, que tem feito isso na liga brasileira todos os dias. Vamos ter que ajustar um pouquinho a defesa, já que não podem chegar ao triunfo.''

Interessante, não? Quando guerrinha abre seus dois homens altos, parece estar infringindo uma série de regras clássicas do esporte. Pode beirar o absurdo, mesmo. Mas, se dá certo, se rende resultados, como você vai contestar isso? Naturalmente, não podem depender só desse fator que, de primeira, surpreende. O Real vai se planejar para conter esse tipo de armação, e o Bauru já tem de estar preparado para isso e buscar alternativas. Para o restante da concorrência do NBB, creio que vale ficar de olho no que Laso vai planejar e tentar executar.

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A segunda questão era uma escapada do tema, mas que não deveria falar. Sobre como se sentia depois de mais uma participação olímpica, e o quão especial essa última Copa América foi ao lado de Scola, seu velho parceiro. Chapu foi além: ''Foi um torneio incrível no qual conseguimos nossa classificação olímpica para manter um projeto, uma ideia de seleção argentina durante muitos anos. É nossa quarta edição de Jogos Olímpicos. Sinceramente me sinto muito orgulhoso de todo esse processo. Fomos com uma equipe jovem, de inexperientes em sua maioria. Mas conseguimos uma classificação incrível. Obviamente que tivemos um sabor amargo ao não conseguir o título no final, mas mas me parece que perdemos para um adversário grande que foi a Venezuela, terminando um torneio histórico para eles. Para nós, terminou sendo um torneio importantíssimo, porém, para manter a equipe no maior nível mundial.''